JORGE RODRIGUES SIMÃO
2025
Um projecto deste tipo havia inspirado a
criação da Sociedade das Nações, fortemente promovida pelo presidente americano
Wilson após a I Guerra Mundial (embora os próprios Estados Unidos nunca tenham
aderido), e foi relançado com a fundação, no pós-II Guerra Mundial, das Nações
Unidas. Com o fim da Guerra Fria e da divisão do mundo em dois blocos opostos,
num universo finalmente pacificado pelas guerras e onde a multiplicação das
relações negociais parecia substituir, nas relações entre nações, o uso da
força, acreditou-se por um momento que esse projecto poderia enfim concretizar-se.
“Fim da história”: incerteza, ameaça e violência substituídas pelo reino das
regras e dos direitos humanos. Desde os tempos dos romanos que, se não
inventaram o direito, inventaram uma abordagem racional, quase “científica”, na
sua elaboração e aplicação, separando-o das outras esferas do controlo social,
como a religião ou as normas de etiqueta em que se questiona a existência, na
consciência humana, de certos princípios fundamentais, partilhados por todos,
cuja presença seria inerente à própria vida em sociedade.
Os juristas romanos falavam de um “direito
natural” que a natureza teria instilado na alma humana, originando a ideia de
regras elementares que todos deveriam respeitar. Contudo, essas teorias nunca
tiveram eficácia prática, não tendo sido traduzidas em normas activas do
direito vigente, permanecendo essencialmente como referências filosóficas. Bem
mais relevante para os romanos foi outro conceito, aquele que designava a parte
mais inovadora do seu sistema jurídico e que consideravam corresponder a
necessidades elementares e práticas comuns a todos os povos que é o direito das
gentes. Com base neste, estenderam tais regras a todas as comunidades
absorvidas e governadas, aplicando-as a cada indivíduo sob a sua soberania,
independentemente do direito particular da cidade a que pertencesse. Estas
instituições eram vistas como constitutivas de um ius gentium, um
direito dos povos; universal, tal como era o próprio império romano.
Assim, a certeza de regras jurídicas
comuns a todos os membros das diversas comunidades que integravam o sistema
político romano ainda que continuassem a viver segundo os seus costumes
particulares sobretudo a partir da reorganização do poder por Augusto, foi a
condição que permitiu o extraordinário desenvolvimento dos tráficos comerciais
em todo o âmbito de influência romana, com consequente prosperidade económica.
Nesse período que o historiador do século XVIII Edward Gibbon descreve como o
momento de “máxima felicidade” da humanidade (embora ciente de que então vigorava
amplamente o sistema da escravatura), o imenso prestígio do imperador romano e
do direito fundado na sua autoridade, comum a todos os povos do império,
assumiu um valor de referência generalizado, destinado a sobreviver à própria
história de Roma como mito e nostalgia persistente.
Atravessando os longos séculos marcados
pelas invasões bárbaras e pela lenta transformação dos povos europeus nos
embriões das novas entidades territoriais e políticas que estiveram na origem
das várias identidades nacionais, esse legado ressurgiu com força entre o fim
da Idade Média e os primórdios da Idade Moderna, como património comum a evocar
na construção de uma nova história. Identificado sobretudo com o antigo direito
romano, cuja memória foi preservada pela grande compilação realizada pelos
juristas do imperador Justiniano, no século VI. Conjunto de regras escritas reunidas
nas suas famosas obras, o Código e o Digesto cuja redescoberta e estudo foram o
ponto de partida das novas universidades “inventadas” na Itália do primeiro
Renascimento, a começar por Bolonha, fundada no final do século XI. O direito
romano tornou-se assim o direito comum.
Não o único vigente nos múltiplos Estados
e principados europeus, mas o direito comum do mito da unidade imperial,
revivido pelos grandes príncipes alemães em luta com o papa, naquela história
que estudámos sumariamente no liceu. É, no entanto, a uma utilização
completamente nova do legado romano que aqui se faz referência, evocando uma
das épocas mais atrozes da história europeia, entre os séculos XVI e XVII,
devastada por guerras particularmente ferozes por serem travadas em nome de
Deus de católicos contra protestantes, todos a defender-se da ameaça do império
otomano, enquanto perseguiam judeus e muçulmanos que viviam entre eles. As
guerras que irromperam na Europa desenrolaram-se sem regras, devastando regiões
inteiras, multiplicando-se com a expansão das potências europeias para além dos
oceanos, através das conquistas coloniais. Foi então que os Estados europeus
começaram a combater sistematicamente também no mar, em confrontos sem quartel
pelo controlo das rotas comerciais.
Nos conflitos territoriais, os exércitos
profissionais onde amigos e inimigos pouco se distinguiam saqueavam e destruíam
todas as terras por onde passavam. Os próprios soberanos que os contratavam só
lhes podiam impor alguma disciplina com cautela e dentro de limites estreitos,
e apenas se não houvesse salários em atraso. No mar, a guerra confundia-se
frequentemente com pirataria pura e simples. Foi uma grande operação
científica, mas também bem concebida do ponto de vista prático, pois conseguiu
articular-se com os interesses obtendo assim o apoio indispensável dos Estados
nacionais. Iniciada no final do século XVI, envolveu juristas e teólogos de
várias nações como espanhóis, holandeses, italianos, ingleses, protestantes e
católicos. O seu objectivo era construir doutrinariamente um novo tipo de
direito, designado com a antiga terminologia romana, o direito das gentes.
Mas, como tantas vezes acontece na
história, antigos conceitos foram preenchidos com conteúdos completamente
novos. Este ius gentium passou a ser entendido como inscrito na
natureza humana por vontade divina, referência comum a católicos e
protestantes, num mundo onde a religião ainda tinha um peso determinante. A
génese e a difusão destas novas concepções não foram obra das cortes ou dos
soberanos, mas dos grandes centros de pensamento e saber que eram as universidades.
Muitas vezes situadas em países pequenos, como a Holanda, mas profundamente envolvidas
nas novas formas de expansionismo extra-europeu, onde a criação de um sistema
elementar de regras entre os Estados podia significar a existência ou não de um
espaço de acção sem riscos demasiado elevados para ser enfrentado.
A inovação deste esforço só pode ser
plenamente compreendida se reconhecermos que a referência ao direito das
gentes, com um conteúdo radicalmente distinto daquele atribuído pelos romanos,
tal como foi desenvolvido pelos juristas dos séculos XVI e XVII, visava criar
uma realidade completamente nova. Até então, como na experiência original
romana, a própria ideia de direito enquanto conjunto de regras estava associada
à existência de uma autoridade geral a cidade-Estado, o império ou o soberano
absoluto das monarquias helenísticas que lhe conferia eficácia dentro de um
determinado território e perante uma comunidade específica. Com os seus juízes
a aplicá-lo aos casos concretos, e com o uso da força contra quem violasse as
leis da cidade. Nas relações entre poderes soberanos, podiam existir práticas
consuetudinárias e vínculos recíprocos, introduzidos por acordos considerados
vinculativos com base em deveres de lealdade mútua, a fides romana. Mas a
dureza dos confrontos de força estava sempre pronta a ressurgir com a violação
arbitrária desses acordos, dando origem a novas guerras. Não existia qualquer
sanção em caso de quebra da fides, pois faltava um poder superior, acima dos
príncipes territoriais e dos soberanos, que pudesse julgar razões e culpas.
Com as novas ideias dos juristas do século
XVII, ao lado dos ordenamentos jurídicos vigentes, sustentados pela força
material dos Estados, introduzia-se uma outra ideia, mais incerta, de um
direito “diferente”. Também originado pela vontade divina, mas que não se
identificava com o vasto património jurídico dos antigos romanos, consagrado na
obra de Justiniano, que se tornou o fundamento dos sistemas jurídicos dos
Estados europeus e da própria Igreja de Roma. Este novo direito era produto do
saber dos juristas e teóricos, baseado em princípios gerais por eles elaborados,
recorrendo às tradições jurídicas correntes. Acrescentava-se sem se substituir aos
sistemas jurídicos vigentes, operando não dentro deles, mas com o propósito de
regular as relações entre Estados soberanos. Fundava-se na convicção, ainda
fortemente enraizada na tradição religiosa da época, de que na razão de cada
ser humano estava inscrita uma série de ideias e valores de origem divina.
Os juristas do século XVII sustentaram
que, a partir dessa consciência do justo e do injusto inscrita na razão humana,
era possível extrair verdadeiras regras jurídicas reflexo da vontade divina.
Dos princípios gerais que elaboraram, derivaram normas legais concretas, as
regras do novo ius gentium. Tratava-se de uma construção artificial,
fruto da pura inteligência dos juristas da época, moldada pela linguagem e
lógica do antigo direito romano, mas tornada eficaz pela conveniência
generalizada dos Estados envolvidos na guerra e na paz na Europa. Dessa forma,
conseguiu-se definir um campo de jogo rudimentar, com regras e árbitros
próprios, garantindo condições iguais para todos e limitando os riscos
imprevisíveis decorrentes da conduta arbitrária de cada um. Como esse jogo era
sempre incerto e qualquer jogador podia perder tudo, auto-impor limites à
própria liberdade de acção surgia como uma garantia para todos.
Esta lógica foi ganhando adesão e impôs-se
progressivamente, derivando, no fundo, da necessidade de sobrevivência que o
uso destrutivo da guerra colocava em risco constante. Num sistema de relações
entre Estados europeus, pacíficos ou hostis, em que os aspectos económicos
ganhavam importância crescente, criando as condições para a extraordinária “invenção”
do capitalismo, o direito das gentes foi o resultado de um cálculo de
custo-benefício. A liberdade sem restrições de cada um acabava por aumentar
demasiado os riscos de todos, limitando os benefícios de poucos. Por isso, esse
direito assumiu uma importância crescente, dando origem a um sistema de regras
que está na base do direito internacional. Neste contexto, as lógicas de
arbitragem voluntária entrelaçavam-se com os modelos próprios dos tribunais,
com juízes investidos de uma autoridade que não derivava de um poder soberano
superior inexistente, mas do consentimento voluntário das partes, vinculadas,
em última instância, pelo seu próprio interesse em garantir alguma certeza nas
relações que, de outro modo, seriam apenas confrontos brutais de força, com
toda a incerteza que isso implicava para cada jogador.
Este processo de alargamento dos espaços
negociais e do terreno dos acordos, em contraste com o uso indiscriminado da
violência bélica, foi-se concretizando sem a autoridade superior de um poder
soberano, expandindo progressivamente e com relativo sucesso à própria esfera
do direito, num percurso ininterrupto que se prolonga até aos nossos dias.
Sempre perturbado por violações, claro está, pois quem perdia ou ganhava
demasiado acabava, por motivos opostos, excesso de confiança ou desespero por
abandonar as regras e princípios, recorrendo à força bruta. Mas sempre
retomado, após cada crise, pela utilidade comum. É uma das páginas mais
fascinantes da história das instituições e da ciência jurídica na Europa
moderna, onde se destacou de forma exemplar a inteligência e o saber de alguns
dos maiores juristas da época, que se colocaram, de certo modo, acima da sua
própria comunidade política, regulando e julgando conflitos entre poderes
soberanos e entre Estados, sobretudo em virtude do seu conhecimento e estatuto
intelectual invulgar. Com o fim das guerras religiosas, marcado pela Paz de
Vestfália, as doutrinas jusnaturalistas consolidaram-se em sistemas
embrionários de direito internacional, com regras do mar e corpos normativos
próprios.
E com a contribuição de outros juristas
brilhantes, como Alberico Gentili, entre Itália e Inglaterra, foi-se preparando
o direito da guerra e da paz, antecipando o triunfo da Idade das Luzes na
Europa do século XVIII. Foi então que grande parte das elites europeias se
envolveu num colossal ensaio social, destinado a assegurar e acelerar, através
da civilização generalizada das sociedades europeias, o seu progresso
espiritual e material, numa visão optimista que se estendia à humanidade como
um todo. É, sem dúvida, uma história que contribuiu decisivamente para dar
substância a uma das épocas mais elevadas da civilização europeia, da qual
derivou também uma relativa estabilização das sempre voláteis relações entre
Estados nacionais, abrindo um novo caminho inovador que também tinha raízes no
pensamento religioso e na teologia cristã.
Não parece demasiado grande a transição da
ideia de uma lei divina, inscrita no coração dos homens e acessível através do
uso correcto da razão, para a convicção de que a lei natural que deveria
governar os homens estava impressa profundamente na sua razão, deixando de lado
a questão de saber se essa origem era divina ou natural. Mas essa transição,
entre os séculos XVI e XVIII, marcou o triunfo do racionalismo iluminista, com
a ideia de que as sociedades deveriam ser governadas segundo a razão e por
regras nela fundadas. A solene afirmação dos direitos inerentes a cada ser
humano na Declaração de Independência americana, redigida por Jefferson, e os
“princípios imortais” da Revolução Francesa continuam a lembrar-nos o momento
de ruptura em que o longo percurso do jusnaturalismo e do jusracionalismo
moderno deu frutos, assinalando uma extraordinária aceleração daquele que então
se designava por “processo de civilização”,
cuja prossecução, por consenso unânime, era vista como o maior título de
legitimação dos governantes.
Esta brevíssima síntese histórica para
chegar ao ponto que realmente interessa, o de evidenciar que este conjunto de
teorias e tentativas práticas de regulamentar as relações entre indivíduos e
Estados independentes constituiu uma grande construção intelectual, alicerçada
em pressupostos parcialmente religiosos e afirmados a priori sobre a “verdadeira”
natureza humana. Trata-se de uma história essencialmente europeia e americana,
ainda que tenha envolvido muitos outros povos e sociedades. Em primeiro lugar,
porque as construções conceptuais em questão são, na sua essência, fruto de uma
reflexão e de um debate internos a essa área geográfica e cultural. Em segundo
lugar, porque a liberdade e a igualdade proclamadas pelos filósofos diziam
respeito, durante muito tempo, quase exclusivamente aos europeus e aos cidadãos
das antigas colónias britânicas na América e noutros continentes, como a
Oceânia os “happy few”.
Os povos da América Latina apenas
participaram parcialmente desse processo. Ainda nas primeiras décadas do século
XX, os valores da racionalidade e da uniformidade na gestão do poder estatal assente
em regras pré-determinadas e no consentimento dos governados, no respeito pelos
direitos individuais, nas garantias de liberdade e na igualdade de condições
pessoais, independentemente do sexo, raça ou religião continuavam a excluir
todos os povos dominados pelos europeus como os indígenas a colonizar e
cristianizar. Mas esse “fardo do homem branco”, pelo qual os Estados ocidentais
se encarregaram de governar praticamente, directa ou indirectamente, quase toda
a humanidade impondo, pelo menos, os seus valores económicos associados à
peculiar ideia de liberdade dos mercadores capitalistas, como no caso da China,
com a guerra do ópio, ou do Japão foi sempre sustentado pela violência.
Nunca se baseou no consentimento dos
dominados. Foi precisamente na época da emancipação dos muitos povos
colonizados pelas potências europeias, quase sempre alcançada através de duras
lutas, frequentemente armadas, dos dominados contra os seus colonizadores que
estes, sob a égide das potências vencedoras da II Guerra Mundial, foram
envolvidos, em 1945, na criação de uma assembleia de todas as nações. Ainda que
sob o controlo persistente dos poderes “mais soberanos do que os outros” como
os Estados Unidos e a URSS, seguidos pelos restantes vencedores europeus. Com
essa nova ordem, afirmaram-se os ideais generalizados da humanidade inscritos
na Carta fundadora das Nações Unidas.
Contudo, esses mesmos ideais foram sendo
distorcidos ao longo da feroz disputa entre o bloco socialista e as potências
liberais de orientação democrática e economia capitalista. Com o colapso do
Muro de Berlim e o fim do socialismo real, esses ideais passaram a ser
apropriados em exclusivo pelos vencedores ocidentais. Pareceu então possível
instaurar uma nova ordem mundial, capaz de concretizar um modelo de relações
pacíficas, funcional à coexistência competitiva de um mundo composto por
Estados nacionais e sujeitos soberanos, capazes de assegurar os seus interesses
sem recorrer à guerra. A pedra angular desse sistema era o papel da potência
que liderara o bloco ocidental até à vitória ou seja, os Estados Unidos,
garantes dos equilíbrios globais. Foi nesse contexto que se chegou a falar no
“fim da história”, entendida como o fim das guerras e das formas irracionais da
política.
Uma previsão errada, pois as guerras
continuaram a devastar o mundo, alastrando-se progressivamente até atingirem a
própria Europa, que até então beneficiara de uma longa paz interna desde 1945,
também devido ao seu papel central no confronto entre os dois grandes blocos do
pós-guerra. Entretanto, foram precisamente os supostos garantes da ordem
supranacional que multiplicaram as intervenções militares, justificadas pela
necessidade de proteger os direitos humanos contra Estados que os violavam abertamente
em relação aos seus próprios cidadãos. Mas essas intervenções não se dirigiram
a todos os Estados que violavam tais “direitos humanos”, mas apenas a alguns
poucos entre os muitos que poderiam ser incluídos nessa categoria, aqueles
contra os quais os Estados Unidos e os seus aliados do momento tinham razões
políticas para intervir militarmente. Da ex-Jugoslávia (cuja crise esteve
intimamente ligada à política alemã e de outras potências) ao Afeganistão, do
Iraque à Líbia.
Foram precisamente os resultados dessas
guerras que tornaram evidente a profunda contradição subjacente à política de
promoção dos direitos humanos em contextos culturais e políticos diversos. Essa
política foi, na prática, conduzida através de intervenções pontuais,
frequentemente orientadas por interesses estratégicos e decisões moldadas por
prioridades alheias à defesa universal dos direitos. Tal selectividade
justificou, no início deste século, a crítica de vozes lúcidas e desencantadas,
oriundas de tradições progressistas, que denunciaram o uso instrumental e
arbitrário da linguagem dos direitos humanos, condicionada pelas alianças e
inimizades geopolíticas do bloco ocidental, em particular dos Estados Unidos.
A actualidade parece confirmar essa
leitura crítica. O grotesco, mas revelador, episódio em que uma figura sem
escrúpulos entrega ao presidente americano uma carta a propor-lhe a nomeação
para o Prémio Nobel da Paz ilustra com crueza a inversão de sentido que se
operou. Em nome de um “direito” associado a valores democráticos e liberais muitas
vezes definidos de forma subjectiva e aplicados de forma desigual anulou-se o
próprio conceito de direito tal como herdado da tradição jurídica romana que é um
instrumento social, imperfeito mas essencial, concebido para garantir a
igualdade formal entre os membros de uma comunidade.
Esse plano artificial de equidade, a aequitas
romana, consistia precisamente em colocar, sob a autoridade soberana do juiz,
os litigantes e os portadores de interesses opostos em condições de igualdade.
Hoje, essa igualdade de tratamento é negada à partida por quem detém o poder de
decidir, de forma discricionária, quem será submetido ao crivo dos “direitos
humanos” e quem, por conveniência política, será poupado a esse escrutínio. O
resultado é uma justiça selectiva, que mina a credibilidade do próprio conceito
que pretende defender. Mas atenção com a rápida transformação da relação dos
Estados Unidos com o resto do mundo e até com os seus aliados tradicionais está
a desmoronar-se o vasto e diversificado sistema multilateral de relações e
pretensões recíprocas que se iniciou com a história moderna da Europa.
Regressa-se ao domínio puro da força, como demonstram amplamente os actuais
aliados de Trump, Netanyahu e Putin. Poder-se-ia falar de ciclos da história,
recordando os séculos de insegurança generalizada e de domínio exclusivo da
força bruta que se seguiram, na Europa, à queda do Império Romano do Ocidente.
Mas aqui termina a analogia, pois o reino de insegurança e de força bruta que emerge
associa-se a um esplendor nunca antes visto do domínio humano sobre a natureza,
e a uma era de abundância e opulência garantida pelos avanços tecnológicos em um
contraste que, para alguns de nós, pode anunciar desastres ainda maiores.

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