JORGE RODRIGUES SIMÃO
2025
I. Introdução Geral
· Justificação temática
· Enquadramento constitucional
· Metodologia e fontes
II.
Fundamentos Históricos e Filosóficos
·
Origem
da proteção social em Portugal
·
Influência
dos modelos bismarckiano e beveridgiano
·
Evolução
legislativa desde o Estado Novo até à democracia
III.
Enquadramento Constitucional e Legal
·
Artigos
relevantes da Constituição da República Portuguesa
·
Leis
de bases da segurança social
· Código Contributivo e legislação complementar
· Regimes especiais e autónomos
IV.
Estrutura do Sistema de Segurança Social
· Regime geral obrigatório
· Regimes não contributivos
·
Regimes
especiais (agricultura, marítimos, etc.)
· Instituições gestoras: ISS, CGA, ADSE
V. Prestação
de Proteção Social
·
Prestações
por doença, maternidade, invalidez, velhice
· Subsídios de desemprego, parentalidade, funeral
· Pensões e reformas
·
Condições
de acesso, cálculo e duração
VI.
Financiamento e Sustentabilidade
·
Contribuições
dos trabalhadores e empregadores
· Equilíbrio atuarial
· Fundo de Estabilização Financeira
· Desafios demográficos e económicos
VII.
Fiscalização, Contraordenações e Responsabilidade
· Inspeção da Segurança Social
· Regime de contraordenações
· Responsabilidade civil e criminal
· Jurisprudência relevante
VIII.
Convenções Internacionais e Direito Europeu
· Convenção nº 102 da OIT
· Carta Social Europeia
·
Regulamentos
da UE sobre coordenação de regimes
· Acordos bilaterais de segurança social
IX. Desafios
Contemporâneos e Reformas
·
Precariedade
e novas formas de trabalho
· Digitalização e proteção social
· Rendimento básico universal
· Propostas de reforma legislativa
X.
Bibliografia Académica e Jurisprudência
·
Obras
de referência: Abel Rodrigues, Mário Silveiro de Barros, Apelles J. B.
Conceição
· Artigos científicos e teses
·
Jurisprudência
do Tribunal Constitucional e Supremo Tribunal Administrativo
CAPÍTULO I
Introdução Geral
1.1.
Justificação Temática
A
segurança social constitui um dos pilares fundamentais do Estado de Direito
Democrático. Em Portugal, o sistema de proteção social representa não apenas um
mecanismo de redistribuição económica, mas também uma expressão concreta da
solidariedade institucionalizada entre gerações, classes e territórios. O
Direito da Segurança Social, enquanto ramo autónomo do ordenamento jurídico,
regula os direitos, deveres e garantias associados à proteção dos cidadãos face
aos riscos sociais, como a doença, o desemprego, a invalidez, a velhice ou a
parentalidade.
A
escolha deste tema justifica-se pela sua centralidade na vida colectiva, pela
complexidade normativa que o caracteriza e pela relevância crescente que assume
num contexto de transição demográfica, transformação laboral e reconfiguração
das políticas públicas. O presente estudo visa oferecer uma leitura
sistemática, crítica e propositiva do regime jurídico da segurança social em
Portugal, articulando os fundamentos históricos, os dispositivos legais, os
instrumentos internacionais e os desafios contemporâneos.
1.2.
Enquadramento Constitucional
A
Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 63.º, o direito à
segurança social como um direito fundamental, impondo ao Estado o dever de
organizar, coordenar e subsidiar um sistema unificado e descentralizado de
protecção social. Este preceito constitucional estabelece os princípios
orientadores do sistema que são a universalidade, solidariedade, equidade,
descentralização e participação.
O
Direito da Segurança Social é, assim, um direito constitucionalmente garantido,
cuja concretização depende de legislação ordinária, regulamentação
administrativa e práticas institucionais. A sua natureza híbrida entre público
e privado, entre contributivo e assistencial exige uma abordagem jurídica que
reconheça a pluralidade de fontes, regimes e sujeitos envolvidos.
1.3.
Objetivos do Estudo
Este
livro tem como principais objetivos:
·
Sistematizar
o regime jurídico da segurança social em Portugal, incluindo legislação
nacional, convenções internacionais e jurisprudência relevante;
·
Analisar
criticamente os fundamentos históricos, filosóficos e políticos do sistema;
·
Identificar
os principais desafios contemporâneos, nomeadamente em matéria de
sustentabilidade financeira, inclusão social e adaptação às novas formas de
trabalho;
·
Propor
caminhos de reforma legislativa e institucional, com base em princípios de
justiça social, eficácia administrativa e respeito pelos direitos fundamentais.
1.4.
Metodologia e Fontes
A
abordagem metodológica adoptada é predominantemente jurídico-dogmática,
complementada por incursões histórico-políticas e análises comparativas.
O
estudo baseia-se em:
·
Legislação
nacional relevante, incluindo a Constituição, a Lei de Bases da Segurança
Social, o Código dos Regimes Contributivos e diplomas complementares;
·
Convenções
internacionais, como a Convenção n.º 102 da OIT, a Carta Social Europeia e os
regulamentos da União Europeia sobre coordenação de regimes;
·
Doutrina
especializada, com destaque para autores como Abel Rodrigues, Mário Silveiro de
Barros, Apelles J. B. Conceição, entre outros;
·
Jurisprudência
dos tribunais superiores portugueses, nomeadamente o Tribunal Constitucional e
o Supremo Tribunal Administrativo;
·
Documentos
técnicos e estatísticos produzidos pelo Instituto da Segurança Social, pela
Comissão Europeia e por organismos internacionais.
1.5. Estrutura do Livro
O
livro organiza-se em dez capítulos, cobrindo os seguintes eixos:
1. Introdução Geral
2. Fundamentos Históricos e Filosóficos
3. Enquadramento Constitucional e Legal
4.
Estrutura
do Sistema de Segurança Social
5. Prestação de Protecção Social
6. Financiamento e Sustentabilidade
7. Fiscalização, Contraordenações e Responsabilidade
8. Convenções Internacionais e Direito Europeu
9. Desafios Contemporâneos e Reformas
10. Bibliografia Académica e Jurisprudência
Cada
capítulo será desenvolvido com rigor técnico, clareza expositiva e preocupação
crítica, visando contribuir para o aprofundamento do conhecimento jurídico e
para o debate público sobre o futuro da segurança social em Portugal.
CAPÍTULO II
Fundamentos Históricos e Filosóficos
2.1.
A Origem da Proteção Social
A
proteção social não nasceu como um direito, mas como uma necessidade. Nos
primórdios da organização social, a assistência aos mais vulneráveis era
assegurada por estruturas familiares, comunitárias ou religiosas. A caridade, a
mutualidade e o paternalismo foram os primeiros mecanismos de resposta à
doença, à velhice e à pobreza.
Em
Portugal, as primeiras formas de assistência institucionalizada remontam à
Idade Média, com a criação de misericórdias, albergarias e confrarias. Estas
entidades, de natureza religiosa e filantrópica, prestavam cuidados aos pobres,
doentes e peregrinos, sem qualquer base jurídica de universalidade ou
contributividade.
Foi
apenas com o advento da industrialização e da emergência da classe operária que
se tornou evidente a necessidade de um sistema público de protecção social. A
insegurança laboral, os acidentes de trabalho e a ausência de rendimentos em
caso de doença ou velhice exigiram respostas estruturadas, para além da
caridade.
2.2.
Influência dos Modelos Internacionais
A
construção dos sistemas modernos de segurança social foi fortemente
influenciada por dois modelos paradigmáticos: o modelo bismarckiano e o modelo
beveridgiano.
·
Modelo Bismarckiano: Criado na Alemanha no final do século XIX, este modelo baseia-se na
contributividade e na profissionalização. A protecção social é financiada por
contribuições dos trabalhadores e empregadores, e as prestações são
proporcionais ao histórico contributivo. Este modelo privilegia os
trabalhadores inseridos no mercado formal e estabelece uma relação directa
entre trabalho e protecção.
·
Modelo Beveridgiano: Desenvolvido no Reino Unido após a II Guerra Mundial, este modelo assenta
na universalidade e na solidariedade. A protecção social é financiada por
impostos e garante prestações mínimas a todos os cidadãos, independentemente da
sua situação laboral. Este modelo visa combater a pobreza e promover a coesão
social.
Portugal
adotou uma solução híbrida, combinando elementos de ambos os modelos. O sistema
português inclui regimes contributivos e não contributivos, prestações
universais e condicionadas, e uma articulação entre protecção laboral e
assistência social.
2.3.
Evolução Legislativa em Portugal
A
institucionalização da segurança social em Portugal conheceu várias fases:
·
Estado Novo (1933-1974): A proteção social era concebida como instrumento de controlo social.
Foram criadas as Caixas de Previdência, com base contributiva, mas fortemente
centralizadas e burocratizadas. A assistência aos mais pobres era prestada
através de instituições de beneficência, sem direitos subjectivos.
·
Revolução de Abril e Constituição de 1976: A Constituição consagra o direito à segurança
social como direito fundamental. É criado um sistema público, unificado e
descentralizado, com base na solidariedade e na universalidade. A Lei de Bases
da Segurança Social de 1984 estabelece os princípios estruturantes do sistema.
·
Reformas dos anos 1990 e 2000: Introdução do Código dos Regimes Contributivos,
racionalização das prestações, criação do Fundo de Estabilização Financeira e
reforço da articulação com o sistema fiscal. A protecção social passa a ser vista também como instrumento de
política económica e de combate à exclusão.
·
Actualidade: O sistema enfrenta desafios complexos, como
o envelhecimento da população, a precarização do trabalho, a digitalização da
economia e a pressão sobre a sustentabilidade financeira. A legislação evolui
para responder a novas formas de risco social, como a parentalidade, o cuidado
informal e a pobreza energética.
2.4.
Fundamentos Filosóficos e Éticos
O
Direito da Segurança Social assenta em fundamentos filosóficos que transcendem
a técnica jurídica.
Entre
os mais relevantes destacam-se:
· Solidariedade: Princípio que orienta a redistribuição de recursos entre indivíduos, gerações e territórios. A segurança social é expressão institucional da solidariedade colectiva.
·
Justiça Social:
A protecção social visa corrigir desigualdades estruturais, garantir condições
mínimas de vida e promover a inclusão.
·
Dignidade Humana: Cada prestação, subsídio e pensão é uma afirmação da dignidade da pessoa
humana, reconhecendo que ninguém deve ser abandonado perante o risco.
·
Responsabilidade Pública: O Estado assume a responsabilidade de organizar e garantir o sistema, mas
também de o tornar transparente, eficiente e justo.
·
Autonomia e Participação: Os cidadãos não são apenas beneficiários mas também contribuintes, agentes e
fiscalizadores do sistema.
2.5.
Conclusão
A
segurança social portuguesa é o resultado de uma evolução histórica marcada por
tensões entre caridade e direito, entre controlo e emancipação, entre
contributividade e universalidade. Os modelos internacionais influenciaram a
arquitectura do sistema, mas a realidade portuguesa exigiu adaptações
específicas.
O
Direito da Segurança Social não é apenas um conjunto de normas mas uma
expressão da cultura política, da filosofia social e da ética republicana.
Compreender os seus fundamentos históricos e filosóficos é essencial para
interpretar o presente e projectar o futuro.
CAPÍTULO IIII
Enquadramento Constitucional e Legal
3.1.
A Constituição da República Portuguesa
A
Constituição da República Portuguesa, aprovada em 1976, consagra expressamente
o direito à segurança social como um direito fundamental. O artigo 63.º
estabelece que “todos têm direito à segurança social”, impondo ao Estado o
dever de organizar, coordenar e subsidiar um sistema unificado e
descentralizado de protecção social.
Este
preceito constitucional define os princípios estruturantes do sistema:
·
Universalidade:
o sistema deve abranger todos os cidadãos, independentemente da sua condição
económica ou laboral.
·
Solidariedade: a
protecção social é financiada colectivamente, promovendo a redistribuição de
recursos.
·
Equidade: as
prestações devem ser atribuídas com justiça, tendo em conta as necessidades e
contribuições dos beneficiários.
·
Descentralização: a gestão do sistema deve ser próxima dos cidadãos, com participação das
comunidades e das autarquias.
·
Participação democrática: os utentes e os parceiros sociais devem ter voz na definição das
políticas de segurança social.
A Constituição também prevê, no artigo
64.º, o direito à protecção da saúde, e no artigo 65.º, o direito à habitação,
ambos com implicações directas no sistema de segurança social.
3.2.
Lei de Bases da Segurança Social
A Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º
4/2007, de 16 de Janeiro) estabelece o enquadramento jurídico do sistema,
definindo os seus objetivos, princípios, estrutura e modalidades. Esta lei
substituiu a anterior Lei n.º 28/84, adaptando o sistema às novas exigências
sociais, económicas e demográficas.
Entre
os objectivos definidos destacam-se:
·
Garantir
direitos básicos de protecção face aos riscos sociais;
·
Promover
a inclusão social e combater a pobreza;
·
Assegurar
a sustentabilidade financeira do sistema;
·
Reforçar
a articulação entre os regimes contributivos e não contributivos.
A Lei
de Bases distingue três modalidades de protecção:
1.
Regime de protecção social obrigatório: baseado na contribuição dos trabalhadores e
empregadores.
2.
Regime de protecção social não contributivo: financiado pelo Estado, destinado a cidadãos em
situação de carência económica.
3.
Regimes complementares: de iniciativa privada ou colectiva, com caráter facultativo.
3.3.
Código dos Regimes Contributivos
O Código dos Regimes Contributivos do
Sistema Previdencial de Segurança Social (aprovado pelo Decreto-Lei n.º
110/2009, de 16 de setembro) regula as obrigações contributivas dos trabalhadores, empregadores e
entidades equiparadas.
Este diploma define:
·
As
categorias de beneficiários (trabalhadores por conta de outrem, independentes,
membros de órgãos estatutários, etc.);
· As taxas contributivas aplicáveis;
·
As
regras de apuramento, declaração e pagamento das contribuições;
·
Os
mecanismos de fiscalização e sanção por incumprimento.
O
Código introduziu maior clareza e uniformidade nas obrigações contributivas,
reforçando a transparência e a eficácia da gestão financeira do sistema.
3.4.
Regimes Especiais e Autónomos
Para
além do regime geral, existem regimes especiais e autónomos que respondem a
especificidades profissionais ou institucionais:
·
Caixa Geral de Aposentações (CGA): regime aplicável aos trabalhadores da função
pública admitidos até 2005.
·
ADSE: subsistema
de saúde para funcionários públicos.
·
Regime dos marítimos: com regras próprias de contribuição e protecção.
·
Regime agrícola:
adaptado às características do trabalho rural.
Estes
regimes coexistem com o sistema geral, exigindo articulação normativa e
administrativa para garantir equidade e sustentabilidade.
3.5.
Legislação Complementar
O
sistema de segurança social é regulado por um vasto conjunto de diplomas
complementares, entre os quais se destacam:
·
Decreto-Lei n.º 133/2012: que regula o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.
·
Portarias sobre prestações específicas: como o subsídio de desemprego, o rendimento
social de inserção, o subsídio por parentalidade, entre outros.
·
Normas sobre protecção na doença e invalidez: incluindo critérios médicos, prazos e montantes.
Esta
legislação é frequentemente actualizada para responder a novas realidades
sociais, exigindo acompanhamento técnico e jurídico constante.
3.6.
Articulação com o Direito do Trabalho e o Direito Fiscal
O Direito da Segurança Social articula-se
directamente com o Direito do Trabalho e o Direito Fiscal:
·
Com o Direito do Trabalho, partilha o objectivo de proteção dos trabalhadores, regulando os efeitos
da cessação do contrato, da doença profissional e da maternidade.
·
Com o Direito Fiscal, interage na cobrança de contribuições, na definição de benefícios fiscais
associados à protecção social e na gestão dos fundos públicos.
Esta
articulação exige coerência legislativa e coordenação institucional, para
evitar sobreposições, lacunas ou contradições.
3.7.
Conclusão
O enquadramento constitucional e legal da
segurança social em Portugal revela um sistema juridicamente robusto, mas
administrativamente complexo. A Constituição estabelece os princípios fundamentais, a Lei de Bases
define a arquitectura do sistema, e o Código Contributivo operacionaliza as
obrigações dos agentes económicos.
A
coexistência de regimes especiais, a multiplicidade de diplomas complementares
e a articulação com outros ramos do direito exigem uma leitura integrada e
crítica. O Direito da Segurança Social não é um corpo normativo isolado mas um
sistema vivo, em constante adaptação às exigências da sociedade.
CAPÍTULO IV
Estrutura do Sistema de Segurança Social
4.1.
Introdução à Estrutura Funcional
O
sistema de segurança social português organiza-se em torno de uma estrutura
funcional que visa garantir proteção face aos riscos sociais, através de
prestações pecuniárias e serviços. Esta estrutura é composta por regimes
jurídicos distintos, instituições gestoras, mecanismos de financiamento e
modalidades de acesso. A articulação entre estes elementos determina a
eficácia, a equidade e a sustentabilidade do sistema.
4.2.
Modalidades de Protecção Social
A Lei
de Bases da Segurança Social define três modalidades principais de protecção:
a) Regime de
Proteção Social Obrigatório
Este
regime é financiado por contribuições dos trabalhadores e empregadores, sendo
obrigatório para todos os que exercem actividade profissional remunerada.
Inclui:
·
Regime geral dos trabalhadores por conta de outrem
· Regime dos trabalhadores independentes
·
Regime dos membros de órgãos estatutários
·
Regimes especiais (agricultura, marítimos, serviço doméstico)
As
prestações atribuídas dependem do histórico contributivo e incluem protecção na
doença, maternidade, invalidez, velhice, desemprego e morte.
b) Regime de Proteção Social Não
Contributivo
Destinado
a cidadãos em situação de carência económica ou exclusão social, este regime é
financiado pelo Orçamento do Estado.
Inclui:
·
Rendimento Social de Inserção (RSI)
·
Complemento Solidário para Idosos (CSI)
· Subsídio Social de Desemprego
·
Subsídio por assistência a terceira pessoa
Este
regime visa garantir mínimos sociais, promover a inclusão e combater a pobreza.
c) Regimes
Complementares
De
iniciativa privada ou colectiva, estes regimes têm caráter facultativo e
incluem:
· Fundos de pensões
· Seguros de reforma e invalidez
· Planos de benefícios empresariais
Embora
não integrem o sistema público, são regulados pelo Estado e podem ser
articulados com os regimes obrigatórios.
4.3.
Instituições Gestoras
A
gestão do sistema de segurança social é assegurada por diversas entidades
públicas, com competências específicas:
a) Instituto
da Segurança Social (ISS, I.P.)
Responsável
pela execução das políticas de protecção social, gestão das prestações e
fiscalização das obrigações contributivas. O ISS possui delegações regionais e
locais, garantindo proximidade aos cidadãos.
b) Instituto
de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS)
Administra
os fundos financeiros do sistema, assegura a sustentabilidade e gere os activos
da segurança social.
c) Caixa
Geral de Aposentações (CGA)
Gere o
regime de aposentação dos funcionários públicos admitidos até 2005, com regras
próprias de contribuição e cálculo de pensões.
d) ADSE
Subsistema
de saúde para trabalhadores da função pública, financiado por contribuições dos
beneficiários e com gestão autónoma.
4.4.
Articulação entre Regimes
A
coexistência de regimes distintos exige mecanismos de articulação normativa e
administrativa.
Entre
os principais instrumentos destacam-se:
·
Transferência de períodos contributivos entre regimes
·
Coordenação de prestações em caso de acumulação de actividades
·
Reconhecimento de direitos adquiridos em regimes anteriores
A
articulação visa garantir continuidade de protecção, evitar lacunas e assegurar
equidade entre beneficiários.
4.5.
Acesso e Condições de Elegibilidade
O
acesso às prestações depende de critérios específicos, que variam consoante o
regime e a natureza da prestação:
·
Contributividade mínima: número de dias ou meses de descontos exigidos
·
Situação de risco social: doença, desemprego, parentalidade, etc.
·
Condições económicas: para prestações não contributivas
·
Documentação e prova: exigência de certidões, declarações médicas, registos de actividade
A
simplificação dos procedimentos e a digitalização dos serviços têm sido
prioridades recentes, visando melhorar o acesso e reduzir a burocracia.
4.6.
Desafios na Estrutura do Sistema
A
estrutura do sistema enfrenta diversos desafios:
·
Fragmentação institucional: múltiplas entidades com competências sobrepostas
·
Desigualdade entre regimes: diferenças de protecção entre trabalhadores do sector público e privado
·
Precarização laboral: dificuldade em enquadrar novas formas de trabalho (plataformas digitais,
trabalho intermitente)
·
Sustentabilidade financeira: pressão demográfica e económica sobre os fundos do sistema
Estes
desafios exigem reformas estruturais, maior integração entre regimes e reforço
da capacidade técnica das instituições gestoras.
4.7.
Conclusão
A
estrutura do sistema de segurança social português é complexa, multifacetada e
em constante evolução. A existência de múltiplos regimes e entidades gestoras
reflecte a diversidade das situações sociais, mas também exige coordenação,
transparência e eficiência.
Compreender
esta estrutura é essencial para interpretar o funcionamento do sistema, avaliar
a justiça das prestações e propor melhorias. O Direito da Segurança Social não
se limita à atribuição de subsídios mas é um sistema jurídico e institucional
que organiza a solidariedade nacional.
CAPÍTULO V
Prestação de Protecção Social
5.1.
Introdução às Prestações
As
prestações de protecção social constituem a expressão concreta do sistema
jurídico da segurança social. Traduzem-se em apoios pecuniários ou serviços que
visam compensar os cidadãos pela perda de rendimentos, pela incapacidade
laboral, pela parentalidade, pela velhice ou por situações de vulnerabilidade
económica. A sua atribuição obedece a critérios legais rigorosos, articulando
contributividade, necessidade e justiça distributiva.
5.2.
Prestações por Doença
As
prestações por doença visam substituir o rendimento do trabalho durante o
período de incapacidade temporária.
Incluem:
·
Subsídio de doença: atribuído a trabalhadores por conta de outrem e independentes, mediante
certificação médica e cumprimento de prazo de garantia.
·
Subsídio por doença profissional: gerido pela Caixa Nacional de Seguros de Doenças
Profissionais, com base em diagnóstico reconhecido.
·
Complementos por incapacidade prolongada: aplicáveis em casos de doenças crónicas ou
degenerativas.
O
montante é calculado com base na remuneração de referência, podendo variar
entre 55% e 100%, consoante a duração e o tipo de incapacidade.
5.3.
Prestações por Parentalidade
A
protecção na parentalidade visa garantir condições dignas durante a gestação, o
nascimento e os primeiros meses de vida da criança.
Inclui:
· Subsídio de maternidade e paternidade
·
Subsídio parental inicial (total ou parcial)
· Subsídio por adopção
·
Subsídio por assistência a filho ou neto
Estes
subsídios são atribuídos com base em períodos mínimos de contribuições e exigem
prova documental (certidão de nascimento, declaração médica, etc.). O valor é
geralmente de 100% da remuneração de referência, durante períodos definidos por
lei.
5.4.
Prestações por Invalidez
A
invalidez é definida como a incapacidade permanente para o exercício de actividade
profissional.
As
prestações incluem:
·
Pensão de invalidez absoluta ou relativa
· Complemento por dependência
·
Subsídio por assistência a terceira pessoa
A
atribuição depende de avaliação médica pela junta de saúde e do cumprimento de
prazos de garantia contributiva. O montante é calculado com base na carreira
contributiva e na idade do beneficiário.
5.5.
Prestações por Velhice
A
proteção na velhice é assegurada através da:
·
Pensão de velhice: atribuída aos 66 anos e 4 meses (idade legal em 2025), com possibilidade
de reforma antecipada ou diferida.
·
Complemento solidário para idosos (CSI): destinado a pensionistas com baixos rendimentos.
·
Bonificações por carreira contributiva longa: aplicáveis a quem descontou mais de 40 anos.
O
cálculo da pensão obedece a regras complexas, envolvendo remuneração de
referência, taxa de formação e factor de sustentabilidade.
5.6.
Prestações por Desemprego
A
proteção no desemprego visa compensar a perda involuntária de trabalho.
Inclui:
· Subsídio de desemprego
· Subsídio social de desemprego
·
Subsídio por cessação de actividade para independentes
A
atribuição depende de registo no centro de emprego, cumprimento de prazo de
garantia e prova de procura activa de trabalho. O montante é variável, com
limites mínimos e máximos definidos por portaria.
5.7.
Prestações por Morte
A
morte de um beneficiário pode dar origem a:
·
Subsídio por morte: para despesas de funeral
·
Pensão de sobrevivência: para cônjuge, filhos ou dependentes
·
Subsídio por funeral: em casos de insuficiência económica
Estes
apoios visam garantir dignidade na fase final da vida e protecção aos
familiares.
5.8.
Prestações Não Contributivas
Destinadas
a cidadãos em situação de carência económica, incluem:
·
Rendimento Social de Inserção (RSI)
·
Subsídio de apoio ao cuidador informal
·
Apoios à habitação, alimentação e energia
A
atribuição depende de avaliação socioeconómica, com base em rendimentos,
património e composição do agregado familiar.
5.9.
Desafios na Atribuição de Prestações
A atribuição de prestações enfrenta
diversos desafios:
·
Burocracia excessiva:
exigência de múltiplos documentos e prazos
·
Desigualdade territorial:
variação na capacidade de resposta dos serviços locais
·
Precariedade contributiva:
dificuldade em aceder a prestações por parte de trabalhadores informais ou
intermitentes
·
Digitalização incompleta:
limitações no acesso online para populações vulneráveis
Estes desafios exigem reformas
administrativas, simplificação de processos e reforço da literacia social.
5.10.
Conclusão
As
prestações de proteção social são o núcleo operativo do sistema jurídico da
segurança social. Traduzem em apoios concretos os princípios constitucionais da
solidariedade, da dignidade e da justiça social. A sua eficácia depende da
clareza normativa, da capacidade administrativa e da sensibilidade
institucional.
Compreender
o regime jurídico das prestações é essencial para garantir que o sistema cumpre
a sua missão de proteger os cidadãos nos momentos de maior vulnerabilidade e
promover uma sociedade mais justa e coesa.
CAPÍTULO VI
Financiamento e Sustentabilidade
6.1.
Introdução ao Financiamento da Segurança Social
O
financiamento da segurança social é um dos pilares estruturantes do sistema,
determinando a sua capacidade de garantir prestações, responder a riscos
sociais e manter a confiança dos cidadãos. A sustentabilidade financeira não é
apenas uma questão técnica mas uma condição de legitimidade política e
jurídica.
O
modelo português assenta numa lógica mista, combinando contribuições sociais
com transferências do Orçamento do Estado. Esta dualidade reflecte a natureza
híbrida do sistema, que integra regimes contributivos e não contributivos, com
diferentes exigências e objetivos.
6.2.
Fontes de Receita
As
principais fontes de financiamento da segurança social são:
a)
Contribuições dos Trabalhadores e Empregadores
·
Trabalhadores por conta de outrem: taxa global de 34,75%, sendo 11% suportada pelo
trabalhador e 23,75% pelo empregador.
·
Trabalhadores independentes: taxa variável entre 21,4% e 25,2%, consoante o escalão de rendimento.
·
Membros de órgãos estatutários: regime equiparado ao dos trabalhadores
dependentes.
Estas
contribuições são recolhidas mensalmente e constituem a principal fonte de
receita do regime previdencial.
b)
Transferências do Orçamento do Estado
Destinadas
a financiar o regime não contributivo e a compensar défices estruturais.
Incluem:
·
Financiamento
do Rendimento Social de Inserção
· Complemento Solidário para Idosos
·
Subsídios
sociais de desemprego e parentalidade
Estas
transferências refletem a responsabilidade pública na garantia de mínimos
sociais.
c)
Rendimentos de Investimentos
Geridos
pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), incluem:
·
Aplicações
financeiras dos fundos de reserva
· Rendimentos imobiliários
· Participações em empresas
Estes
rendimentos visam reforçar a sustentabilidade de longo prazo.
6.3.
Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS)
Criado pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, o FEFSS é um instrumento estratégico de reserva, destinado a garantir o pagamento de pensões em caso de desequilíbrio financeiro. As suas funções incluem:
·
Constituição de reservas: através de excedentes anuais
·
Gestão prudente de activos: com critérios de segurança, liquidez e rentabilidade
·
Utilização condicionada: apenas em situações de emergência ou desequilíbrio estrutural
O
FEFSS é um indicador da capacidade do sistema de enfrentar choques económicos e
demográficos.
6.4.
Desafios Demográficos
Portugal enfrenta um dos mais acelerados
processos de envelhecimento populacional da Europa.
As implicações para a segurança social são
profundas:
·
Redução da população activa:
menor base contributiva
·
Aumento da longevidade:
maior duração das pensões
·
Alteração da estrutura familiar:
menos cuidadores informais, mais dependência institucional
Estes factores pressionam o equilíbrio actual
do sistema e exigem reformas estruturais.
6.5.
Desafios Económicos e Laborais
A transformação do mercado de trabalho
coloca novos desafios ao financiamento:
·
Precarização e informalidade:
dificultam a recolha de contribuições
·
Trabalho digital e plataformas:
exigem novos enquadramentos jurídicos
·
Desemprego estrutural:
reduz a base contributiva e aumenta a despesa social
A sustentabilidade depende da capacidade
de adaptar o sistema às novas formas de trabalho e de garantir inclusão
contributiva.
6.6.
Indicadores de Sustentabilidade
A
avaliação da sustentabilidade financeira do sistema baseia-se em indicadores
como:
·
Taxa de substituição: relação entre pensão média e salário médio
·
Taxa de cobertura: proporção da população protegida
·
Rácio de dependência: número de pensionistas por trabalhador ativo
·
Saldo técnico:
diferença entre receitas e despesas contributivas
Estes
indicadores são monitorizados pelo IGFSS e pela Comissão Europeia,
influenciando decisões políticas e reformas legislativas.
6.7.
Propostas de Reforma
Diversas
propostas têm sido apresentadas para reforçar a sustentabilidade:
·
Alargamento da base contributiva:
inclusão de trabalhadores informais e intermitentes
·
Diversificação das fontes de receita:
impostos sobre tecnologia, consumo ou património
·
Revisão da idade da reforma:
ajustada à esperança média de vida
·
Promoção de regimes complementares:
com incentivos fiscais e garantias mínimas
·
Reforço da literacia contributiva:
para aumentar a adesão voluntária e a compreensão do sistema
Estas reformas exigem consenso político,
diálogo social e avaliação técnica rigorosa.
6.8.
Conclusão
O
financiamento da segurança social é um exercício de equilíbrio entre justiça
social, viabilidade económica e responsabilidade intergeracional. A
sustentabilidade não depende apenas de números mas de escolhas políticas, modelos
de desenvolvimento e da capacidade de antecipar riscos.
O
Direito da Segurança Social deve garantir que o sistema é financeiramente
sólido, juridicamente coerente e socialmente justo. Só assim poderá cumprir a missão
de proteger os cidadãos, promover a coesão e afirmar a dignidade humana como
valor jurídico e político.
CAPÍTULO VII
Fiscalização, Contraordenações e Responsabilidade
7.1.
Introdução à Fiscalização
A
fiscalização no domínio da segurança social constitui uma função essencial para
garantir o cumprimento das obrigações contributivas, a legalidade na atribuição
de prestações e a proteção dos recursos públicos. O sistema jurídico português
prevê mecanismos administrativos e judiciais para controlar, prevenir e
sancionar condutas que violem os deveres legais dos beneficiários, empregadores
e entidades gestoras.
A
fiscalização é exercida por entidades públicas com competência específica,
nomeadamente o Instituto da Segurança Social (ISS), a Autoridade para as
Condições do Trabalho (ACT), a Inspecção-Geral das Finanças (IGF) e o
Ministério Público.
7.2.
Competências da Inspecção da Segurança Social
A
Inspecção da Segurança Social, integrada no ISS, tem como principais
atribuições:
·
Verificar
o cumprimento das obrigações declarativas e contributivas por parte dos
empregadores e trabalhadores independentes;
·
Fiscalizar
a veracidade dos elementos que fundamentam a atribuição de prestações;
·
Detectar
situações de fraude, abuso ou simulação;
·
Propor
medidas correctivas e instaurar processos de contraordenação.
A actuação
da inspecção pode ser desencadeada por denúncia, sorteio aleatório, cruzamento
de dados ou análise de risco. Os inspetores possuem poderes de acesso a
documentos, instalações e sistemas informáticos, dentro dos limites legais da
proporcionalidade e da protecção de dados.
7.3.
Regime de Contraordenações
O
incumprimento das obrigações legais no âmbito da segurança social pode
configurar infracções contraordenacionais, puníveis com coimas e sanções
acessórias. O regime jurídico encontra-se previsto no Decreto-Lei n.º 433/82 (Regime Geral das
Contraordenações) e em legislação específica da segurança social.
Entre
as infrações mais comuns destacam-se:
·
Omissão
ou atraso na entrega das declarações de remunerações;
·
Falta
de pagamento de contribuições;
·
Simulação
de vínculos laborais ou situações de carência;
·
Utilização
indevida de prestações ou subsídios.
As
coimas variam consoante a gravidade da infração, podendo ir de 50€ a 45.000€, e
são aplicadas por decisão administrativa, com possibilidade de impugnação judicial.
7.4.
Sanções Acessórias
Para
além das coimas, podem ser aplicadas sanções acessórias, como:
·
Privação
do direito a benefícios fiscais ou apoios públicos;
· Publicação da decisão condenatória;
·
Inibição
temporária do exercício de funções de direcção ou gestão;
·
Cancelamento
de registo como entidade empregadora.
Estas
sanções visam reforçar o efeito dissuasor das medidas sancionatórias e proteger
a integridade do sistema.
7.5.
Responsabilidade Civil
A
responsabilidade civil no âmbito da segurança social pode assumir diversas
formas:
·
Responsabilidade por danos causados ao sistema: em caso de fraude ou abuso que implique
prejuízo financeiro.
·
Responsabilidade por omissão de deveres legais: como a não inscrição de trabalhadores ou
a retenção indevida de contribuições.
·
Responsabilidade por erro administrativo: quando a entidade gestora atribui indevidamente
prestações ou falha na fiscalização.
A
reparação dos danos pode ser exigida judicialmente, com base no Código Civil e
na legislação específica da segurança social.
7.6.
Responsabilidade Criminal
Algumas
condutas no domínio da segurança social podem configurar crimes, nomeadamente:
·
Burla qualificada: obtenção fraudulenta de prestações através de simulação ou falsificação.
·
Abuso de confiança: retenção indevida de contribuições descontadas aos trabalhadores.
·
Falsificação de documentos: para justificar situações de carência ou incapacidade.
Estes
crimes são puníveis nos termos do Código Penal, com penas de prisão e multas, e
são investigados pelo Ministério Público, com apoio da Polícia Judiciária e da
Inspecção da Segurança Social.
7.7.
Jurisprudência Relevante
A
jurisprudência dos tribunais superiores tem consolidado princípios importantes:
·
A
exigência de proporcionalidade na aplicação de coimas;
·
A
valorização da boa-fé dos beneficiários em casos de erro administrativo;
·
A
distinção entre fraude dolosa e irregularidade formal;
·
A
responsabilidade objectiva das entidades empregadoras na inscrição e declaração
de trabalhadores.
Estas
decisões contribuem para a uniformização da interpretação legal e para a protecção
dos direitos fundamentais dos cidadãos.
7.8.
Transparência e Participação
A
fiscalização não deve ser apenas repressiva mas também promover a transparência
e a participação dos cidadãos.
Entre
as medidas recomendadas destacam-se:
·
Divulgação
dos direitos e deveres dos beneficiários;
·
Criação
de canais acessíveis para denúncia e esclarecimento;
·
Formação
contínua dos inspetores e técnicos;
·
Publicação
de relatórios de actividade e indicadores de desempenho.
A
confiança no sistema depende da sua capacidade de se autorregular, de prevenir
abusos e de garantir justiça na aplicação das normas.
7.9.
Conclusão
A
fiscalização, as contraordenações e a responsabilidade jurídica são
instrumentos essenciais para proteger a integridade do sistema de segurança
social. A sua eficácia depende da clareza normativa, da capacidade técnica das
entidades gestoras e da articulação entre os mecanismos administrativos e
judiciais.
O
Direito da Segurança Social não se limita à atribuição de prestações mas exige
também rigor na gestão, justiça na sanção e responsabilidade na conduta dos
seus agentes. Só assim poderá cumprir a sua missão constitucional de garantir
protecção social com legalidade, equidade e dignidade.
CAPÍTULO VIII
Convenções Internacionais e Direito Europeu
8.1.
Introdução à Dimensão Internacional da Segurança Social
O
sistema de segurança social português não opera isoladamente. Está inserido num
contexto jurídico internacional que influencia a sua arquitectura normativa, os
seus princípios orientadores e os seus mecanismos de coordenação. As convenções
internacionais e o direito europeu desempenham um papel fundamental na
harmonização dos regimes, na protecção dos direitos dos trabalhadores migrantes
e na promoção da justiça social transnacional.
8.2.
Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
A OIT
tem sido uma das principais entidades promotoras da proteção social a nível
global. Portugal é Estado membro e parte em várias convenções relevantes, entre
as quais se destacam:
a) Convenção
n.º 102 – Norma Mínima da Segurança Social
Adoptada
em 1952, esta convenção estabelece os padrões mínimos para nove ramos de protecção
social:
1. Cuidados médicos
2. Subsídio de doença
3. Subsídio de desemprego
4. Subsídio de velhice
5. Subsídio por acidente de trabalho
6. Subsídio por doença profissional
7. Subsídio familiar
8. Subsídio de maternidade
9. Subsídio por morte
Portugal
ratificou esta convenção, comprometendo-se a garantir níveis mínimos de
cobertura, financiamento e acessibilidade.
b) Convenção
n.º 118 – Igualdade de Tratamento
Esta
convenção assegura que os trabalhadores migrantes recebam tratamento igual ao
dos nacionais em matéria de segurança social. É particularmente relevante no
contexto da mobilidade laboral intraeuropeia e da imigração lusófona.
c) Convenção
n.º 157 – Conservação dos Direitos em Segurança Social
Visa
garantir que os direitos adquiridos num país possam ser mantidos ou
transferidos para outro, promovendo a portabilidade das prestações.
8.3.
Carta Social Europeia
A
Carta Social Europeia, adoptada pelo Conselho da Europa, consagra direitos
sociais fundamentais, incluindo o direito à segurança social.
Portugal
é parte na versão revista da Carta, comprometendo-se com:
·
A
protecção adequada em caso de doença, velhice, invalidez, desemprego e
maternidade
· A garantia de prestações mínimas
·
A não
discriminação no acesso à protecção social
·
A
promoção da inclusão e da dignidade
A
jurisprudência do Comité Europeu dos Direitos Sociais tem servido como
referência interpretativa para os tribunais portugueses, especialmente em
matéria de proporcionalidade e adequação das prestações.
8.4.
Direito da União Europeia
A
União Europeia não possui competência directa para legislar sobre os sistemas
nacionais de segurança social, mas exerce influência através de normas de
coordenação, princípios de não discriminação e jurisprudência do Tribunal de
Justiça da União Europeia (TJUE).
a)
Regulamento (CE) n.º 883/2004
Este
regulamento coordena os sistemas de segurança social dos Estados-membros,
garantindo que:
·
Os
cidadãos não perdem direitos ao mudar de país
·
Os
períodos contributivos em diferentes Estados são totalizados
·
As
prestações são exportáveis para outros Estados-membros
·
A
legislação aplicável é determinada com base na residência e na actividade
profissional
b)
Regulamento (CE) n.º 987/2009
Estabelece
as regras de aplicação prática do regulamento anterior, incluindo procedimentos
administrativos, formulários e canais de comunicação entre instituições.
c) Princípio
da Igualdade de Tratamento
Os
cidadãos da UE têm direito a igual acesso às prestações de segurança social nos
Estados-membros onde residem ou trabalham, salvo excepções justificadas por
interesse público.
8.5.
Acordos Bilaterais de Segurança Social
Portugal
celebrou diversos acordos bilaterais com países terceiros, especialmente com
Estados da CPLP, América Latina e Europa Oriental.
Estes acordos visam:
· Evitar a dupla tributação contributiva
·
Garantir
a totalização de períodos contributivos
· Permitir a exportação de pensões
·
Assegurar
a proteção dos trabalhadores migrantes
Entre
os países com acordos activos destacam-se: Brasil, Cabo Verde, Angola,
Moçambique, Canadá, Suíça, Ucrânia e Venezuela.
8.6.
Jurisprudência Internacional Relevante
A
jurisprudência do TJUE e do Comité Europeu dos Direitos Sociais tem
influenciado a interpretação nacional em matérias como:
· A proporcionalidade das prestações sociais
·
A
protecção dos direitos adquiridos em contexto migratório
·
A
compatibilidade entre normas nacionais e princípios europeus
·
A
exigência de adequação material das pensões e subsídios
Estas
decisões reforçam a dimensão supranacional do Direito da Segurança Social e
exigem uma leitura integrada entre fontes internas e externas.
8.7.
Desafios de Harmonização e Aplicação
A aplicação das normas internacionais enfrenta
obstáculos práticos e jurídicos:
·
Complexidade administrativa:
dificuldades na articulação entre sistemas
·
Desigualdade de regimes:
variações significativas entre países
·
Falta de literacia jurídica:
desconhecimento por parte dos beneficiários
·
Resistência institucional:
dificuldades na adaptação das práticas nacionais
Estes desafios exigem formação
especializada, cooperação interinstitucional e reforço da capacidade técnica
dos serviços.
8.8.
Conclusão
O
Direito da Segurança Social português é profundamente influenciado pelas
convenções internacionais e pelo direito europeu. Estes instrumentos não apenas
complementam o ordenamento jurídico interno mas moldam os seus princípios,
ampliam os seus horizontes e reforçam a protecção dos cidadãos num mundo em
mobilidade.
A
integração normativa exige vigilância, competência e compromisso. O sistema
português deve continuar a afirmar-se como um modelo de justiça social,
respeitando os padrões internacionais e promovendo a dignidade humana para além
das fronteiras.
CAPÍTULO IX
Desafios Contemporâneos e Reformas
9.1.
Introdução aos Desafios Contemporâneos
O
sistema de segurança social português enfrenta um conjunto de desafios que
colocam em causa a sua eficácia, equidade e sustentabilidade. Estes desafios
decorrem de transformações sociais, económicas e tecnológicas que exigem uma
reconfiguração profunda dos modelos de proteção, das estruturas jurídicas e dos
mecanismos de financiamento.
A
resposta a estas tensões não pode ser meramente técnica pois exige uma visão
política, ética e institucional que reafirme o compromisso com a dignidade
humana e a justiça social.
9.2.
Precariedade Laboral e Inclusão Contributiva
A
crescente precarização do trabalho, marcada por vínculos instáveis, trabalho
informal, plataformas digitais e intermitência contratual, compromete a base
contributiva do sistema e exclui milhares de trabalhadores da proteção social.
Entre os principais problemas destacam-se:
·
Falta de cobertura contributiva:
trabalhadores sem contrato formal ou com remunerações irregulares não cumprem
os prazos de garantia exigidos para aceder às prestações.
·
Descontinuidade de protecção:
interrupções na carreira contributiva dificultam o acesso a pensões e
subsídios.
·
Desigualdade entre regimes:
os trabalhadores independentes enfrentam regras mais rígidas e prestações menos
generosas.
A reforma exige:
·
Revisão
dos critérios de elegibilidade
·
Criação de mecanismos de protecção para
formas atípicas de trabalho
·
Simplificação dos processos de inscrição e
declaração contributiva
·
Incentivos
à formalização laboral
9.3. Digitalização e Modernização Administrativa
A
digitalização dos serviços de segurança social tem potencial para melhorar a
eficiência, reduzir a burocracia e ampliar o acesso.
No
entanto, também levanta riscos:
·
Exclusão digital:
populações vulneráveis, como idosos e pessoas com baixos níveis de literacia
digital, enfrentam dificuldades de acesso.
·
Automatização sem sensibilidade:
decisões automatizadas podem ignorar contextos específicos e gerar injustiças.
·
Protecção de dados:
a gestão de informação sensível exige garantias robustas de segurança e
confidencialidade.
A
modernização deve ser acompanhada por:
·
Formação
dos utentes e técnicos
·
Criação de canais híbridos (digitais e
presenciais)
·
Auditoria ética dos algoritmos de decisão
·
Transparência nos critérios de atribuição
de prestações
9.4.
Transição Demográfica e Sustentabilidade
Portugal enfrenta uma transição
demográfica acelerada, com envelhecimento da população, baixa natalidade e
aumento da esperança de vida.
Este fenómeno tem implicações diretas na
sustentabilidade do sistema:
·
Aumento
do número de pensionistas
·
Redução
da população activa
·
Pressão sobre os fundos de pensões e os
serviços de saúde
As soluções
possíveis incluem:
·
Ajuste da idade da reforma à esperança
média de vida
·
Promoção da natalidade e da imigração
qualificada
·
Incentivo
à poupança complementar
·
Reforço do Fundo de Estabilização
Financeira
9.5.
Novos Riscos Sociais e Expansão da Protecção
A sociedade contemporânea enfrenta riscos
que não estavam previstos nos modelos clássicos de protecção social:
·
Cuidado informal:
milhões de cidadãos prestam cuidados a familiares sem qualquer protecção ou
remuneração.
·
Pobreza energética e habitacional:
novas formas de exclusão exigem respostas integradas.
·
Saúde mental e isolamento social:
fenómenos crescentes que exigem prestações e serviços específicos.
A expansão da protecção social deve
incluir:
·
Subsídios
para cuidadores informais
·
Apoios à habitação e à energia
·
Prestação
por sofrimento psíquico prolongado
·
Articulação com os serviços de saúde e
educação
9.6.
Propostas de Reforma Legislativa e Institucional
Diversas propostas têm sido apresentadas
por académicos, sindicatos, organizações da sociedade civil e organismos
internacionais.
Entre as mais relevantes destacam-se:
·
Criação de um regime universal de protecção
mínima: garantindo um piso de dignidade para todos os
cidadãos, independentemente da sua situação contributiva.
·
Revisão do Código Contributivo:
adaptando-o às novas formas de trabalho e simplificando os procedimentos.
·
Integração dos regimes especiais:
promovendo maior equidade entre trabalhadores do sector público e privado.
·
Participação cidadã na definição das
políticas sociais: através de conselhos consultivos,
inquéritos públicos e mecanismos de deliberação democrática.
Estas reformas exigem coragem política,
capacidade técnica e compromisso ético.
9.7.
Reflexão Ética e Filosófica
A reforma da segurança social não é apenas
uma questão de números mas uma questão de valores. A proteção social é
expressão da solidariedade institucionalizada, da responsabilidade colectiva e
da dignidade humana.
A filosofia da justiça social exige que o
sistema seja:
·
Inclusivo:
ninguém deve ser deixado para trás
·
Adaptável:
capaz de responder a novas realidades
·
Transparente:
compreensível e auditável pelos cidadãos
·
Sustentável:
financeiramente viável e politicamente legítimo
A segurança social mais do que um
mecanismo técnicoé um pacto intergeracional, uma promessa democrática e uma
prática de cuidado.
9.8.
Conclusão
Os desafios contemporâneos exigem uma
reforma profunda do sistema de segurança social português. A precariedade, a
digitalização, a transição demográfica e os novos riscos sociais não podem ser
ignorados. A resposta deve ser jurídica, política e ética, com base nos
princípios constitucionais da solidariedade, da universalidade e da justiça.
O Direito da Segurança Social deve ser
capaz de proteger, incluir e transformar. Reformar não é apenas corrigir é
reinventar o pacto social para uma nova geração.
Bibliografia
1.
Introdução à Fundamentação Científica e Jurisprudencial
O
estudo do Direito da Segurança Social exige uma base sólida de referências
doutrinárias e jurisprudenciais. A bibliografia académica permite compreender
os fundamentos teóricos, as evoluções legislativas e os debates críticos que
moldam o sistema. A jurisprudência, por sua vez, revela a aplicação concreta
das normas, a interpretação dos tribunais e a consolidação de princípios
jurídicos.
2.
Obras Doutrinárias de Referência
A produção académica portuguesa sobre segurança social é vasta e diversificada. Entre os autores mais influentes destacam-se:
a) Abel Rodrigues
·
Direito
da Segurança Social
(Almedina) Obra de referência que sistematiza os regimes jurídicos, analisa a
legislação aplicável e propõe uma leitura crítica do sistema.
b) Mário Silveiro de Barros
·
Segurança
Social: Regime Jurídico e Prática Administrativa Estudo aprofundado sobre os procedimentos administrativos,
os direitos dos beneficiários e os desafios da gestão pública.
c) Apelles J. B. Conceição
·
Fundamentos
Filosóficos da Proteção Social Obra que articula o direito com a ética, a filosofia política e a teoria
da justiça.
d) Maria do
Rosário Palma Ramalho
·
Tratado
de Direito do Trabalho
(vol. II) Inclui análise da articulação entre o direito laboral e o direito da
segurança social, com destaque para os regimes contributivos.
e) Jorge Leite
·
Direito
do Trabalho e Segurança Social Obra clássica que influenciou gerações de juristas, com enfoque na
proteção dos trabalhadores e na justiça social.
3.
Artigos Científicos e Teses Académicas
A
investigação académica recente tem explorado temas emergentes, como:
· Precariedade e protecção social
· Digitalização dos serviços públicos
· Regimes especiais e desigualdade normativa
· Sustentabilidade financeira e reforma estrutural
·
Coordenação
europeia dos sistemas de segurança social
Destacam-se
publicações em revistas como:
·
Revista
de Direito e Segurança Social
·
Revista
do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
·
Revista
Jurídica do Centro de Estudos Judiciários
·
Revista
da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
4.
Jurisprudência dos Tribunais Superiores
A
jurisprudência tem desempenhado um papel essencial na interpretação e aplicação
do Direito da Segurança Social.
Entre
os temas mais recorrentes destacam-se:
a) Tribunal
Constitucional
·
Fiscalização
da constitucionalidade de normas sobre pensões mínimas
·
Princípio
da proporcionalidade na atribuição de prestações
·
Proteção
dos direitos adquiridos em reformas legislativas
Exemplo:
Acórdão n.º 39/2018 sobre o corte de pensões e o princípio da confiança
legítima.
b) Supremo Tribunal Administrativo
· Contencioso das prestações indevidamente atribuídas
· Responsabilidade das entidades gestoras
·
Interpretação
dos prazos de garantia e dos requisitos de acesso
Exemplo:
Acórdão de 12/11/2020 - sobre a responsabilidade da Segurança Social em caso de
erro administrativo.
c) Tribunais da Relação
· Litígios sobre inscrição de trabalhadores
· Reconhecimento de situações de dependência
· Cálculo de pensões e subsídios
Estes
acórdãos contribuem para a uniformização da jurisprudência e para a proteção
dos direitos dos beneficiários.
5.
Documentos Técnicos e Relatórios Oficiais
Complementam
a bibliografia académica os documentos produzidos por entidades públicas e
internacionais, como:
·
Relatórios
do Instituto da Segurança Social (ISS)
·
Estudos
do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS)
·
Pareceres
do Conselho Económico e Social
·
Relatórios
da Comissão Europeia sobre protecção social nos Estados-membros
·
Publicações
da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
Estes
documentos oferecem dados estatísticos, análises comparativas e propostas de
reforma.
6.
Conclusão
A
bibliografia académica e a jurisprudência constituem os alicerces do
conhecimento jurídico sobre segurança social. Permitem compreender o sistema em
profundidade, identificar os seus limites e propor caminhos de transformação. O
Direito da Segurança Social é um campo vivo, em constante diálogo entre teoria
e prática, entre norma e realidade.
Este
livro inscreve-se nessa tradição crítica e construtiva, procurando contribuir
para o debate jurídico, político e institucional sobre um dos pilares da
democracia portuguesa.
Índice Final do Livro
1. Introdução Geral
2. Fundamentos Históricos e Filosóficos
3. Enquadramento Constitucional e Legal
4.
Estrutura do Sistema de Segurança Social
5. Prestação de Protecção Social
6. Financiamento e Sustentabilidade
7. Fiscalização, Contraordenações e Responsabilidade
8. Convenções Internacionais e Direito Europeu
9. Desafios Contemporâneos e Reformas
10. Bibliografia Académica e Jurisprudência
Ficha Técnica
·
Título: Direito
da Segurança Social em Portugal: Regime Jurídico, Evolução Histórica e Desafios
Contemporâneos
·
Autor: Jorge
Rodrigues Simão
· Edição: 1.ª edição, 2025
· Idioma: Português (Portugal)
·
Destinatários:
Juristas, técnicos da segurança social, estudantes de direito, decisores
políticos, investigadores
·
Objectivo: Sistematizar
e analisar criticamente o regime jurídico da segurança social em Portugal, com
base em legislação nacional, convenções internacionais e jurisprudência
consolidada
·
Metodologia:
Jurídico-dogmática, com incursões histórico-políticas e análise normativa
comparada
·
Fontes:
Constituição da República Portuguesa, legislação ordinária, convenções da OIT,
regulamentos da UE, jurisprudência nacional e internacional, bibliografia
académica
Legislação em Vigor (2025)
Constituição da República Portuguesa
·
Artigo
63.º – Direito à Segurança Social
·
Artigos
64.º e 65.º – Saúde e Habitação (com implicações sociais)
Leis e Códigos Principais
·
Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro – Lei de Bases da Segurança Social
·
Decreto-Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro – Código dos Regimes Contributivos
·
Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro – Proteção na eventualidade de morte
·
Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio – Regime jurídico de invalidez e velhice
·
Decreto-Lei n.º 40/2025, de 26 de março – Atualização das normas sobre morte, invalidez e
velhice
Normas Complementares
·
Indexante dos Apoios Sociais (IAS) – Atualizado anualmente
·
Condição de Recursos – Avaliação socioeconómica para prestações não contributivas
·
Portarias específicas – Subsídios de desemprego, parentalidade, doença, funeral, entre outros
·
Regimes especiais – Marítimos, agrícolas, serviço doméstico, CGA, ADSE
Instrumentos Internacionais
·
Convenção n.º 102 da OIT – Norma mínima de segurança social
·
Convenção n.º 118 da OIT – Igualdade de tratamento
·
Carta Social Europeia (versão revista)
·
Regulamento (CE) n.º 883/2004 – Coordenação dos sistemas de segurança social na
UE
·
Regulamento (CE) n.º 987/2009 – Aplicação prática do anterior
·
Acordos bilaterais – Brasil, Angola, Cabo Verde, Suíça, Canadá, entre outros
Sem comentários:
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