JORGE RODRIGUES SIMÃO
2025
Parte I – Fundamentos
e Evolução Histórica
1.
Introdução ao Direito do Consumidor
2.
Evolução do Direito do Consumidor em Macau
3.
Princípios estruturantes e fontes
normativas
Parte II –
Regime Jurídico em Macau
4.
A Lei de Protecção dos Direitos e Interesses do
Consumidor (Lei n.º 12/2013)
5.
Direitos fundamentais do consumidor
6.
Obrigações dos operadores comerciais
7.
Práticas comerciais desleais e cláusulas abusivas
8.
Contratos de consumo: formação, execução e resolução
9.
Responsabilidade civil e penal em matéria de consumo
Parte III –
Mecanismos de Protecção e Resolução de Litígios
10.
O papel do Conselho de Consumidores
11. Fiscalização e sanções administrativas
12.
Mediação, arbitragem e acesso à justiça
Parte IV –
Dimensão Internacional e Comparada
13.
Convenções internacionais relevantes (ONU, OCDE, OMC)
14.
Direito do consumidor na União Europeia e na China
15.
Cooperação regional na Grande Baía Guangdong-Hong
Kong-Macau
Parte V – Desafios Contemporâneos
16.
Comércio electrónico e protecção digital do consumidor
17.
Inteligência artificial, algoritmos e consumo automatizado
18.
Sustentabilidade, consumo ético e responsabilidade
empresarial
19.
Educação para o consumo e literacia jurídica
20.
Perspectivas futuras do Direito do Consumidor em Macau
CAPÍTULO I
Introdução ao Direito do Consumidor
O Direito do
Consumidor constitui uma das áreas mais dinâmicas e sensíveis do ordenamento
jurídico contemporâneo, reflectindo as transformações económicas, tecnológicas
e sociais que moldam as relações entre produtores, comerciantes e cidadãos. Em
Macau, este ramo jurídico tem vindo a afirmar-se como instrumento essencial de
equilíbrio, justiça e confiança no mercado, especialmente num contexto de
crescente digitalização e internacionalização das práticas comerciais.
A protecção do
consumidor não se limita à defesa contra abusos pontuais pois representa uma
afirmação da dignidade da pessoa enquanto sujeito económico vulnerável, e uma
garantia de que o mercado funciona segundo regras transparentes, equitativas e
sustentáveis. O consumidor, enquanto parte mais fraca da relação contratual,
carece de tutela jurídica específica, que vá além dos princípios gerais do
direito civil e comercial.
Este livro
propõe uma abordagem sistemática, crítica e actualizada do Direito do
Consumidor em Macau, articulando os fundamentos teóricos com o regime jurídico
vigente, os mecanismos de protecção institucional e os desafios emergentes. A
análise será feita com base na legislação local, nomeadamente a Lei n.º
12/2013, em convenções internacionais relevantes, e em bibliografia académica
especializada, com destaque para autores como Hans Micklitz, Stephen
Weatherill, Claudia Lima Marques e António Pinto Monteiro.
CAPÍTULO II
Evolução do Direito do Consumidor em Macau
2.1. O contexto
histórico e jurídico da protecção do consumidor
A Região
Administrativa Especial de Macau (RAEM), enquanto sistema jurídico autónomo sob
o princípio “um país, dois sistemas”, desenvolveu um ordenamento jurídico
próprio, baseado no modelo romano-germânico, com forte influência portuguesa. A
protecção do consumidor, embora presente de forma difusa em normas civis e
comerciais anteriores à transição de soberania, só viria a adquirir expressão
normativa consolidada após 1999.
Durante as
décadas de 1980 e 1990, a preocupação com os direitos dos consumidores em Macau
era ainda incipiente, limitada a iniciativas pontuais e à aplicação subsidiária
de princípios gerais do direito civil. A ausência de uma autoridade pública
dedicada e de um regime legal específico dificultava a afirmação de uma cultura
de consumo responsável e transparente.
Com a transição
para a RAEM, e a crescente internacionalização da economia local especialmente nos sectores do turismo,
comércio e serviços tornou-se evidente a necessidade de um quadro jurídico
robusto que protegesse os consumidores e regulasse as práticas comerciais.
2.2. A criação
do Conselho de Consumidores e o impulso institucional
Em 2000, foi
criado o Conselho de Consumidores de Macau, através do Decreto-Lei n.º 6/2000,
como entidade pública com funções de promoção, defesa e educação para o
consumo. Esta instituição desempenhou um papel fundamental na consolidação da
protecção do consumidor, através de:
·
Campanhas de sensibilização e educação cívica;
·
Estudos de mercado e divulgação de preços;
·
Mediação de conflitos entre consumidores e operadores;
·
Propostas legislativas e pareceres técnicos.
O Conselho
tornou-se, assim, um agente catalisador da evolução normativa e institucional
do direito do consumidor em Macau.
2.3. A Lei n.º
12/2013: marco legislativo fundamental
A aprovação da
Lei n.º 12/2013 - Lei de Protecção dos Direitos e Interesses do Consumidor,
representou um ponto de viragem. Esta lei, composta por 38 artigos, estabelece
os princípios, direitos, deveres e mecanismos de tutela aplicáveis às relações
de consumo na RAEM.
Entre os
aspectos mais relevantes da Lei n.º 12/2013 destacam-se:
·
A consagração dos direitos fundamentais do consumidor,
como o direito à informação, à segurança, à escolha e à reparação;
·
A definição de práticas comerciais desleais e cláusulas
abusivas;
·
A regulação dos contratos de consumo e das garantias
legais;
·
A previsão de sanções administrativas e mecanismos de
fiscalização;
·
A articulação com o Conselho de Consumidores como
entidade de apoio e mediação.
Esta lei aproxima-se, em muitos aspectos, dos modelos
europeus e latino-americanos, nomeadamente do Código de Defesa do Consumidor
brasileiro e das directivas da União Europeia.
2.4. A evolução
jurisprudencial e doutrinária
Desde a entrada
em vigor da Lei n.º 12/2013, os tribunais da RAEM têm vindo a consolidar uma
jurisprudência relevante em matéria de consumo, especialmente nos domínios da
responsabilidade civil, da interpretação de cláusulas contratuais e da tutela
dos direitos difusos.
A doutrina
jurídica local, embora ainda em fase de consolidação, tem contribuído para o
aprofundamento teórico do regime, com destaque para os trabalhos publicados na Revista
Jurídica de Macau, nos Cadernos de Direito Privado e em teses
académicas da Universidade de Macau e do Instituto Politécnico de Macau.
Autores como
José Alves Monteiro, Maria do Rosário Martins e Wong Iok Weng têm explorado
temas como:
·
A vulnerabilidade contratual do consumidor;
·
A eficácia das sanções administrativas;
·
A compatibilidade entre o direito civil e o direito do
consumo;
·
A mediação como instrumento de justiça restaurativa.
2.5. A
integração internacional e os compromissos convencionais
Macau, enquanto
parte da China, está vinculada a diversos instrumentos internacionais
relevantes para a protecção do consumidor, incluindo:
·
As Diretrizes das Nações Unidas para a Protecção do
Consumidor (UNCTAD);
·
As recomendações da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico (OCDE);
·
Os princípios da Organização Mundial do Comércio (OMC),
especialmente em matéria de transparência e concorrência.
Embora Macau
não seja parte autónoma em tratados internacionais, a sua legislação tem
procurado alinhar-se com os padrões globais, especialmente no que respeita à
segurança de produtos, à publicidade enganosa e à protecção em ambiente
digital.
CAPÍTULO III
Princípios Estruturantes e Fontes Normativas
3.1. A
centralidade dos princípios no Direito do Consumidor
O Direito do
Consumidor, enquanto ramo jurídico de vocação protecionista, assenta numa série
de princípios estruturantes que orientam a interpretação, aplicação e evolução
das normas. Em Macau, tal como em outros ordenamentos de matriz
romano-germânica, os princípios desempenham uma função normativa e axiológica,
permitindo a adaptação do regime jurídico às mutações sociais e económicas.
Entre os
princípios fundamentais destacam-se:
·
Princípio da protecção da parte mais fraca: O consumidor
é presumido como vulnerável face ao poder económico, técnico e informacional
dos operadores comerciais. Este princípio justifica a existência de normas
imperativas e de mecanismos de tutela reforçada.
·
Princípio da boa-fé e da transparência: As relações
de consumo devem pautar-se pela lealdade contratual, pela clareza das
informações e pela previsibilidade dos efeitos jurídicos. A omissão ou
distorção de dados relevantes constitui violação deste princípio.
·
Princípio da segurança dos produtos e serviços: O consumidor
tem direito à aquisição e utilização de bens e serviços que não coloquem em
risco a sua saúde, segurança ou integridade física. Este princípio fundamenta a
responsabilidade objectiva do produtor e do fornecedor.
·
Princípio da reparação e da compensação: O consumidor
lesado deve ter acesso a mecanismos eficazes de reparação, seja por via
administrativa, judicial ou extrajudicial. A indemnização por danos materiais e
morais é expressão concreta deste princípio.
·
Princípio da educação para o consumo: A literacia
jurídica e económica do consumidor é condição para o exercício pleno dos seus
direitos. O Estado e os operadores têm o dever de promover informação clara,
acessível e formativa.
·
3.2. Fontes
normativas internas
O regime
jurídico do consumidor em Macau é composto por diversas fontes normativas, com
destaque para:
·
Lei n.º 12/2013 - Lei de Protecção dos Direitos e
Interesses do Consumidor: Norma central que estabelece os direitos, deveres,
infracções e mecanismos de tutela. Aplica-se a todas as relações de consumo
ocorridas na RAEM, independentemente da nacionalidade das partes.
·
Código Civil de Macau: Contém disposições relevantes sobre
contratos, responsabilidade civil, vícios redibitórios e cláusulas abusivas. A
sua aplicação é subsidiária, mas essencial para a interpretação sistemática do
regime.
·
Lei n.º 7/2003 - Lei da Publicidade: Regula as
práticas publicitárias, proibindo a publicidade enganosa, comparativa desleal e
dirigida a menores. Articula-se com o direito do consumidor na protecção contra
práticas comerciais abusivas.
·
Lei n.º 8/2021 - Lei da Protecção de Dados Pessoais: Relevante
para o comércio electrónico e para a protecção da privacidade do consumidor em
ambientes digitais.
·
Regulamentos administrativos e despachos normativos: Complementam
a legislação principal, estabelecendo regras técnicas, procedimentos e
competências das autoridades fiscalizadoras.
3.3. Fontes
internacionais e influência comparada
Embora Macau
não seja parte autónoma em tratados internacionais, o seu ordenamento jurídico
é influenciado por normas e princípios consagrados em instrumentos
internacionais, nomeadamente:
·
Directrizes das Nações Unidas para a Protecção do
Consumidor (UNCTAD): Estabelecem padrões mínimos de protecção, com enfoque na segurança,
informação, educação e acesso à justiça.
·
Convenção de Viena sobre Contratos de Compra e Venda
Internacional de Mercadorias (1980): Aplicável em certos contextos comerciais, com impacto
indireto nas relações de consumo transfronteiriças.
·
Directivas da União Europeia: Embora não vinculativas, servem como
referência técnica e doutrinária, especialmente em matéria de cláusulas
abusivas, garantias legais e práticas comerciais desleais.
·
Código de
Defesa do Consumidor do Brasil (Lei n.º 8.078/1990): Influência relevante na doutrina local, pela sua
sistematização e vocação pedagógica.
·
Modelos asiáticos: A legislação de Hong Kong, Taiwan e
Singapura oferece paralelismos úteis, especialmente no domínio do comércio electrónico
e da resolução extrajudicial de litígios.
3.4. A
articulação entre fontes e a interpretação sistemática
A aplicação do
Direito do Consumidor em Macau exige uma leitura integrada das diversas fontes,
com respeito pela hierarquia normativa e pela coerência sistémica. A
interpretação deve ser orientada pelos princípios estruturantes, pela
jurisprudência consolidada e pela realidade social concreta.
O juiz, o
advogado, o académico e o agente económico devem, assim, adoptar uma abordagem
hermenêutica que valorize:
·
A função social do contrato de consumo;
·
A protecção da confiança legítima do consumidor;
·
A compatibilidade entre normas gerais e especiais;
·
A evolução dinâmica do mercado e das tecnologias.
CAPÍTULO IV
A Lei de Protecção dos Direitos e Interesses do
Consumidor (Lei n.º 12/2013)
4.1. Estrutura
e objectivos da Lei n.º 12/2013
Aprovada pela
Assembleia Legislativa da RAEM e publicada em 2 de Setembro de 2013, a Lei n.º
12/2013 constitui o diploma central do regime jurídico do consumidor em Macau.
Composta por 38 artigos distribuídos por sete capítulos, esta lei visa:
·
Estabelecer os direitos e interesses fundamentais dos
consumidores;
·
Regular as obrigações dos fornecedores de bens e
prestadores de serviços;
·
Prevenir e sancionar práticas comerciais desleais;
·
Promover mecanismos eficazes de resolução de litígios;
·
Reforçar a confiança no mercado e a transparência nas
relações de consumo.
A sua entrada
em vigor representou uma mudança qualitativa na protecção jurídica do
consumidor, conferindo densidade normativa a princípios até então dispersos ou
implícitos.
4.2. Definições
e âmbito de aplicação
O artigo 2.º da
Lei n.º 12/2013 define consumidor como “a pessoa singular ou colectiva que
adquire ou utiliza bens ou serviços como destinatário final, para fins não
profissionais”. Esta definição exclui, portanto, os agentes económicos que
adquirem bens para revenda ou transformação.
O âmbito de
aplicação da lei abrange:
·
Todas as relações de consumo ocorridas no território da
RAEM;
·
Bens móveis e imóveis, serviços públicos e privados;
·
Contratos presenciais, à distância e em ambiente digital.
A lei aplica-se
independentemente da nacionalidade das partes, desde que o acto de consumo
ocorra em Macau ou produza efeitos jurídicos relevantes na região.
4.3. Direitos
fundamentais do consumidor
O Capítulo II
da Lei consagra um conjunto de direitos fundamentais, entre os quais se
destacam:
·
Direito à protecção da saúde e segurança (art. 4.º): Os
bens e serviços devem ser seguros e não representar riscos injustificados para
o consumidor.
·
Direito à informação (art. 5.º): O consumidor tem direito a
receber informações claras, verdadeiras, completas e acessíveis sobre os
produtos, serviços, preços, condições contratuais e riscos associados.
·
Direito à escolha (art. 6.º): O consumidor deve poder
escolher entre diferentes produtos e fornecedores, sem práticas coercivas ou
discriminatórias.
·
Direito à educação para o consumo (art. 7.º): O
Estado e os operadores devem promover acções de formação e sensibilização para
o consumo responsável.
·
Direito à reparação de danos (art. 8.º): O consumidor tem direito à
indemnização por danos materiais e morais resultantes de práticas lesivas.
·
Direito à representação e participação (art. 9.º): O
consumidor pode organizar-se em associações e participar em processos
legislativos e administrativos que o afectem.
4.4. Obrigações
dos fornecedores e prestadores de serviços
O Capítulo III
estabelece as obrigações dos operadores económicos, entre as quais:
·
Garantir a conformidade dos bens e serviços com os
padrões legais e contratuais;
·
Prestar informações verdadeiras e não enganosas;
·
Respeitar os prazos de entrega e as condições acordadas;
·
Assegurar assistência pós-venda e garantia legal;
·
Abster-se de práticas comerciais desleais, como
publicidade enganosa, venda agressiva ou omissão de informação relevante.
A violação
destas obrigações pode dar origem a responsabilidade civil, sanções
administrativas e, em certos casos, responsabilidade penal.
4.5. Práticas
comerciais desleais e cláusulas abusivas
O Capítulo IV
da Lei n.º 12/2013 proíbe expressamente:
·
Publicidade enganosa ou omissiva;
·
Venda forçada ou com aproveitamento da vulnerabilidade do
consumidor;
·
Cláusulas contratuais que limitem indevidamente os
direitos do consumidor, como renúncia antecipada à garantia, exclusão de
responsabilidade ou imposição de penalidades desproporcionadas.
A lei prevê que
tais cláusulas sejam consideradas nulas, sem prejuízo da validade do restante
contrato. A fiscalização cabe ao Conselho de Consumidores e às autoridades
administrativas competentes.
4.6.
Fiscalização, sanções e resolução de litígios
O Capítulo V
regula os mecanismos de fiscalização e sanção, incluindo:
·
Advertência, multa, suspensão de actividade e apreensão
de bens;
·
Direito de reclamação junto do Conselho de Consumidores;
·
Possibilidade de mediação e arbitragem voluntária;
·
Acesso ao sistema judicial para reparação de danos.
A lei incentiva
a resolução extrajudicial de litígios, promovendo celeridade, acessibilidade e
eficácia na tutela dos direitos do consumidor.
CAPÍTULO V
Direitos Fundamentais do Consumidor
5.1. A
consagração legal dos direitos do consumidor
A Lei n.º
12/2013 da RAEM consagra, de forma explícita e sistemática, os direitos
fundamentais do consumidor, alinhando-se com os padrões internacionais
definidos pelas Directrizes da ONU para a Protecção do Consumidor (UNCTAD) e
com os modelos europeus e latino-americanos. Estes direitos não são apenas
declarações programáticas pois constituem normas jurídicas vinculativas, com
eficácia directa nas relações de consumo. A sua consagração visa garantir o
equilíbrio contratual, a protecção da dignidade do consumidor e a promoção de
um mercado transparente, seguro e justo.
5.2. Direito à
protecção da saúde e segurança
O artigo 4.º da
Lei n.º 12/2013 estabelece que o consumidor tem direito à protecção da sua
saúde e segurança na aquisição e utilização de bens e serviços.
Este direito
implica:
·
A proibição da comercialização de produtos perigosos ou
defeituosos;
·
A obrigação de os fornecedores realizarem testes de
segurança e certificações técnicas;
·
A responsabilidade objectiva por danos causados por
produtos defeituosos;
·
A obrigação de recolha e retirada de produtos do mercado
em caso de risco.
Este direito é
reforçado por normas complementares em matéria de segurança alimentar,
farmacêutica, eléctrica e automóvel, bem como pela actuação da Direcção dos
Serviços de Saúde e da Direcção dos Serviços de Economia.
5.3. Direito à
informação
O artigo 5.º
consagra o direito à informação clara, verdadeira, completa e acessível. Este
direito é essencial para o exercício consciente da liberdade de escolha e para
a prevenção de práticas comerciais desleais.
Inclui:
·
A obrigação de rotulagem adequada de produtos;
·
A divulgação de preços, condições de venda e garantias;
·
A explicitação dos riscos associados ao uso de
determinados bens ou serviços;
·
A proibição de omissão ou distorção de informação
relevante.
A violação
deste direito pode configurar publicidade enganosa, cláusula abusiva ou prática
comercial agressiva, com consequências jurídicas e administrativas.
5.4. Direito à
escolha
O artigo 6.º
reconhece ao consumidor o direito de escolher livremente entre diferentes
produtos e fornecedores, sem coerção, discriminação ou manipulação.
Este direito pressupõe:
·
A existência de concorrência efectiva no mercado;
·
A proibição de práticas como venda casada, fidelização
forçada ou exclusividade abusiva;
·
A transparência nas condições contratuais e nos preços;
·
A liberdade de rescindir contratos em determinadas
circunstâncias.
Este direito
está intimamente ligado à política de concorrência e à regulação dos mercados,
exigindo actuação coordenada entre entidades reguladoras e fiscalizadoras.
5.5. Direito à
educação para o consumo
O artigo 7.º
estabelece o direito à educação para o consumo, reconhecendo que a literacia
jurídica, económica e digital é condição para o exercício pleno dos direitos do
consumidor.
Este direito implica:
·
A promoção de campanhas de sensibilização e formação;
·
A inclusão de conteúdos sobre consumo responsável nos
currículos escolares;
·
A disponibilização de informação acessível por parte dos
operadores;
·
O apoio à investigação académica e à produção de
conhecimento jurídico.
O Conselho de
Consumidores desempenha um papel central na concretização deste direito,
através de publicações, seminários e parcerias com instituições de ensino.
5.6. Direito à
reparação de danos
O artigo 8.º
consagra o direito à reparação de danos materiais e morais causados por
práticas lesivas.
Este direito
pode ser exercido por via:
·
Administrativa, junto do Conselho de Consumidores;
·
Extrajudicial, através de mediação ou arbitragem;
·
Judicial, mediante acção cível ou penal.
A
responsabilidade do fornecedor pode ser contratual ou extracontratual, e
inclui:
·
Indemnização por vícios do produto ou serviço;
·
Reembolso de quantias pagas indevidamente;
·
Compensação por danos morais, como angústia, frustração
ou perda de tempo.
Este direito
reforça a função reparadora e dissuasora do Direito do Consumidor.
5.7. Direito à
representação e participação
O artigo 9.º
reconhece ao consumidor o direito de se organizar em associações, de participar
em processos legislativos e administrativos e de ser representado em instâncias
públicas.
Este direito visa:
·
Reforçar a cidadania económica e jurídica;
·
Promover o diálogo entre consumidores, operadores e
autoridades;
·
Garantir que as políticas públicas reflectem os
interesses dos consumidores;
·
Estimular a criação de organizações independentes e
pluralistas.
A participação
activa dos consumidores é condição para a legitimidade democrática do sistema
de consumo.
CAPÍTULO VI
Obrigações dos Operadores Comerciais
6.1. A lógica
da responsabilização no Direito do Consumidor
O Direito do
Consumidor não se limita à protecção passiva dos direitos dos consumidores:
impõe também um conjunto de deveres e obrigações aos operadores económicos, com
vista à construção de um mercado justo, transparente e funcional. A Lei n.º
12/2013 da RAEM consagra essas obrigações de forma clara, atribuindo-lhes
natureza imperativa e sancionável. O operador comercial seja fornecedor de bens
ou prestador de serviços assume uma posição de responsabilidade acrescida, em
virtude da sua superioridade técnica, económica e informacional. A lei
exige-lhe diligência, lealdade e conformidade com os padrões legais e
contratuais.
6.2. Obrigações
gerais de conduta
O artigo 10.º
da Lei n.º 12/2013 estabelece obrigações gerais de conduta, aplicáveis a todos
os operadores comerciais:
·
Dever de informação: O operador deve prestar ao
consumidor, antes da celebração do contrato, todas as informações relevantes
sobre o produto ou serviço, incluindo características, preço, condições de
pagamento, garantias, riscos e limitações.
·
Dever de transparência: As informações devem ser claras,
acessíveis e verdadeiras, evitando ambiguidades, omissões ou exageros que
possam induzir o consumidor em erro.
·
Dever de diligência: O operador deve agir com
profissionalismo, cuidado e respeito pelos direitos do consumidor, evitando
práticas negligentes ou abusivas.
·
Dever de conformidade: Os bens e serviços fornecidos devem
corresponder às expectativas legítimas do consumidor, às normas legais
aplicáveis e às condições acordadas.
6.3. Obrigações
específicas na venda de bens
Nos contratos
de compra e venda, o fornecedor assume obrigações específicas, reguladas pela
Lei n.º 12/2013 e pelo Código Civil:
·
Entrega do bem conforme: O produto deve ser entregue no prazo
acordado, em perfeitas condições, com todos os acessórios e documentação
necessária.
·
Garantia legal: O consumidor tem direito a uma garantia mínima de
conformidade, geralmente de dois anos, durante a qual pode exigir reparação,
substituição ou reembolso.
·
Responsabilidade por vícios ocultos: O fornecedor
responde pelos defeitos que tornem o bem impróprio para o uso ou diminuam o seu
valor, mesmo que não tenham sido detectados no momento da compra.
·
Dever de assistência pós-venda: O operador deve prestar apoio
técnico, manutenção e esclarecimentos após a entrega do produto, especialmente
em casos de avaria ou defeito.
6.4. Obrigações
específicas na prestação de serviços
Nos contratos
de prestação de serviços, o prestador assume obrigações específicas, com
destaque para:
·
Execução conforme: O serviço deve ser prestado com
qualidade, dentro do prazo acordado e segundo as condições contratadas.
·
Segurança e higiene: O prestador deve garantir que o
serviço não coloca em risco a saúde, segurança ou bem-estar do consumidor.
·
Dever de correcção: Em caso de erro, omissão ou falha na
prestação, o operador deve corrigir o serviço sem custos adicionais para o
consumidor.
·
Responsabilidade por danos: O prestador responde pelos prejuízos
causados ao consumidor em virtude de má execução, negligência ou incumprimento
contratual.
6.5. Proibição
de práticas comerciais desleais
A Lei n.º
12/2013 proíbe expressamente as práticas comerciais desleais, incluindo:
·
Publicidade enganosa: Divulgação de informações falsas,
exageradas ou omissas que induzam o consumidor em erro.
·
Venda agressiva: Pressão psicológica, manipulação emocional ou
aproveitamento da vulnerabilidade do consumidor para forçar a compra.
·
Venda casada: Imposição de aquisição de produtos ou serviços
adicionais como condição para a compra principal.
·
Cláusulas abusivas: Condições contratuais que limitem
indevidamente os direitos do consumidor, como renúncia à garantia, exclusão de
responsabilidade ou penalidades desproporcionadas.
Estas práticas
são sancionáveis por via administrativa, podendo também gerar responsabilidade
civil e penal.
6.6. Sanções e
fiscalização
O incumprimento
das obrigações legais por parte dos operadores comerciais pode dar origem a:
·
Sanções administrativas: Advertência, multa, suspensão de actividade,
apreensão de bens ou encerramento do estabelecimento.
·
Responsabilidade civil: Obrigação de indemnizar o consumidor
pelos danos causados, incluindo prejuízos materiais e morais.
·
Responsabilidade penal: Em casos graves, como fraude,
falsificação ou lesão corporal, o operador pode ser sujeito a processo
criminal.
A fiscalização
é exercida pelo Conselho de Consumidores, pela Direcção dos Serviços de
Economia, pela Inspeção de Actividades Económicas e, em certos casos, pelo
Ministério Público.
CAPÍTULO VII
Práticas Comerciais Desleais e Cláusulas Abusivas
7.1. A função
preventiva e repressiva do Direito do Consumidor
O Direito do
Consumidor não se limita à reparação de danos após a ocorrência de prejuízos
pois assume também uma função preventiva, ao proibir condutas empresariais que
possam comprometer a liberdade de escolha, a transparência contratual e a
confiança no mercado. A Lei n.º 12/2013 da RAEM dedica especial atenção às
práticas comerciais desleais e às cláusulas abusivas, reconhecendo que o
desequilíbrio estrutural entre consumidor e fornecedor exige tutela reforçada. Estas
práticas são sancionáveis por via administrativa, civil e, em certos casos,
penal, e podem ser objecto de fiscalização por entidades públicas e contestação
judicial por consumidores individuais ou colectivos.
7.2. Práticas
comerciais desleais: conceito e tipologia
O artigo 11.º
da Lei n.º 12/2013 define práticas comerciais desleais como “actos ou omissões
que, por acção ou omissão, induzam o consumidor em erro, comprometam a sua
liberdade de escolha ou explorem a sua vulnerabilidade”. Esta definição abrange
condutas antes, durante e após a celebração do contrato.
Entre as
principais práticas desleais destacam-se:
·
Publicidade enganosa: Divulgação de informações falsas,
exageradas ou omissas sobre características, preço, origem ou benefícios do
produto ou serviço.
·
Venda agressiva: Pressão psicológica, manipulação emocional ou
insistência abusiva para forçar a compra, especialmente junto de idosos,
menores ou pessoas com deficiência.
·
Omissão de informação relevante: Falta de esclarecimento sobre riscos,
limitações, encargos adicionais ou condições de rescisão.
·
Promoções falsas: Anúncio de descontos inexistentes,
limitações não divulgadas ou condições ocultas.
·
Venda casada: Imposição de aquisição de produtos ou serviços
adicionais como condição para a compra principal, sem consentimento informado.
Estas práticas
são consideradas ilícitas, mesmo que não causem prejuízo efectivo, bastando o
risco ou a potencialidade de lesão.
7.3. Cláusulas
abusivas: conceito e regime jurídico
O artigo 12.º
da Lei n.º 12/2013 proíbe cláusulas contratuais que “criem desequilíbrio
significativo entre os direitos e obrigações das partes, em prejuízo do
consumidor”. Este conceito é inspirado nas directivas europeias e na doutrina
brasileira, e visa proteger o consumidor contra condições impostas
unilateralmente e sem negociação.
São
consideradas abusivas, entre outras:
·
Cláusulas que excluam ou limitem indevidamente a
responsabilidade do fornecedor;
·
Cláusulas que imponham penalidades desproporcionadas ao
consumidor;
·
Cláusulas que permitam ao fornecedor alterar
unilateralmente o contrato;
·
Cláusulas que dificultem ou impeçam o exercício de
direitos legais, como a garantia ou o direito de arrependimento;
·
Cláusulas que imponham foro judicial distante ou
inconveniente para o consumidor.
Estas cláusulas
são nulas de pleno direito, não produzindo efeitos jurídicos, sem prejuízo da
validade do restante contrato.
7.4. Mecanismos
de controlo e fiscalização
A fiscalização
das práticas comerciais desleais e das cláusulas abusivas é exercida por:
·
Conselho de Consumidores: Recebe reclamações, realiza inspecções,
emite pareceres e promove acções educativas.
·
Direcção dos Serviços de Economia: Fiscaliza a actividade
comercial, aplica sanções administrativas e colabora com outras entidades.
·
Tribunais da RAEM: Julgam acções cíveis e penais, anulam
cláusulas abusivas e condenam fornecedores por práticas lesivas.
·
Associações de consumidores: Podem actuar como partes
interessadas, apresentar denúncias e promover acções coletivas.
A actuação
coordenada destas entidades é essencial para garantir a eficácia do regime e a
confiança dos consumidores.
7.5. Prevenção
e educação como instrumentos complementares
Para além da
repressão, o combate às práticas desleais e às cláusulas abusivas exige uma
estratégia preventiva, baseada na educação para o consumo, na formação dos
operadores e na promoção de boas práticas empresariais.
Entre as
medidas recomendadas estão:
·
Elaboração de códigos de conduta sectoriais;
·
Certificação de empresas com práticas éticas;
·
Divulgação de decisões judiciais e administrativas relevantes;
·
Inclusão de conteúdos sobre contratos e direitos do
consumidor nos currículos escolares e universitários.
A prevenção é
mais eficaz e menos onerosa do que a reparação, e contribui para a construção
de uma cultura de consumo responsável e sustentável.
CAPÍTULO VIII
Contratos de Consumo: Formação, Execução e Resolução
8.1. A natureza
jurídica dos contratos de consumo
Os contratos de
consumo são acordos celebrados entre um fornecedor de bens ou serviços e um
consumidor, com o objectivo de satisfazer necessidades pessoais ou domésticas.
Em Macau, estes contratos são regulados pela Lei n.º 12/2013, pelo Código Civil
e por legislação complementar, como a Lei da Publicidade e a Lei da Protecção
de Dados Pessoais.
A natureza
jurídica destes contratos é marcada por:
·
Assimetria informacional e económica entre as partes;
·
Presença de cláusulas pré-redigidas e não negociadas;
·
Finalidade não profissional por parte do consumidor;
·
Aplicação de normas imperativas de protecção.
A doutrina
reconhece que os contratos de consumo exigem uma abordagem interpretativa que
privilegie a protecção da parte mais fraca e a realização dos princípios da
boa-fé, transparência e equilíbrio.
8.2. Formação
do contrato: requisitos e limites
A formação do
contrato de consumo obedece aos requisitos gerais do direito civil, capacidade,
consentimento, objecto lícito e forma mas com especificidades relevantes:
·
Informação pré-contratual: O fornecedor deve prestar ao
consumidor todas as informações relevantes antes da celebração do contrato,
incluindo características do produto ou serviço, preço, garantias, prazos e
condições de rescisão.
·
Consentimento livre e esclarecido: O consumidor
deve manifestar a sua vontade de forma consciente, sem coacção, erro ou omissão
relevante. A venda agressiva ou a omissão de informação pode viciar o
consentimento.
·
Forma contratual: Embora a forma escrita não seja
obrigatória em todos os casos, é recomendada para garantir prova e clareza. Nos
contratos à distância ou digitais, exige-se confirmação eletrónica e acesso ao
conteúdo contratual.
·
Direito de arrependimento: Em certos contratos, como os
celebrados fora do estabelecimento comercial ou por via electrónica, o
consumidor tem direito a desistir no prazo de sete dias úteis, sem necessidade
de justificação.
8.3. Execução
do contrato: conformidade e garantias
A execução do
contrato de consumo implica o cumprimento das obrigações assumidas pelas
partes, com destaque para:
·
Entrega do bem ou prestação do serviço: Deve ocorrer
nos prazos, locais e condições acordadas, com conformidade técnica e funcional.
·
Garantia legal de conformidade: O consumidor tem direito a uma
garantia mínima de dois anos para bens duráveis, durante a qual pode exigir
reparação, substituição ou reembolso.
·
Assistência pós-venda: O fornecedor deve prestar apoio
técnico, esclarecimentos e serviços de manutenção, quando aplicável.
·
Responsabilidade por defeitos: O fornecedor responde por vícios
ocultos, defeitos de fabrico ou falhas na prestação, mesmo que não tenham sido
detetados no momento da compra.
A execução deve
respeitar os princípios da boa-fé, da cooperação e da lealdade contratual.
8.4. Resolução
do contrato: causas e efeitos
A resolução do
contrato de consumo pode ocorrer por iniciativa do consumidor ou do fornecedor,
em virtude de:
·
Incumprimento contratual: Falta de entrega, prestação
defeituosa, atraso injustificado ou violação das condições acordadas.
·
Vício do consentimento: Erro, coacção, dolo ou omissão
relevante que tenha influenciado a decisão do consumidor.
·
Direito de arrependimento: Exercício do direito de desistência
nos prazos legais, sem necessidade de justificação.
·
Cláusula resolutiva expressa: Condições previstas no contrato que
permitem a sua cessação em determinadas circunstâncias.
Os efeitos da
resolução incluem:
·
Restituição das quantias pagas;
·
Devolução dos bens adquiridos;
·
Indemnização por danos causados;
·
Cessação das obrigações futuras.
A resolução
deve ser comunicada por escrito e pode ser objecto de mediação ou arbitragem,
em caso de litígio.
8.5. Contratos electrónicos
e novas formas de consumo
A evolução
tecnológica trouxe novas formas de contratação, especialmente por via digital.
Os contratos electrónicos exigem:
·
Identificação clara do fornecedor e dos seus contactos;
·
Informação acessível sobre o produto ou serviço;
·
Confirmação electrónica da celebração do contrato;
·
Protecção dos dados pessoais do consumidor;
·
Mecanismos de segurança e autenticação.
A Lei n.º
12/2013 aplica-se integralmente aos contratos electrónicos, com adaptações
técnicas e procedimentais. O comércio electrónico é regulado também por normas
específicas, como o Regulamento Administrativo n.º 5/2005 sobre serviços da
sociedade da informação.
CAPÍTULO IX
Responsabilidade Civil e Penal em Matéria de Consumo
9.1. A função
reparadora e dissuasora da responsabilidade
A
responsabilidade jurídica no Direito do Consumidor cumpre duas funções
essenciais como a de reparar os danos sofridos pelo consumidor e dissuadir os
operadores comerciais de práticas lesivas. Em Macau, esta responsabilidade pode
assumir natureza civil, administrativa ou penal, dependendo da gravidade da
infracção, da intenção do agente e dos efeitos produzidos. A Lei n.º 12/2013
articula-se com o Código Civil e com o Código Penal da RAEM, permitindo ao
consumidor accionar múltiplos mecanismos de tutela, conforme o tipo de lesão
sofrida.
9.2.
Responsabilidade civil contratual e extracontratual
A
responsabilidade civil decorre da violação de obrigações legais ou contratuais,
e pode ser:
·
Contratual: Quando o fornecedor ou prestador de serviços incumpre o
contrato celebrado com o consumidor, causando-lhe prejuízo. Exemplos incluem
entrega defeituosa, atraso injustificado, omissão de informação ou prestação
inadequada.
·
Extracontratual: Quando o operador causa dano ao consumidor fora do
âmbito contratual, por acção ou omissão ilícita. Exemplos incluem publicidade
enganosa, venda de produtos perigosos ou violação da privacidade.
Nos termos do
Código Civil, o consumidor tem direito a:
·
Indemnização por danos patrimoniais (prejuízo económico,
perda de bens, custos adicionais);
·
Indemnização por danos não patrimoniais (sofrimento
moral, angústia, frustração, perda de tempo);
·
Reembolso de quantias pagas indevidamente;
·
Reparação ou substituição do bem defeituoso.
A
responsabilidade pode ser objectiva (independente de culpa), especialmente em
casos de produtos perigosos ou defeituosos, ou subjectiva (dependente de
culpa), nos restantes casos.
9.3.
Responsabilidade penal: infracções e sanções
Em situações
mais graves, a conduta do operador comercial pode configurar crime, nos termos
do Código Penal da RAEM.
Entre os tipos
penais aplicáveis destacam-se:
·
Burla (art. 211.º): Obtenção de vantagem patrimonial através
de engano ou manipulação do consumidor.
·
Falsificação de produtos ou documentos (arts. 244.º e
245.º): Produção ou comercialização de bens com certificações falsas, rótulos
adulterados ou documentação fraudulenta.
·
Ofensa à integridade física (arts. 137.º e 138.º): Comercialização
de produtos que causem lesões ao consumidor, por negligência ou dolo.
·
Violação de segredo ou privacidade (arts. 186.º e
187.º): Utilização indevida de dados pessoais do consumidor, especialmente em
contratos electrónicos.
As penas podem
incluir multa, prisão, interdição de actividade comercial e apreensão de bens.
A acção penal pode ser promovida pelo Ministério Público, com base em denúncia
do consumidor ou de entidade fiscalizadora.
9.4. Sanções
administrativas e medidas cautelares
Para além da
responsabilidade civil e penal, o operador comercial pode ser sujeito a sanções
administrativas, aplicadas pelas autoridades competentes, como:
·
Advertência formal;
·
Multa proporcional à gravidade da infracção;
·
Suspensão temporária da atividade;
·
Encerramento do estabelecimento;
·
Apreensão de produtos ilegais ou perigosos.
Estas sanções
visam proteger o interesse público, garantir a segurança dos consumidores e
prevenir a reincidência. Podem ser aplicadas de forma cumulativa com outras
formas de responsabilidade.
9.5. Acção
judicial e meios alternativos de resolução
O consumidor
lesado pode recorrer aos tribunais da RAEM para obter reparação, através de:
·
Acção cível individual;
·
Acção colectiva promovida por associação de consumidores;
·
Providência cautelar para evitar danos iminentes;
·
Recurso de decisões administrativas.
Em alternativa,
pode optar por meios extrajudiciais, como:
·
Mediação promovida pelo Conselho de Consumidores;
·
Arbitragem voluntária, com decisão vinculativa;
·
Acordo directo com o fornecedor, com apoio institucional.
Estes
mecanismos oferecem maior celeridade, menor custo e maior acessibilidade, sendo
recomendados em casos de menor complexidade ou quando há boa-fé entre as
partes.
CAPÍTULO X
O Papel do Conselho de Consumidores
10.1. Introdução
O Conselho de Consumidores da RAEM constitui uma das
principais entidades públicas dedicadas à promoção, defesa e representação dos
direitos e interesses dos consumidores. Criado em 1998 e reorganizado por
sucessivos diplomas legais, o Conselho desempenha um papel multifacetado que
abrange funções de mediação, fiscalização, educação, investigação e cooperação
institucional. Este capítulo analisa, de forma sistemática e crítica, o
enquadramento jurídico, as competências operacionais, os mecanismos de atuação
e os desafios contemporâneos enfrentados por esta entidade, com vista à
consolidação de uma cultura jurídica de consumo na RAEM.
10.2. Enquadramento jurídico e
institucional
O Conselho de Consumidores foi inicialmente instituído
pelo Despacho n.º 19/GM/98, tendo posteriormente sido reforçado pelo
Regulamento Administrativo n.º 37/2023, que define a sua organização e
funcionamento. Trata-se de uma entidade pública com autonomia administrativa,
tutelada pelo Secretário para a Economia e Finanças, com sede própria e
estrutura técnica especializada. A sua missão, conforme definida no Portal do
Governo da RAEM, consiste em “coadjuvar na elaboração, divulgação e promoção de
políticas e medidas relacionadas com a protecção dos direitos e interesses do
consumidor”. Esta missão é concretizada através de um conjunto de
atribuições que se articulam com os princípios consagrados na Lei n.º 12/2013 -
Lei de Defesa do Consumidor e com os instrumentos internacionais relevantes,
como as Directrizes da ONU para a Proteção do Consumidor.
10.3. Competências legais e funções operacionais
O Conselho
de Consumidores exerce um conjunto de competências que podem ser agrupadas em
cinco grandes áreas:
a) Recepção
e tratamento de reclamações
O
Conselho funciona como canal institucional para a apresentação de queixas por
parte dos consumidores. As reclamações podem ser submetidas presencialmente,
por telefone, correio electrónico ou através do portal oficial
(www.consumer.gov.mo). Após recepção, são analisadas por técnicos
especializados que verificam a admissibilidade, a veracidade dos factos e a
existência de elementos probatórios suficientes.
b) Mediação
e resolução extrajudicial de conflitos
Uma
das funções mais relevantes do Conselho é a mediação entre consumidores e
operadores económicos. Este processo, voluntário e gratuito, visa alcançar
soluções consensuais sem recurso aos tribunais. O Conselho dispõe de um Centro
de Arbitragem de Conflitos de Consumo, autorizado por despacho governamental,
que permite a resolução formal de litígios com força executiva.
c)
Fiscalização e inspeção
Em
articulação com outras entidades, como a Direcção dos Serviços de Economia e o
Instituto para os Assuntos Municipais, o Conselho participa em acções de
fiscalização de práticas comerciais, verificação de preços, conformidade de
produtos e segurança alimentar. Estas acções são fundamentais para garantir a
legalidade e a transparência no mercado.
d) Educação
para o consumo
O
Conselho promove campanhas educativas, seminários, publicações e actividades
escolares destinadas a sensibilizar os consumidores para os seus direitos e
deveres. A iniciativa “Guarde facturas na compra!” e os postos pop-up sobre
lojas certificadas são exemplos de acções recentes que visam reforçar a
literacia económica e jurídica da população
e)
Investigação e estudos técnicos
O
Conselho realiza estudos sobre tendências de consumo, práticas comerciais e
impacto legislativo. Estes estudos servem de base para propostas de alteração
normativa, decisões administrativas e campanhas públicas. A investigação de
preços de supermercado, publicada regularmente, é um instrumento de
transparência e comparação que beneficia directamente o consumidor
10.4. Procedimento de reclamação e
mediação
O procedimento de reclamação junto do Conselho segue uma
lógica sequencial e garantista:
- Apresentação da queixa: O consumidor descreve os factos,
identifica o fornecedor e junta documentação relevante (facturas,
contratos, fotografias, etc.).
- Análise preliminar: Os técnicos verificam a
competência da entidade, a existência de elementos suficientes e a
possibilidade de mediação.
- Contactos com o fornecedor: O Conselho solicita
esclarecimentos, propõe soluções e promove o diálogo entre as partes.
- Sessão de mediação: Caso necessário, realiza-se uma
reunião informal com ambas as partes, conduzida por mediador imparcial.
- Encaminhamento complementar: Se não houver acordo, o
consumidor é orientado para os meios judiciais, arbitrais ou
administrativos adequados.
Este procedimento é gratuito, célere e acessível,
promovendo a pacificação social e a confiança institucional.
10.5. Certificação de lojas e práticas
comerciais
O Conselho desenvolve programas de certificação
voluntária de estabelecimentos comerciais, como a “Loja Aderente” e a “Loja
Certificada”. Estes programas visam distinguir os operadores que cumprem boas
práticas, respeitam os direitos dos consumidores e colaboram com os mecanismos
de resolução de litígios.
A certificação é atribuída com base em critérios objectivos,
como:
- Transparência nos preços e condições contratuais;
- Qualidade dos produtos e serviços;
- Atendimento ao cliente;
- Cooperação com o Conselho em casos de reclamação.
As lojas certificadas beneficiam de maior visibilidade,
confiança pública e acesso a campanhas promocionais organizadas pelo Conselho.
10.6. Cooperação interinstitucional e
internacional
O Conselho de Consumidores participa em redes de
cooperação regional e internacional, incluindo:
- Fórum da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau:
Articulação com entidades congéneres para harmonização de práticas e
resolução de litígios transfronteiriços.
- Consumers International: Rede global de organizações de
defesa do consumidor, que promove campanhas, estudos e formação.
- Plataformas lusófonas: Cooperação com entidades de
países de língua portuguesa, com base na herança jurídica comum.
Esta cooperação permite o intercâmbio de boas práticas, a
harmonização de padrões técnicos e a protecção eficaz dos consumidores em
contextos transfronteiriços.
10.7. Desafios contemporâneos
O Conselho enfrenta desafios crescentes, decorrentes da
evolução tecnológica, da globalização e da complexidade das relações de
consumo:
- Contratos digitais e comércio electrónico:
Necessidade de adaptar os mecanismos de mediação e fiscalização às
plataformas digitais e aos contratos automatizados.
- Protecção de dados e segurança cibernética: Reforço
da articulação com a Autoridade de Protecção de Dados Pessoais e
desenvolvimento de competências técnicas.
- Inteligência artificial e algoritmos de consumo:
Monitorização de práticas algorítmicas que possam gerar discriminação ou
manipulação comercial.
- Sustentabilidade e consumo ético: Promoção
de práticas empresariais responsáveis e educação para o consumo
consciente.
- Literacia jurídica e inclusão digital:
Superação das barreiras linguísticas, tecnológicas e culturais que
dificultam o acesso à informação e à justiça.
10.8. Perspectivas de reforço
institucional
Para enfrentar estes desafios, o Conselho deverá:
- Reforçar os seus meios humanos e técnicos, com
formação especializada em direito digital, mediação e protecção de dados;
- Actualizar os seus instrumentos legais e
procedimentais, com base em estudos comparativos e recomendações
internacionais;
- Intensificar a cooperação regional, especialmente no
contexto da Grande Baía, com criação de mecanismos de reconhecimento mútuo
de decisões;
- Promover uma cultura de consumo ético, informado e
sustentável, com envolvimento das escolas, universidades e associações
comunitárias;
- Desenvolver indicadores de desempenho e mecanismos
de avaliação da eficácia das suas acções, com vista à melhoria contínua.
10.9. Conclusão
O Conselho de Consumidores de Macau é uma entidade
essencial para a consolidação do Direito do Consumidor na RAEM. A sua actuação
multifacetada que combina mediação, fiscalização, educação e cooperação
contribui para a construção de um mercado mais justo, transparente e inclusivo.
A evolução do consumo digital, a complexidade dos contratos e a emergência de
novos valores exigem uma actualização permanente das suas competências e
estratégias. Mais do que um órgão administrativo, o Conselho é um agente de
cidadania económica, que transforma reclamações em soluções, conflitos em
consensos e consumidores em protagonistas da justiça social. O seu papel
continuará a ser decisivo na construção de uma cultura jurídica do consumo em
Macau; uma cultura que valorize a dignidade, a responsabilidade e a
transformação.
CAPÍTULO XI
Fiscalização e Sanções Administrativas
11.1. A
importância da fiscalização no sistema de consumo
A fiscalização
constitui um pilar essencial do regime jurídico de proteção do consumidor. Sem
mecanismos eficazes de controlo, as normas legais tornam-se meramente
declarativas, e os direitos dos consumidores ficam vulneráveis à violação
sistemática por parte de operadores desleais. Em Macau, a fiscalização é
exercida por diversas entidades administrativas, com competências específicas e
complementares.
A Lei n.º
12/2013 prevê sanções administrativas para infrações às suas disposições,
reforçando a função preventiva e repressiva do sistema.
11.2. Entidades
fiscalizadoras e competências
A fiscalização
das práticas comerciais e da conformidade legal dos bens e serviços é exercida
por:
·
Conselho de Consumidores: Actua como entidade promotora de
inspecções, recepção de denúncias e mediação de conflitos. Pode emitir
pareceres e recomendar sanções.
·
Direcção dos Serviços de Economia (DSE): Fiscaliza os
estabelecimentos comerciais, verifica o cumprimento das normas sobre preços,
rotulagem, garantias e publicidade. Tem poder sancionatório directo.
·
Direcção dos Serviços de Saúde (SS): Fiscaliza
produtos alimentares, farmacêuticos e cosméticos, garantindo a segurança e a
conformidade sanitária.
·
Inspecção de Atividades Económicas (IAE): Actua em
casos de fraude, contrafacção, práticas comerciais desleais e incumprimento de
normas técnicas.
·
Instituto para os Assuntos Municipais (IAM): Fiscaliza
mercados, restauração e comércio ambulante, com competências em higiene e
segurança alimentar.
Estas entidades
actuam de forma coordenada, podendo realizar operações conjuntas e partilhar
informações relevantes.
11.3.
Procedimento de fiscalização
O procedimento
de fiscalização pode ser desencadeado por:
·
Denúncia do consumidor ou de associação de consumidores;
·
Reclamação formal junto do Conselho de Consumidores;
·
Acção inspectiva programada ou aleatória;
·
Indícios de infração detetados por outras entidades
públicas.
As etapas incluem:
1.
Verificação preliminar: Análise da denúncia ou reclamação,
identificação do operador e recolha de elementos probatórios.
2.
Inspecção no local: Visita ao estabelecimento, recolha de
documentos, entrevista com responsáveis, exame de produtos ou serviços.
3.
Elaboração de relatório: Descrição dos factos, enquadramento
legal, proposta de medidas correctivas ou sancionatórias.
4.
Notificação do operador: Comunicação da infracção, concessão
de prazo para defesa ou regularização voluntária.
5.
Decisão administrativa: Aplicação de sanção, arquivamento ou
encaminhamento para instância judicial.
O procedimento
deve respeitar os princípios do contraditório, da proporcionalidade e da
legalidade.
11.4. Tipos de
sanções administrativas
A Lei n.º
12/2013 prevê diversas sanções administrativas, graduadas segundo a gravidade
da infracção:
·
Advertência: Aplicada em casos leves ou de primeira infracção, com
caráter pedagógico.
·
Multa: Penalidade pecuniária proporcional à infração, podendo
variar entre 1.000 e 50.000 patacas, conforme o tipo de violação e a
reincidência.
·
Suspensão de actividade: Interdição temporária do exercício
comercial, especialmente em casos de risco para a saúde ou segurança do
consumidor.
·
Encerramento do estabelecimento: Medida extrema, aplicada em casos de
infracção grave, reincidência ou desobediência às ordens administrativas.
·
Apreensão de bens: Retirada de produtos ilegais,
perigosos ou não conformes, com possível destruição ou devolução ao fornecedor.
Estas sanções
podem ser aplicadas cumulativamente, e são publicadas em boletim oficial ou
divulgadas publicamente, para fins de dissuasão.
11.5. Recursos
e garantias do operador
O operador
comercial sancionado tem direito a:
·
Apresentar defesa escrita: No prazo legal, com argumentos
jurídicos e documentação de suporte.
·
Requerer audiência oral: Para esclarecimento dos factos e
exposição da sua posição.
·
Interpor recurso hierárquico: Junto da entidade superior, em caso
de discordância com a decisão.
·
Recorrer aos tribunais administrativos: Para
impugnação judicial da sanção, com base em ilegalidade, excesso de poder ou
violação de direitos fundamentais.
Estas garantias
asseguram o equilíbrio entre a eficácia da fiscalização e o respeito pelos
direitos dos operadores.
CAPÍTULO XII
Mediação, Arbitragem e Acesso à Justiça
12.1. A
importância da resolução extrajudicial de litígios
O sistema de
protecção do consumidor em Macau valoriza fortemente os meios extrajudiciais de
resolução de litígios, reconhecendo que os processos judiciais, embora
essenciais, podem ser morosos, dispendiosos e emocionalmente desgastantes. A
mediação e a arbitragem oferecem alternativas céleres, acessíveis e eficazes,
promovendo a pacificação social e a confiança no mercado. A Lei n.º 12/2013
incentiva expressamente o recurso a tais mecanismos, articulando-os com o papel
do Conselho de Consumidores e com os princípios da boa-fé, da cooperação e da
proporcionalidade.
12.2. Mediação:
conceito, procedimento e vantagens
A mediação é um
processo voluntário, confidencial e informal, em que um terceiro imparcial, o
mediador facilita o diálogo entre consumidor e fornecedor, ajudando-os a
encontrar uma solução consensual para o litígio. Em Macau, a mediação em
matéria de consumo é promovida principalmente pelo Conselho de Consumidores,
podendo também ser realizada por centros privados ou universitários.
O procedimento inclui:
1.
Apresentação da reclamação pelo consumidor;
2.
Aceitação voluntária da mediação por ambas as partes;
3.
Sessão de mediação, presencial ou remota, conduzida por
mediador qualificado;
4.
Proposta de solução e eventual acordo escrito;
5.
Encaminhamento para outras vias, caso não haja acordo.
As vantagens da
mediação incluem:
·
Rapidez na resolução;
·
Redução de custos;
·
Preservação da relação comercial;
·
Participação activa das partes na construção da solução;
·
Evitação de exposição pública e desgaste emocional.
12.3.
Arbitragem: natureza, procedimento e efeitos
A arbitragem é
um mecanismo formal de resolução de litígios, em que as partes submetem o
conflito a um ou mais árbitros, cuja decisão tem força vinculativa e executiva.
Em Macau, a arbitragem é regulada pela Lei da Arbitragem (Lei n.º 19/2019),
aplicável também aos litígios de consumo, desde que haja convenção arbitral
válida.
O procedimento inclui:
·
Celebração de cláusula ou compromisso arbitral;
·
Constituição do tribunal arbitral;
·
Apresentação de alegações e provas;
·
Audiência, se necessário;
·
Prolação da sentença arbitral, com força executiva.
A arbitragem é
especialmente útil em litígios de valor elevado, complexidade técnica ou
natureza transfronteiriça. Pode ser promovida por instituições como o Centro de
Arbitragem da Associação Comercial de Macau ou por câmaras arbitrais
internacionais.
12.4. Acesso à
justiça: garantias e obstáculos
Apesar da
valorização dos meios extrajudiciais, o acesso à justiça judicial continua a
ser um direito fundamental do consumidor, consagrado na Lei Básica da RAEM e no
Código de Processo Civil.
O consumidor
pode recorrer aos tribunais para:
·
Acções cíveis de indemnização, resolução contratual ou
cumprimento forçado;
·
Providências cautelares para evitar danos iminentes;
·
Impugnação de cláusulas abusivas ou práticas comerciais
desleais;
·
Recurso de decisões administrativas sancionatórias.
Entre os
obstáculos ao acesso à justiça destacam-se:
·
Custos judiciais e honorários;
·
Complexidade processual;
·
Dificuldade de prova;
·
Desconhecimento dos direitos e procedimentos.
Para mitigar
esses obstáculos, recomenda-se:
·
Criação de tribunais especializados em consumo;
·
Simplificação dos procedimentos;
·
Apoio jurídico gratuito ou subsidiado;
·
Formação de magistrados e advogados em matéria de
consumo.
12.5. A
articulação entre os diferentes mecanismos
O sistema ideal
de resolução de litígios em matéria de consumo é híbrido, articulando:
·
Mediação como primeira via, informal e consensual;
·
Arbitragem como alternativa técnica e vinculativa;
·
Justiça judicial como garantia última de tutela efectiva.
Esta articulação exige:
·
Cooperação entre instituições públicas e privadas;
·
Formação adequada dos profissionais envolvidos;
·
Sensibilização dos consumidores para os seus direitos e
opções;
·
Monitorização da eficácia e da equidade dos mecanismos.
A resolução de
litígios não é apenas técnica: é expressão da cidadania económica e da
confiança institucional.
CAPÍTULO XIII
Convenções Internacionais Relevantes (ONU, OCDE, OMC)
13.1. A
internacionalização do Direito do Consumidor
O Direito do
Consumidor é, por natureza, um ramo jurídico permeável à influência
internacional. As práticas comerciais transfronteiriças, o comércio electrónico,
a circulação de bens e serviços e a globalização das cadeias de produção exigem
uma harmonização mínima de princípios e normas. Macau, enquanto Região
Administrativa Especial da China, não é parte autónoma em tratados
internacionais, mas o seu ordenamento jurídico reflecte os compromissos
assumidos pelo Estado chinês e as boas práticas internacionais. A Lei n.º
12/2013 e os diplomas complementares incorporam princípios e orientações
provenientes de convenções e directrizes internacionais, com destaque para os
instrumentos da ONU, da OCDE e da OMC.
13.2. Directrizes
das Nações Unidas para a Protecção do Consumidor (UNCTAD)
As Directrizes
da ONU para a Protecção do Consumidor, adoptadas pela Assembleia Geral em 1985
e revistas em 1999 e 2015, constituem o principal instrumento internacional não
vinculativo em matéria de consumo. Estas directrizes estabelecem princípios
universais para a protecção dos consumidores, incluindo:
·
Acesso a bens e serviços essenciais;
·
Protecção contra riscos à saúde e segurança;
·
Informação adequada e educação para o consumo;
·
Liberdade de escolha e concorrência leal;
·
Mecanismos eficazes de reparação e resolução de litígios;
·
Protecção dos grupos vulneráveis;
·
Sustentabilidade e consumo
responsável.
Macau tem
procurado alinhar a sua legislação com estas directrizes, especialmente nos
domínios da segurança dos produtos, da transparência contratual e da educação
para o consumo.
13.3.
Recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
(OCDE)
A OCDE tem
desenvolvido recomendações técnicas e políticas sobre protecção do consumidor,
com especial enfoque em:
·
Comércio electrónico e segurança digital;
·
Protecção de dados pessoais e privacidade;
·
Inteligência artificial e algoritmos de consumo;
·
Sustentabilidade e economia
circular.
Embora Macau
não seja membro da OCDE, as suas autoridades acompanham estas recomendações e
participam em fóruns regionais que promovem a harmonização de práticas. A Lei
da Protecção de Dados Pessoais (Lei n.º 8/2005) e os regulamentos sobre
comércio electrónico reflectem esta influência.
13.4.
Princípios da Organização Mundial do Comércio (OMC)
A OMC, enquanto
organização internacional vinculativa, estabelece regras sobre comércio
internacional que afectam indirectamente os consumidores, incluindo:
·
Transparência nas práticas
comerciais;
·
Proibição de barreiras técnicas injustificadas;
·
Protecção da concorrência e combate ao dumping;
·
Facilitação do comércio e acesso a bens de qualidade.
Macau, como
membro separado da OMC desde 1995, está vinculada aos acordos multilaterais,
incluindo o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT) e o Acordo sobre
Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS). Estes instrumentos influenciam a
regulação dos produtos importados, a rotulagem, os padrões de segurança e a
fiscalização sanitária.
13.5.
Cooperação regional e integração normativa
Para além das
convenções globais, Macau participa em iniciativas regionais que promovem a
cooperação em matéria de consumo, como:
·
Fórum de Cooperação da Grande Baía Guangdong-Hong
Kong-Macau;
·
Diálogo com autoridades de Hong Kong, Taiwan e Singapura;
·
Participação em redes de consumidores lusófonos, com base
na herança jurídica comum.
Estas
plataformas permitem o intercâmbio de boas práticas, a harmonização de normas
técnicas e a protecção dos consumidores em contextos transfronteiriços.
CAPÍTULO XIV
Direito do Consumidor na União Europeia e na China
14.1. A
relevância da comparação jurídica
A análise
comparada entre o Direito do Consumidor da União Europeia e da República
Popular da China permite compreender os modelos normativos que influenciam directamente
o sistema jurídico da RAEM. Macau, enquanto região com herança portuguesa e
soberania chinesa, encontra-se na intersecção entre dois paradigmas jurídicos
distintos, mas cada vez mais convergentes em matéria de protecção do
consumidor. Esta comparação revela diferenças estruturais, aproximações
recentes e oportunidades de harmonização, especialmente em domínios como
comércio electrónico, segurança de produtos, resolução de litígios e protecção
de dados.
14.2. O modelo
europeu: protecção integrada e harmonização normativa
O Direito do
Consumidor da União Europeia assenta num conjunto de directivas e regulamentos
que visam harmonizar os regimes dos Estados-Membros, garantindo um nível
elevado e uniforme de proteção.
Entre os
instrumentos mais relevantes destacam-se:
·
Directiva 2011/83/UE sobre os direitos dos consumidores: Regula
contratos à distância, direito de arrependimento, informação pré-contratual e
cláusulas abusivas.
·
Regulamento (UE) 2017/2394 sobre cooperação em matéria de
protecção do consumidor: Estabelece mecanismos de fiscalização e sanção
transfronteiriça.
·
Directiva 2005/29/CE sobre práticas comerciais desleais: Proíbe
publicidade enganosa, venda agressiva e omissão de informação relevante.
·
Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados (RGPD): Protege os
dados pessoais dos consumidores, com impacto directo no comércio digital.
·
Directiva 1999/44/CE sobre venda de bens de consumo: Estabelece
garantias legais, prazos de conformidade e direitos de reparação.
O modelo
europeu caracteriza-se por:
·
Elevado grau de protecção jurídica;
- Forte
componente pedagógica e institucional;
- Articulação
entre direito privado, público e digital;
- Participação
activa das associações de consumidores.
14.3. O modelo chinês: evolução normativa e reforço
institucional
A República
Popular da China tem vindo a reforçar significativamente o seu regime de protecção
do consumidor, especialmente após a revisão da Lei de Protecção dos Direitos
e Interesses dos Consumidores (2013), que introduziu:
- Regras sobre contratos electrónicos e comércio
digital;
- Responsabilidade objectiva por produtos defeituosos;
- Sanções administrativas e penais por práticas
desleais;
- Mecanismos de mediação e arbitragem;
- Protecção de dados pessoais e segurança cibernética.
Outros instrumentos relevantes
incluem:
- Lei da
Publicidade (2015): Regula
práticas publicitárias e proíbe engano e manipulação.
- Lei do
Comércio Electrónico (2019):
Estabelece obrigações para plataformas digitais, fornecedores e
prestadores de serviços online.
- Lei da
Protecção de Informações Pessoais (2021): Inspirada no RGPD europeu, reforça os direitos dos
titulares de dados e impõe deveres às empresas.
O modelo chinês
caracteriza-se por:
- Forte intervenção estatal e regulação
administrativa;
- Ênfase na segurança e na ordem pública;
- Evolução
rápida e adaptativa;
- Crescente abertura à cooperação internacional.
14.4. Macau como espaço de convergência normativa
O sistema
jurídico de Macau reflete elementos de ambos os modelos:
- Da União Europeia, herda a
estrutura normativa, os princípios de boa-fé, transparência e equilíbrio
contratual, bem como a valorização da educação para o consumo.
- Da China, incorpora a lógica de
regulação administrativa, a centralidade da segurança pública e a
adaptação às novas tecnologias e plataformas digitais.
Esta
convergência permite a Macau:
- Servir de ponte jurídica entre Oriente e Ocidente;
- Desenvolver soluções híbridas e inovadoras;
- Participar em fóruns regionais e internacionais com
legitimidade técnica e cultural;
- Promover uma proteção do consumidor contextualizada,
eficaz e evolutiva.
CAPÍTULO XV
Cooperação
Regional na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau
15.1. A Grande Baía como espaço
jurídico e económico integrado
A iniciativa da
Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau (GBA), promovida pelo Governo Central da
República Popular da China, visa integrar economicamente nove cidades da
província de Guangdong com as Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e
Macau. Este projecto estratégico tem como objectivo criar uma metrópole
regional de classe mundial, com elevada conectividade, inovação tecnológica e
integração institucional. Neste contexto, a protecção do consumidor assume um
papel central, uma vez que o aumento da mobilidade, do comércio
transfronteiriço e da digitalização exige mecanismos coordenados de regulação,
fiscalização e resolução de litígios.
15.2. Desafios da protecção do
consumidor em contexto transfronteiriço
A integração regional coloca desafios específicos à protecção
do consumidor, tais como:
- Diferenças legislativas: Cada jurisdição (Macau, Hong
Kong, Guangdong) possui um sistema jurídico distinto, com normas próprias
sobre contratos, garantias, publicidade e responsabilidade.
- Barreiras linguísticas e culturais: A
diversidade linguística (cantonês, mandarim, português, inglês) e as
diferentes práticas comerciais podem dificultar a compreensão dos direitos
e deveres.
- Contratos digitais e plataformas regionais: O
comércio electrónico entre residentes das três jurisdições levanta
questões sobre jurisdição, foro competente, protecção de dados e execução
de decisões.
- Reconhecimento mútuo de decisões e sanções: A
ausência de mecanismos automáticos de reconhecimento de decisões
administrativas e arbitrais limita a eficácia da tutela transfronteiriça.
Estes desafios exigem soluções jurídicas inovadoras e
cooperação institucional efectiva.
15.3. Iniciativas de cooperação
institucional
Nos últimos anos, têm sido desenvolvidas diversas
iniciativas para promover a cooperação regional em matéria de consumo:
- Memorandos de entendimento entre o Conselho de Consumidores
de Macau, o Conselho de Consumidores de Hong Kong e as autoridades de
Guangdong, visando o intercâmbio de informações, a harmonização de
práticas e a cooperação em casos transfronteiriços.
- Plataformas conjuntas de reclamação: Desenvolvimento
de portais electrónicos que permitem aos consumidores apresentar queixas
contra operadores de outras jurisdições da GBA, com encaminhamento para as
autoridades competentes.
- Campanhas educativas regionais: Acções
conjuntas de sensibilização sobre direitos do consumidor, segurança de
produtos e prevenção de fraudes, dirigidas a residentes e turistas.
- Fóruns e conferências regionais:
Encontros periódicos entre reguladores, académicos, associações de
consumidores e representantes do sector privado, para debater desafios
comuns e propor soluções coordenadas.
15.4. Perspectivas de harmonização
normativa
Embora a harmonização legislativa plena não seja viável a
curto prazo, existem áreas prioritárias para convergência normativa na GBA:
- Normas técnicas de segurança de produtos:
Estabelecimento de padrões mínimos comuns e reconhecimento mútuo de
certificações.
- Direitos básicos do consumidor: Adopção
de princípios comuns, como direito à informação, à escolha, à segurança e
à reparação.
- Contratos electrónicos e protecção de dados:
Definição de regras comuns para plataformas digitais, consentimento
informado e tratamento de dados pessoais.
- Resolução alternativa de litígios: Criação
de centros regionais de mediação e arbitragem, com competência para
resolver litígios transfronteiriços de consumo.
Estas medidas podem ser implementadas por via de acordos
administrativos, protocolos de cooperação ou legislação complementar.
15.5. O papel de Macau na construção de
uma cultura regional de consumo
Macau, pela sua posição geográfica, histórica e jurídica,
pode desempenhar um papel estratégico na construção de uma cultura regional de
consumo baseada em:
- Pluralismo jurídico: Capacidade de dialogar com
sistemas de common law (Hong Kong) e de direito continental (China),
promovendo soluções híbridas e adaptativas.
- Multilinguismo institucional:
Utilização do português, do chinês e do inglês como instrumentos de
inclusão e acessibilidade.
- Experiência em mediação e arbitragem:
Desenvolvimento de centros especializados com vocação regional e
reconhecimento mútuo.
- Educação para o consumo: Promoção de campanhas regionais
de literacia jurídica, digital e económica, com enfoque na juventude e nos
consumidores vulneráveis.
A cooperação regional não é apenas técnica mas também expressão
de uma cidadania económica partilhada e de uma visão comum de desenvolvimento
sustentável e inclusivo.
CAPÍTULO XVI
Comércio Electrónico
e Protecção Digital do Consumidor
16.1. A transformação digital do
consumo
O comércio electrónico revolucionou as relações de
consumo, permitindo ao consumidor aceder a bens e serviços de forma rápida,
personalizada e transfronteiriça. Em Macau, o crescimento das plataformas
digitais, das redes sociais comerciais e dos sistemas de pagamento electrónico
exige uma adaptação contínua do regime jurídico de protecção do consumidor. A
Lei n.º 12/2013 aplica-se integralmente às relações de consumo digitais, mas
exige complementação por normas específicas sobre contratos electrónicos, protecção
de dados, segurança cibernética e responsabilidade das plataformas.
16.2. Contratos electrónicos: formação,
validade e prova
Os contratos celebrados por via electrónica são
juridicamente válidos em Macau, desde que respeitem os requisitos gerais de
capacidade, consentimento, objecto lícito e forma.
A legislação relevante inclui:
- Regulamento
Administrativo n.º 5/2005 sobre
serviços da sociedade da informação;
- Lei n.º
8/2005 sobre protecção de dados
pessoais;
- Código Civil, aplicável subsidiariamente.
As especificidades dos contratos ecletrónicos incluem:
- Consentimento
digital: Manifestado por clique,
assinatura eletrónica ou outro meio tecnicamente seguro.
- Informação
pré-contratual: Deve ser
clara, acessível e completa, incluindo identidade do fornecedor,
características do produto, preço, garantias e direito de arrependimento.
- Direito de
arrependimento: O
consumidor pode desistir do contrato no prazo de sete dias úteis, salvo em
casos de produtos personalizados, perecíveis ou serviços já iniciados.
- Prova
contratual: Os
registos electrónicos, comunicações digitais e recibos são admissíveis
como prova, desde que autênticos e íntegros.
16.3. Protecção de dados pessoais e
privacidade
A protecção dos dados pessoais do consumidor é essencial
em ambiente digital.
A Lei n.º 8/2005 estabelece os princípios e obrigações
aplicáveis, incluindo:
- Consentimento informado: O consumidor deve autorizar
expressamente o tratamento dos seus dados, com conhecimento da finalidade,
duração e destinatários.
- Finalidade legítima: Os dados devem ser recolhidos e
utilizados apenas para fins lícitos e específicos, como execução do
contrato, facturação ou apoio ao cliente.
- Segurança dos dados: O fornecedor deve adoptar
medidas técnicas e organizativas para proteger os dados contra acesso não
autorizado, perda ou destruição.
- Direitos do titular: O consumidor pode aceder, rectificar,
apagar ou opor-se ao tratamento dos seus dados, mediante pedido
fundamentado.
A Autoridade de Protecção de Dados Pessoais (APDP)
fiscaliza o cumprimento da lei e pode aplicar sanções administrativas.
16.4. Responsabilidade das plataformas
digitais
As plataformas digitais que intermedeiam relações de
consumo como marketplaces, redes sociais comerciais ou aplicações móveis assumem
responsabilidades específicas, incluindo:
- Dever de diligência: Verificar a identidade dos
fornecedores, a conformidade dos produtos e a veracidade das informações.
- Dever de transparência: Informar claramente sobre os
termos de uso, políticas de privacidade, mecanismos de resolução de
litígios e responsabilidades.
- Responsabilidade subsidiária: Em
certos casos, podem ser responsabilizadas por danos causados ao
consumidor, especialmente quando actuam como vendedores ou prestadores
directos.
- Colaboração com autoridades: Devem cooperar com entidades
fiscalizadoras, fornecer informações relevantes e cumprir ordens administrativas.
A jurisprudência tem evoluído no sentido de reconhecer a
responsabilidade das plataformas em casos de fraude, publicidade enganosa ou
violação de direitos do consumidor.
16.5. Segurança cibernética e confiança digital
A segurança cibernética é condição para a confiança do
consumidor no comércio eletrónico.
Os
riscos incluem:
- Roubo de identidade;
- Fraude electrónica;
- Acesso não autorizado a dados;
- Manipulação de algoritmos de recomendação.
As
medidas recomendadas incluem:
- Certificação de segurança dos sites;
- Autenticação forte do
utilizador;
- Criptografia de comunicações;
- Monitorização de actividades
suspeitas;
- Educação digital do consumidor.
O Governo da RAEM tem promovido iniciativas para reforçar
a segurança digital, incluindo campanhas educativas, parcerias com o sector
privado e actualização legislativa.
CAPÍTULO XVII
Inteligência
Artificial, Algoritmos e Consumo Automatizado
17.1. A emergência do consumo
automatizado
A inteligência artificial (IA) e os sistemas algorítmicos
estão a transformar profundamente o mercado de consumo, desde a recomendação de
produtos até à celebração automatizada de contratos. Em Macau, como noutras
jurisdições, esta transformação exige uma reflexão jurídica sobre os direitos
do consumidor, a responsabilidade dos operadores e a transparência dos sistemas
digitais.
O consumo automatizado caracteriza-se por:
- Decisões de compra influenciadas por algoritmos de
recomendação;
- Interacções com assistentes virtuais e chatbots;
- Contratos celebrados sem intervenção humana directa;
- Personalização dinâmica de preços, ofertas e
condições.
Estes fenómenos colocam desafios inéditos à protecção do
consumidor, exigindo actualização normativa e inovação regulatória.
17.2. Algoritmos de recomendação e
transparência
Os algoritmos utilizados por plataformas digitais para
recomendar produtos, serviços ou conteúdos influenciam directamente as escolhas
dos consumidores.
A falta de transparência sobre os critérios utilizados
pode comprometer:
- A liberdade de escolha;
- A igualdade de acesso a ofertas;
- A protecção contra manipulação comercial.
Recomenda-se que os operadores:
- Informem claramente sobre a existência e o
funcionamento dos algoritmos;
- Permitam ao consumidor ajustar ou desactivar
recomendações personalizadas;
- Garantam que os critérios utilizados respeitam
princípios éticos e legais.
A legislação de
Macau ainda não regula especificamente os algoritmos de consumo, mas pode
fazê-lo por analogia com normas sobre publicidade enganosa, práticas desleais e
protecção de dados.
17.3. Contratos celebrados por sistemas
automatizados
A utilização de
sistemas automatizados para celebrar contratos como assistentes virtuais,
interfaces inteligentes ou plataformas de subscrição levanta questões sobre:
- A validade do consentimento;
- A responsabilidade por erros ou omissões;
- A interpretação das cláusulas
contratuais;
- A possibilidade de arrependimento
ou cancelamento.
O Código Civil
de Macau exige que o consentimento seja livre, esclarecido e consciente.
Quando o
consumidor interage com um sistema automatizado, é essencial que:
- As informações sejam claras e
acessíveis;
- O consumidor tenha oportunidade de
rever e confirmar os termos;
- Haja mecanismos de correcção e
cancelamento fáceis de utilizar.
A
responsabilidade por falhas do sistema recai sobre o operador, que deve garantir
a fiabilidade técnica e jurídica da plataforma.
17.4. Personalização de preços e
discriminação algorítmica
A personalização de preços com base em dados
comportamentais, localização, histórico de compras ou perfil digital pode
beneficiar o consumidor, mas também gerar discriminação injustificada.
Os
riscos incluem:
- Preços mais elevados para consumidores vulneráveis;
- Exclusão de ofertas
promocionais;
- Manipulação da percepção de valor.
A Lei n.º 12/2013 proíbe práticas comerciais desleais e
discriminatórias, podendo ser aplicada a casos de personalização abusiva.
Recomenda-se
que:
- Os critérios de personalização sejam divulgados;
- O consumidor possa optar por preços não
personalizados;
- Haja auditoria regular dos sistemas algorítmicos.
A transparência e a equidade devem ser princípios
orientadores da personalização comercial.
17.5. Responsabilidade civil e ética da
IA
A utilização de IA em relações de consumo levanta
questões sobre responsabilidade civil e ética, especialmente em casos de:
- Decisões automatizadas que causam prejuízo;
- Erros de recomendação ou execução contratual;
- Violação de privacidade ou segurança digital.
A
responsabilidade pode ser:
- Objectiva, quando decorre do risco criado pelo sistema;
- Subjectiva, quando há negligência na concepção, implementação
ou supervisão.
Recomenda-se que os operadores:
- Adoptem princípios de ética algorítmica;
- Realizem testes de impacto sobre os direitos dos
consumidores;
- Estabeleçam canais de reclamação e reparação
específicos para sistemas automatizados.
A confiança na IA depende da sua conformidade com os
valores jurídicos e sociais.
CAPÍTULO XVIII
Sustentabilidade,
Consumo Ético e Responsabilidade Empresarial
18.1. A evolução do conceito de consumo
Tradicionalmente, o Direito do Consumidor centrou-se na
protecção contra práticas comerciais desleais, na segurança dos produtos e na
reparação de danos. Contudo, nas últimas décadas, o conceito de consumo tem-se
expandido para incluir dimensões éticas, ambientais e sociais. O consumidor
moderno não é apenas destinatário de bens e serviços mas também agente de
transformação, cujas escolhas influenciam cadeias de produção, políticas
empresariais e padrões de desenvolvimento. Em Macau, esta evolução é visível na
crescente valorização da sustentabilidade, da transparência empresarial e da
responsabilidade social corporativa, ainda que o enquadramento jurídico esteja
em fase de consolidação.
18.2. Consumo sustentável: princípios e
práticas
O consumo sustentável implica a utilização consciente de
recursos, com vista à satisfação das necessidades presentes sem comprometer as
gerações futuras.
Os
seus princípios incluem:
- Eficiência energética e
ambiental;
- Redução de resíduos e poluição;
- Escolha de produtos duráveis, recicláveis e de baixo
impacto;
- Preferência por fornecedores responsáveis e
certificados.
Em Macau, diversas iniciativas públicas e privadas
promovem o consumo sustentável, como:
- Campanhas de sensibilização sobre redução de
plástico;
- Incentivos à compra de veículos eléctricos;
- Certificação ambiental de produtos e
estabelecimentos;
- Programas de economia circular e reutilização.
Embora ainda
não exista uma lei específica sobre consumo sustentável, a Lei n.º 12/2013 pode
ser interpretada à luz destes princípios, especialmente nos domínios da
segurança, da informação e da educação para o consumo.
18.3. Consumo ético e comércio justo
O consumo ético refere-se à escolha de produtos e
serviços com base em critérios morais, como:
- Condições laborais justas;
- Respeito pelos direitos
humanos;
- Ausência de exploração infantil ou trabalho forçado;
- Produção local e comunitária;
- Transparência na cadeia de valor.
O comércio justo (fair trade) é uma das expressões mais
consolidadas do consumo ético, promovendo relações comerciais equitativas entre
produtores, intermediários e consumidores.
Em Macau, o consumo ético é promovido por:
- Associações de consumidores e ONGs;
- Estabelecimentos que vendem produtos certificados;
- Eventos e feiras de comércio justo;
- Projetos educativos em escolas e universidades.
A legislação pode evoluir para reconhecer e incentivar
práticas éticas, através de benefícios fiscais, certificações voluntárias ou
cláusulas contratuais específicas.
18.4. Responsabilidade social e
ambiental das empresas
A responsabilidade empresarial não se limita ao
cumprimento da lei pois inclui o compromisso voluntário com práticas que
respeitem os direitos dos consumidores, dos trabalhadores e do ambiente.
Os seus pilares são:
- Governança ética: Transparência, integridade e
prestação de contas.
- Responsabilidade ambiental: Minimização do impacto
ecológico, gestão sustentável de recursos, inovação verde.
- Responsabilidade social: Inclusão, diversidade, apoio à
comunidade, respeito pelos direitos laborais.
- Responsabilidade para com o consumidor:
Informação clara, produtos seguros, canais de reclamação eficazes, respeito
pela privacidade.
Em Macau, diversas empresas adoptam políticas de
responsabilidade social corporativa (RSC), publicam relatórios de
sustentabilidade e participam em iniciativas comunitárias. O Governo incentiva
estas práticas através de prémios, parcerias e divulgação pública.
18.5. O papel do consumidor como agente
de mudança
O consumidor não é apenas protegido pela lei mas é também
protagonista da transformação do mercado.
As suas escolhas podem:
- Recompensar empresas
responsáveis;
- Penalizar práticas abusivas ou insustentáveis;
- Influenciar políticas públicas e empresariais;
- Promover valores de justiça, solidariedade e
respeito ambiental.
A educação para o consumo ético e sustentável é, por
isso, essencial.
Deve
incluir:
- Formação em literacia económica e ambiental;
- Divulgação de boas práticas e casos exemplares;
- Criação de espaços de diálogo entre consumidores,
empresas e autoridades.
A cidadania económica começa na consciência individual e
floresce na acção colectiva.
CAPÍTULO XIX
Educação para o
Consumo e Literacia Jurídica
19.1. O consumidor como sujeito activo
de direitos
A protecção jurídica do consumidor não se esgota na
existência de normas legais ou na actuação das autoridades competentes. Para
que os direitos sejam efectivamente exercidos, é necessário que o consumidor os
conheça, os compreenda e os reivindique de forma consciente e informada. A
educação para o consumo e a literacia jurídica são, por isso, pilares
fundamentais de um sistema de consumo justo, transparente e participativo. A
Lei n.º 12/2013 reconhece expressamente, no seu artigo 7.º, o direito do
consumidor à educação para o consumo, atribuindo ao Estado, às entidades
públicas e aos operadores económicos o dever de promover acções formativas e
informativas.
19.2. Conceito e objectivos da educação
para o consumo
A educação para o consumo pode ser definida como o
processo contínuo de aquisição de conhecimentos, competências e atitudes que
permitam ao indivíduo:
- Compreender os seus direitos e deveres enquanto
consumidor;
- Tomar decisões de compra informadas, responsáveis e
sustentáveis;
- Avaliar criticamente as mensagens publicitárias e as
práticas comerciais;
- Participar activamente na construção de um mercado
mais justo e ético.
Os
seus objectivos incluem:
- Promover a autonomia e a cidadania económica;
- Prevenir situações de abuso, fraude ou
endividamento;
- Estimular o consumo consciente e sustentável;
- Reforçar a confiança nas instituições e nos
mecanismos de tutela.
19.3. Literacia jurídica do consumidor
A literacia jurídica é a capacidade de compreender e
utilizar a informação jurídica no quotidiano, incluindo:
- Conhecimento dos direitos fundamentais do
consumidor;
- Interpretação de contratos, facturas, garantias e
regulamentos;
- Capacidade de apresentar reclamações, exercer o
direito de arrependimento ou recorrer à justiça;
- Compreensão dos procedimentos administrativos e
judiciais.
Em Macau, a literacia jurídica dos consumidores é ainda
limitada, especialmente entre os grupos mais vulneráveis, como idosos, jovens,
migrantes e pessoas com baixos níveis de escolaridade.
A superação deste défice exige uma abordagem integrada,
que combine:
- Formação formal e informal;
- Linguagem acessível e materiais multilingues;
- Apoio institucional e
comunitário.
19.4. Iniciativas públicas e privadas
em Macau
Diversas entidades têm promovido acções de educação para
o consumo e literacia jurídica na RAEM, com destaque para:
- Conselho de Consumidores: Publicações informativas, vídeos
educativos, campanhas em escolas e universidades, atendimento
personalizado.
- Direcção dos Serviços de Educação e Desenvolvimento
da Juventude: Integração de conteúdos sobre consumo responsável
nos currículos escolares.
- Associações de consumidores: Sessões de esclarecimento, apoio
jurídico, produção de guias práticos.
- Universidades e centros de investigação: Estudos
sobre comportamento do consumidor, projectos de extensão comunitária,
clínicas jurídicas.
- Empresas socialmente responsáveis:
Divulgação de boas práticas, formação de colaboradores, transparência
contratual.
Estas iniciativas contribuem para a construção de uma
cultura de consumo informada, crítica e participativa.
19.5. Desafios e perspectivas futuras
Apesar dos avanços, persistem desafios significativos:
- Fragmentação das iniciativas e falta de coordenação
estratégica;
- Barreiras linguísticas e tecnológicas;
- Resistência cultural à reclamação e à exigência de
direitos;
- Ausência de indicadores sistemáticos de literacia do
consumidor.
Para enfrentar estes desafios, recomenda-se:
- Criação de um Plano Estratégico de Educação para o
Consumo;
- Estabelecimento de parcerias entre governo, escolas,
universidades, empresas e sociedade civil;
- Utilização de tecnologias digitais para formação
interativa e acessível;
- Avaliação contínua do impacto das acções educativas.
A educação para o consumo não é um luxo mas uma necessidade
democrática e um investimento no futuro.
CAPÍTULO XX
Perspectivas
Futuras do Direito do Consumidor em Macau
20.1. A maturação do sistema jurídico
de consumo
Desde a entrada em vigor da Lei n.º 12/2013, o Direito do
Consumidor em Macau tem vindo a consolidar-se como ramo jurídico autónomo, com
princípios próprios, instituições dedicadas e crescente reconhecimento social.
No entanto, a evolução do mercado, da tecnologia e das exigências sociais impõe
uma actualização contínua do regime, tanto ao nível legislativo como
institucional.
A maturação do sistema exige:
- Revisão periódica da
legislação;
- Formação especializada de juristas, magistrados e
agentes económicos;
- Integração de novas dimensões, como consumo digital,
ético e sustentável;
- Fortalecimento da cooperação regional e
internacional.
20.2. Revisão e actualização
legislativa
A Lei n.º
12/2013, embora sólida, carece de revisão em certos aspectos, como:
- Contratos electrónicos e
plataformas digitais;
- Protecção contra algoritmos discriminatórios;
- Responsabilidade das plataformas e
intermediários;
- Sanções proporcionais e eficazes
para infracções emergentes;
- Reconhecimento formal de cláusulas
abusivas em novos formatos contratuais.
Recomenda-se a
criação de uma comissão técnica multidisciplinar para propor alterações
legislativas, com participação de académicos, juristas, associações de
consumidores e representantes do sector privado.
20.3. Fortalecimento institucional e
formação especializada
O fortalecimento das instituições responsáveis pela protecção
do consumidor é essencial para garantir eficácia e confiança.
As medidas incluem:
- Reforço dos meios humanos e técnicos do Conselho de
Consumidores;
- Criação de unidades especializadas nos tribunais e
na administração pública;
- Formação contínua de magistrados, advogados e inspectores;
- Estímulo à investigação académica e à produção
doutrinária.
A profissionalização do sector é condição para uma tutela
jurídica moderna e eficaz.
20.4. Integração de valores éticos e
ambientais
O futuro do Direito do Consumidor passa pela integração
de valores que transcendem a lógica contratual clássica, como:
- Sustentabilidade ambiental;
- Justiça social;
- Inclusão digital;
- Transparência algorítmica.
Estes valores devem ser incorporados na legislação, nas
práticas empresariais e na educação para o consumo, promovendo uma cidadania
económica consciente e transformadora.
20.5. Cooperação regional e
internacional
Macau deve
continuar a reforçar a sua participação em redes regionais e internacionais,
como:
- Fórum da Grande Baía Guangdong-Hong
Kong-Macau;
- Consumers International;
- Plataformas lusófonas de protecção
do consumidor.
A cooperação permite:
- Harmonização de normas e práticas;
- Troca de experiências e boas
práticas;
- Protecção eficaz em contextos
transfronteiriços;
- Reforço da legitimidade institucional.
Macau pode
posicionar-se como laboratório jurídico e cultural para soluções inovadoras em
matéria de consumo.
20.6. Conclusão: um sistema em
construção
O Direito do Consumidor de Macau é um sistema em construção,
que combina tradição jurídica, inovação normativa e compromisso social.
A sua evolução dependerá da capacidade de:
- Adaptar-se às mudanças tecnológicas e económicas;
- Integrar valores éticos e ambientais;
- Promover a literacia jurídica e a participação cidadã;
- Reforçar a cooperação institucional e internacional.
Este livro procurou oferecer uma visão abrangente,
crítica e propositiva do regime jurídico vigente, apontando caminhos para o seu
aperfeiçoamento. A protecção do consumidor é, em última instância, a protecção
da dignidade humana no mercado e essa missão exige rigor, criatividade e
compromisso colectivo.
Epílogo: Para uma Cultura Jurídica do
Consumo em Macau
O percurso desenvolvido ao longo dos vinte capítulos
desta obra revela um sistema jurídico em expansão, marcado por tensões entre
tradição e inovação, entre protecção e liberdade contratual, entre regulação
estatal e autorregulação empresarial. O Direito do Consumidor de Macau, embora
jovem, possui fundamentos sólidos, instituições dedicadas e uma vocação
estratégica para se afirmar como referência regional e internacional. A
consolidação deste ramo jurídico exige mais do que normas e sanções pois requer
uma cultura jurídica do consumo, enraizada na cidadania, na ética e na
responsabilidade colectiva.
Essa cultura deve ser construída por todos os actores do
sistema:
- Pelos legisladores, que devem actualizar e
aperfeiçoar o quadro normativo com visão estratégica e sensibilidade
social;
- Pelos magistrados e juristas, que devem interpretar
e aplicar a lei com rigor técnico e consciência dos valores em jogo;
- Pelas empresas, que devem assumir a responsabilidade
de respeitar e promover os direitos dos consumidores como parte da sua
missão institucional;
- Pelas escolas e universidades, que devem formar
cidadãos críticos, informados e participativos;
- Pelas associações e entidades públicas, que devem
garantir acesso à informação, à mediação e à justiça;
- Pelos próprios consumidores, que devem exercer os
seus direitos com consciência, exigência e solidariedade.
Macau tem todas as condições para liderar uma nova
geração de políticas públicas de consumo, integrando os desafios da
digitalização, da sustentabilidade, da cooperação regional e da justiça social.
Para isso, é necessário transformar o Direito do Consumidor num instrumento de
transformação não apenas de mercado, mas de mentalidades, instituições e
relações humanas. Este livro é um convite à reflexão, à acção e ao compromisso.
Que ele possa servir de base para reformas legislativas, projectos educativos,
decisões judiciais e práticas empresariais mais justas e conscientes. Que o
consumidor de Macau seja, cada vez mais, sujeito de direitos, protagonista de
escolhas e agente de mudança
Bibliografia
Fontes Académicas
- Câmara, M. (2019). Direito do Consumo. Almedina.
- Howells, G., Micklitz, H.-W.,
& Wilhelmsson, T. (2017). European Consumer Law. Routledge.
- Zhang, L. (2021). Consumer
Protection Law in China. Springer.
- Trindade, F. (2015). Direito dos Contratos de
Consumo. Coimbra Editora.
- Menezes Leitão, L. (2020). Direito das Obrigações.
Principia.
- OECD (2022). Consumer Policy
Toolkit.
- UNCTAD (2016). Guidelines
for Consumer Protection.
- Consumers International (2023).
Global Consumer Trends Report.
- Comissão Europeia (2021). Consumer Law Compendium.
- Autoridade de Protecção de Dados Pessoais de Macau -
Pareceres e relatórios técnicos.

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