segunda-feira, novembro 10, 2025

Direito Internacional da Moda

 



Estudo Jurídico sobre a Regulação Global da Indústria da Moda

Introdução Geral

A moda é uma linguagem universal que atravessa fronteiras culturais, económicas e jurídicas. A sua indústria, avaliada em milhares de milhões de dólares, envolve uma complexa cadeia de valor que vai desde a criação artística até à comercialização global. O Direito Internacional da Moda ou Fashion Law internacional surge como disciplina jurídica emergente, que articula normas de propriedade intelectual, contratos, comércio internacional, direito laboral, ambiental e dos consumidores, aplicadas à realidade transnacional da moda. Este livro propõe uma abordagem sistemática e crítica à regulação jurídica da moda à escala internacional, com especial atenção às convenções multilaterais, jurisprudência comparada, práticas comerciais e desafios éticos contemporâneos.

Capítulo 1 - Fundamentos Jurídicos do Direito da Moda

  • Definição e origem do Fashion Law como ramo jurídico autónomo.
  • Interdisciplinaridade: articulação entre direito comercial, propriedade intelectual, consumo, trabalho e ambiente.
  • Actores jurídicos relevantes: designers, marcas, retalhistas, plataformas digitais, consumidores.
  • Papel das organizações internacionais: OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), OMC (Organização Mundial do Comércio), ONU, OCDE.

Capítulo 2 - Propriedade Intelectual e Criações de Moda

  • Direitos de autor aplicáveis a design, estampagem, fotografia e campanhas publicitárias.
  • Marcas registadas: protecção de logótipos, nomes comerciais, padrões distintivos.
  • Modelos industriais e patentes: registo de cortes, estruturas e funcionalidades inovadoras.
  • Protecção contra contrafacção e pirataria: mecanismos legais e aduaneiros.
  • Casos emblemáticos: Louboutin (sola vermelha), Burberry (xadrez), Gucci vs. Forever 21.

Capítulo 3 - Contratos Internacionais na Indústria da Moda

  • Contratos de licenciamento, franchising, distribuição e representação.
  • Acordos de colaboração entre marcas e criadores (co-branding).
  • Cláusulas de exclusividade, confidencialidade e não concorrência.
  • Direito aplicável e cláusulas de jurisdição em contratos transfronteiriços.
  • Normas da Convenção de Haia sobre contratos internacionais.

Capítulo 4 - Direito Laboral e Cadeia Global de Produção

  • Condições laborais em países produtores: Bangladesh, Vietname, Etiópia.
  • Responsabilidade das marcas por subcontratação e outsourcing.
  • Normas da OIT (Organização Internacional do Trabalho): convenções n.º 87, 98, 138, 182.
  • Casos de violação de direitos humanos: Rana Plaza (Bangladesh), denúncias na China e Índia.
  • Dever de diligência corporativa e responsabilidade social empresarial.

Capítulo 5 - Sustentabilidade, Direitos Humanos e Moda Ética

  • Regulação ambiental na produção têxtil: uso de químicos, consumo de água, emissões.
  • Certificações internacionais: GOTS (Global Organic Textile Standard), OEKO-TEX, Fair Trade.
  • ESG (Environmental, Social and Governance) e relatórios de sustentabilidade.
  • Legislação europeia sobre moda sustentável: Estratégia da UE para Têxteis Sustentáveis e Circulares.
  • Propostas de tratado internacional sobre moda ética.

Capítulo 6 - Comércio Internacional, Alfândega e Regulação Aduaneira

  • Classificação pautal de produtos de moda: códigos HS e nomenclatura combinada.
  • Acordos comerciais bilaterais e multilaterais: EU-China, Estados Unidos-México, Mercosul.
  • Barreiras não tarifárias: requisitos técnicos, certificações, rotulagem.
  • Regras de origem e certificação de conformidade.
  • Regulação da OMC e tratados regionais (RCEP, CPTPP).

Capítulo 7 - Publicidade, Influência Digital e Direito do Consumidor

  • Regulação da publicidade de moda: práticas enganosas, transparência, responsabilidade editorial.
  • Influenciadores digitais e contratos de colaboração: cláusulas de imagem, exclusividade, remuneração.
  • Protecção do consumidor em e-commerce: direito de arrependimento, garantias, devoluções.
  • Legislação europeia: Directiva 2005/29/CE sobre práticas comerciais desleais.
  • Casos de litígio por publicidade enganosa e uso indevido de imagem.

Capítulo 8 - Resolução de Litígios e Jurisdição Transnacional

  • Arbitragem internacional: ICC (International Chamber of Commerce), WIPO Arbitration Center.
  • Litígios de propriedade intelectual: contrafacção, violação de marca, concorrência desleal.
  • Jurisdição em contratos digitais e plataformas globais.
  • Mecanismos de mediação e conciliação: cláusulas contratuais e centros especializados.
  • Reconhecimento mútuo de decisões arbitrais (Convenção de Nova Iorque de 1958).

Capítulo 9 - Convenções Internacionais Aplicáveis

  • Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial (1883).
  • Convenção de Berna sobre Direitos de Autor (1886).
  • Acordo TRIPS (1994) - OMC.
  • Sistema de Madrid para o Registo Internacional de Marcas.
  • Convenção da Haia sobre Contratos Internacionais.
  • Pactos Internacionais da ONU sobre Direitos Civis e Económicos.
  • Convenções da OIT sobre trabalho digno e protecção infantil.
  • Convenção de Nova Iorque sobre Arbitragem Internacional (1958).

Capítulo 10 - Perspectivas Futuras e Regulação Global da Moda

  • Inteligência artificial e design generativo: desafios de autoria e protecção jurídica.
  • Blockchain e rastreabilidade na cadeia de produção: transparência e certificação.
  • Regulação europeia sobre moda sustentável: Green Deal e directivas ambientais.
  • Propostas de tratado internacional sobre moda ética e responsabilidade corporativa.
  • Papel das universidades, ONGs e consumidores na transformação jurídica da indústria.

Bibliografia

  • Scafidi, S. (2015). Who Owns Culture? Fashion Law and Intellectual Property. Rutgers University Press.
  • Munhoz Soares, R. (2019). Fashion Law: Direito da Moda. Almedina.
  • Almeida, M. G. S. (2021). A Indústria Internacional da Moda e os Direitos Humanos. Universidade de Coimbra.
  • Pita Leal, A. (2019). Fashion Law: A Relevância da Proteção Jurídica das Criações da Moda. USP.
  • UNCTAD (2022). Global Value Chains and Fashion Industry.
  • OCDE (2021). Due Diligence Guidance for Responsible Supply Chains in the Garment Sector.
  • WIPO (2020). Intellectual Property and the Fashion Industry.
  • Comissão Europeia (2023). Sustainable Textiles Strategy.
  • Consumers International (2023). Global Consumer Trends Report.

Legislação e Convenções Internacionais

  • Convenção de Paris (1883)
  • Convenção de Berna (1886)
  • Acordo TRIPS (1994)
  • Sistema de Madrid (1891)
  • Convenção da Haia sobre Contratos Internacionais
  • Convenção de Nova Iorque sobre Arbitragem (1958)
  • Pactos da ONU sobre Direitos Civis e Económicos
  • Convenções da OIT: n.º 87, 98, 138, 182
  • Diretiva 2005/29/CE - Práticas Comerciais Desleais
  • Regulamento (UE) 2017/1001 - Marcas da União Europeia
  • Diretiva (UE) 2019/790 - Direitos de Autor no Mercado Digital
  • Estratégia Europeia para Têxteis Sustentáveis (2022)

Introdução

A moda é uma linguagem universal que transcende fronteiras culturais, económicas e jurídicas. Mais do que uma expressão estética, constitui uma indústria global que movimenta milhares de milhões de dólares, emprega milhões de pessoas e influencia profundamente os padrões de consumo, produção e comunicação. A sua cadeia de valor é complexa, interligando criadores, marcas, produtores, distribuidores, plataformas digitais e consumidores, num ecossistema transnacional marcado por desafios jurídicos multifacetados. O Direito Internacional da Moda também conhecido como Fashion Law emerge como ramo jurídico interdisciplinar que articula normas de propriedade intelectual, direito comercial, laboral, ambiental e dos consumidores, aplicadas à realidade global da indústria da moda. A sua consolidação como disciplina autónoma resulta da necessidade de proteger criações originais, regular práticas comerciais transfronteiriças, garantir condições laborais dignas e promover uma moda ética e sustentável. Este livro propõe uma análise sistemática e crítica da regulação jurídica da moda à escala internacional, com especial atenção às convenções multilaterais, jurisprudência comparada, práticas comerciais e desafios éticos contemporâneos. A abordagem adoptada privilegia o rigor jurídico, a utilidade prática e a dimensão propositiva, com vista à construção de um quadro normativo que responda às exigências de uma indústria em constante transformação.


CAPÍTULO I

Fundamentos Jurídicos do Direito da Moda

1.1. Emergência de um ramo jurídico autónomo

O Direito da Moda começou por se afirmar nos Estados Unidos, com os trabalhos pioneiros de Susan Scafidi e a criação de cursos universitários dedicados ao tema. Em contexto europeu e internacional, a disciplina tem vindo a consolidar-se como resposta às especificidades jurídicas da indústria da moda, que não se enquadram plenamente nos ramos tradicionais do direito. A moda envolve criações artísticas, contratos comerciais, relações laborais, práticas publicitárias e impactos ambientais, exigindo uma abordagem jurídica transversal e integrada. O Direito da Moda não é apenas uma soma de normas aplicáveis à indústria têxtil mas também uma construção teórica e prática que reconhece a singularidade da moda como fenómeno jurídico.

1.2. Interdisciplinaridade e articulação normativa

O Direito Internacional da Moda articula-se com diversos ramos jurídicos:

  • Direito da Propriedade Intelectual: protecção de marcas, modelos industriais, direitos de autor e patentes.
  • Direito Comercial e Contratual: contratos de licenciamento, franchising, distribuição e colaboração.
  • Direito Laboral: condições de trabalho na cadeia produtiva global, responsabilidade das marcas por subcontratação.
  • Direito Ambiental: regulação da sustentabilidade na produção têxtil, certificações ecológicas.
  • Direito do Consumidor: práticas comerciais, publicidade, e-commerce, protecção contratual.
  • Direito Internacional Público e Privado: convenções multilaterais, jurisdição, arbitragem, reconhecimento de decisões.

Esta interdisciplinaridade exige que o jurista da moda domine não apenas os instrumentos legais, mas também os contextos económicos, culturais e tecnológicos que moldam a indústria.

1.3. Actores jurídicos da indústria da moda

A cadeia de valor da moda envolve múltiplos sujeitos jurídicos:

  • Criadores e designers: titulares de direitos de autor e modelos industriais.
  • Marcas e casas de moda: titulares de marcas registadas, responsáveis pela produção e comercialização.
  • Produtores e subcontratados: empresas envolvidas na confecção, muitas vezes em países em desenvolvimento.
  • Distribuidores e retalhistas: operadores comerciais que colocam os produtos no mercado.
  • Plataformas digitais: intermediários tecnológicos que facilitam o comércio electrónico.
  • Consumidores: destinatários finais dos produtos, titulares de direitos contratuais e de protecção.
  • Organizações internacionais: entidades reguladoras e promotoras de boas práticas (OMPI, OMC, ONU, OCDE).

A interacção entre estes actores gera relações jurídicas complexas, que exigem regulação clara, eficaz e adaptada à realidade transnacional.

1.4. Papel das organizações internacionais

Diversas organizações internacionais desempenham um papel central na regulação da moda:

  • OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual): responsável pela administração de tratados como a Convenção de Paris e o Sistema de Madrid.
  • OMC (Organização Mundial do Comércio): regula o comércio internacional de produtos de moda, através do Acordo TRIPS e de regras aduaneiras.
  • ONU (Organização das Nações Unidas): promove os direitos humanos, o trabalho digno e a sustentabilidade na indústria.
  • OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico): emite orientações sobre diligência corporativa e cadeias de abastecimento responsáveis.
  • OIT (Organização Internacional do Trabalho): estabelece normas laborais aplicáveis à produção têxtil.

Estas organizações contribuem para a harmonização normativa, a protecção dos direitos fundamentais e a promoção de uma moda ética e sustentável.

CAPÍTULO II

Propriedade Intelectual e Criações de Moda

2.1. Introdução à protecção jurídica da criatividade na moda

A indústria da moda é, por natureza, criativa. Cada colecção, peça, padrão ou acessório resulta de um processo de concepção artística que, em muitos casos, merece protecção jurídica. A propriedade intelectual constitui o principal instrumento legal para salvaguardar os direitos dos criadores, das marcas e das casas de moda, permitindo-lhes controlar o uso, reprodução e comercialização das suas criações. No plano internacional, a protecção da propriedade intelectual na moda é assegurada por um conjunto de tratados multilaterais, convenções regionais e legislações nacionais, que visam garantir a exclusividade, combater a contrafacção e promover a inovação.

2.2. Direitos de autor na moda

Os direitos de autor protegem obras originais do espírito, incluindo desenhos, estampagens, fotografias, campanhas publicitárias e conteúdos digitais associados à moda.

Embora a protecção de peças de vestuário seja limitada  dado o seu caráter funcional certos elementos podem ser tutelados:

  • Estampagens artísticas;
  • Ilustrações de moda;
  • Fotografias editoriais;
  • Campanhas visuais;
  • Desenhos de acessórios com valor artístico.

A Convenção de Berna (1886), ratificada por mais de 170 países, estabelece o princípio da protecção automática, sem necessidade de registo formal. No entanto, em muitos ordenamentos jurídicos, o registo voluntário pode facilitar a prova de autoria e a defesa judicial.

2.3. Marcas registadas e identidade comercial

As marcas são sinais distintivos que identificam produtos ou serviços no mercado. Na moda, as marcas desempenham um papel central na construção da identidade comercial, fidelização do consumidor e valorização económica.

São exemplos de marcas protegidas:

  • Logótipos (ex: Chanel, Nike);
  • Nomes comerciais (ex: Prada, Zara);
  • Padrões distintivos (ex: xadrez da Burberry);
  • Cores específicas (ex: sola vermelha da Louboutin).

A proteção internacional das marcas é assegurada pelo Sistema de Madrid, administrado pela OMPI, que permite o registo em múltiplos países através de um único pedido. O Regulamento (UE) 2017/1001 estabelece o regime das marcas da União Europeia, com protecção uniforme em todos os Estados-membros.

2.4. Modelos industriais e design de moda

Os modelos industriais protegem a aparência externa de um produto, desde que seja nova e tenha caráter singular.

Na moda, esta protecção aplica-se a:

  • Cortes e silhuetas inovadoras;
  • Estrutura de peças de vestuário;
  • Design de acessórios (óculos, malas, calçado);
  • Embalagens e etiquetas distintivas.

A protecção é conferida por registo junto das autoridades competentes (ex: EUIPO na União Europeia), com duração variável (geralmente até 25 anos). O design não pode ser meramente funcional e deve possuir valor estético autónomo.

2.5. Patentes e inovação técnica

Embora menos frequente, a moda também pode envolver inovação técnica suscetível de protecção por patente:

  • Tecidos inteligentes (ex: autorreguladores de temperatura);
  • Processos de produção sustentáveis;
  • Mecanismos funcionais em acessórios.

A patente exige novidade, actividade inventiva e aplicação industrial. O Acordo TRIPS, da OMC, estabelece normas mínimas de protecção e procedimentos de registo.

2.6. Contrafacção e pirataria na moda

A contrafacção é uma das principais ameaças à propriedade intelectual na moda. Envolve a reprodução não autorizada de marcas, modelos ou designs, com prejuízo para os titulares de direitos e risco para os consumidores.

Medidas de combate incluem:

  • Acções judiciais por violação de direitos;
  • Fiscalização aduaneira e apreensão de produtos falsificados;
  • Campanhas de sensibilização;
  • Cooperação internacional entre autoridades.

Casos emblemáticos incluem:

  • Louboutin vs. Van Haren (Tribunal de Justiça da UE, 2018);
  • Gucci vs. Forever 21 (EStados Unidos, 2017);
  • Louis Vuitton vs. Alibaba (China, 2015).

2.7. Jurisprudência internacional relevante

A jurisprudência tem desempenhado um papel decisivo na definição dos limites da protecção jurídica na moda.

Destacam-se:

  • TJUE, C-163/16 - Louboutin: reconhecimento da cor como elemento distintivo de marca.
  • TJUE, C-421/13 - Apple: protecção do design de lojas como modelo industrial.
  • Supremo Tribunal dos Estados Unidos - Star Athletica vs. Varsity Brands: protecção de elementos decorativos em vestuário como direitos de autor.

Estas decisões contribuem para a clarificação dos critérios de protecção e para a harmonização internacional das normas aplicáveis.

2.8. Conclusão

A propriedade intelectual é o alicerce jurídico da criatividade na moda. A sua protecção eficaz permite valorizar o trabalho dos criadores, garantir a autenticidade dos produtos e promover a inovação. No contexto internacional, a articulação entre tratados multilaterais, legislação nacional e jurisprudência comparada é essencial para assegurar uma tutela adequada e combater a contrafacção. Nos capítulos seguintes, serão analisados os contratos internacionais, as condições laborais na cadeia produtiva, os desafios da sustentabilidade e os mecanismos de resolução de litígios, completando o quadro jurídico global da indústria da moda.

CAPÍTULO III

Contratos Internacionais na Indústria da Moda

3.1. Introdução

A indústria da moda opera num contexto globalizado, onde as relações comerciais entre criadores, marcas, produtores, distribuidores e plataformas digitais são formalizadas por contratos transfronteiriços. Estes contratos regulam a produção, distribuição, licenciamento, representação e colaboração entre os diversos intervenientes da cadeia de valor. A sua redacção e execução exigem atenção jurídica especializada, sobretudo no que respeita à escolha da lei aplicável, jurisdição competente, cláusulas de propriedade intelectual e mecanismos de resolução de litígios. Este capítulo analisa os principais tipos de contratos utilizados na indústria da moda, os riscos jurídicos associados e os instrumentos internacionais que regulam a sua validade e eficácia.

3.2. Contratos de licenciamento

O licenciamento é uma prática comum na moda, permitindo que o titular de uma marca ou design autorize terceiros a utilizar os seus direitos de propriedade intelectual em determinados territórios ou categorias de produto.

Exemplos típicos incluem:

  • Licenciamento de marcas para produção de perfumes, óculos ou acessórios;
  • Licenciamento de estampagens ou padrões para colecções cápsula;
  • Licenciamento de imagem de celebridades ou influenciadores.

Estes contratos devem conter cláusulas claras sobre:

  • Objecto do licenciamento (marca, design, imagem);
  • Território e duração;
  • Remuneração (royalties, taxas fixas);
  • Garantias de qualidade e conformidade;
  • Resolução de litígios e cláusulas de arbitragem.

3.3. Contratos de franchising

O franchising permite a expansão de marcas de moda através de parceiros locais que operam lojas sob a identidade da marca. Este modelo é comum em centros comerciais, aeroportos e zonas comerciais de luxo.

Elementos essenciais do contrato de franchising:

  • Concessão de uso da marca e know-how;
  • Formação e apoio técnico;
  • Padrões de qualidade e visual merchandising;
  • Condições financeiras (taxa de entrada, royalties, margens);
  • Exclusividade territorial;
  • Duração e renovação;
  • Resolução contratual e penalidades.

A legislação nacional e os tratados internacionais, como a Convenção da Haia sobre contratos internacionais, regulam a validade e execução destes contratos.

3.4. Contratos de distribuição e representação

A distribuição internacional de produtos de moda exige contratos que definam os direitos e obrigações dos distribuidores e representantes comerciais.

Estes contratos devem prever:

  • Condições de fornecimento e logística;
  • Preços, descontos e margens;
  • Responsabilidade por stocks e devoluções;
  • Exclusividade ou não exclusividade;
  • Obrigações promocionais;
  • Jurisdição e lei aplicável.

A escolha da jurisdição é particularmente relevante em caso de litígio, devendo ser ponderada em função da localização das partes, do mercado-alvo e da existência de tratados bilaterais.

3.5. Acordos de colaboração e co-branding

A moda contemporânea é marcada por colaborações entre marcas, criadores, artistas e influenciadores. Estes acordos, muitas vezes informais, devem ser formalizados juridicamente para evitar litígios futuros.

Elementos a considerar:

  • Propriedade intelectual das criações conjuntas;
  • Direitos de imagem e comunicação;
  • Remuneração e partilha de receitas;
  • Duração e exclusividade;
  • Resolução de litígios.

Exemplos incluem colaborações entre marcas de luxo e desportivas (ex: Louis Vuitton x Nike), ou entre designers e plataformas digitais.

3.6. Cláusulas contratuais críticas

Nos contratos internacionais de moda, certas cláusulas são particularmente sensíveis:

  • Cláusula de jurisdição: define o tribunal competente em caso de litígio.
  • Cláusula de arbitragem: permite a resolução extrajudicial de conflitos.
  • Cláusula de confidencialidade: protege informações comerciais e técnicas.
  • Cláusula de força maior: regula situações imprevistas (pandemias, guerra, bloqueios logísticos).
  • Cláusula de propriedade intelectual: define os direitos sobre marcas, designs e criações conjuntas.

A redacção destas cláusulas deve respeitar os princípios da boa-fé, equilíbrio contratual e conformidade com os tratados internacionais aplicáveis.

3.7. Direito aplicável e conflitos de leis

Nos contratos internacionais, a escolha da lei aplicável é determinante.

As partes podem optar por:

  • A lei do país do fornecedor;
  • A lei do país do comprador;
  • A lei de um país neutro (ex: Suíça, Singapura);
  • A aplicação de princípios de direito internacional privado.

A Convenção de Roma I (Regulamento (CE) n.º 593/2008) estabelece regras sobre a escolha da lei aplicável aos contratos na União Europeia. Fora da UE, aplicam-se os princípios da Convenção da Haia e do Acordo TRIPS.

3.8. Arbitragem e resolução de litígios

A arbitragem internacional é o mecanismo preferencial de resolução de litígios na moda, pela sua confidencialidade, celeridade e especialização.

Instituições relevantes:

  • ICC (International Chamber of Commerce);
  • WIPO Arbitration and Mediation Center;
  • LCIA (London Court of International Arbitration).

As cláusulas arbitrais devem ser claras, completas e compatíveis com a legislação aplicável. A Convenção de Nova Iorque (1958) assegura o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais em mais de 160 países.

3.9. Conclusão

Os contratos internacionais são o alicerce jurídico das relações comerciais na indústria da moda. A sua redacção exige rigor técnico, sensibilidade cultural e conhecimento dos instrumentos internacionais aplicáveis. A protecção da propriedade intelectual, a definição clara de obrigações e a escolha adequada de mecanismos de resolução de litígios são essenciais para garantir a segurança jurídica e a sustentabilidade das parcerias comerciais. Nos capítulos seguintes, será analisada a dimensão laboral da cadeia produtiva, os desafios da sustentabilidade e os direitos dos consumidores, completando o quadro jurídico global da moda.

CAPÍTULO IV

Direito Laboral e Cadeia Global de Produção

4.1. Introdução

A indústria da moda depende de uma cadeia produtiva global que envolve milhões de trabalhadores, sobretudo em países em desenvolvimento. A produção têxtil e de vestuário é frequentemente subcontratada a fábricas localizadas em regiões com baixos custos laborais, o que levanta sérias questões jurídicas e éticas quanto às condições de trabalho, à responsabilidade das marcas e à aplicação das normas internacionais do trabalho. Este capítulo analisa o enquadramento jurídico do trabalho na indústria da moda, com especial atenção às convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aos mecanismos de responsabilidade corporativa e aos desafios da fiscalização em cadeias de abastecimento complexas e transfronteiriças.

4.2. Estrutura da cadeia produtiva na moda

A cadeia de produção da moda é composta por múltiplos níveis:

  • Produção de matérias-primas (algodão, lã, fibras sintéticas);
  • Fiação e tecelagem;
  • Confecção de peças de vestuário;
  • Acabamentos e embalamento;
  • Transporte e distribuição.

Cada etapa pode ser realizada por empresas distintas, frequentemente localizadas em diferentes países. Esta fragmentação dificulta a fiscalização e a responsabilização jurídica, sobretudo quando ocorrem violações laborais em unidades subcontratadas.

4.3. Condições laborais e riscos jurídicos

As principais violações laborais na indústria da moda incluem:

  • Jornadas excessivas e ausência de descanso semanal;
  • Salários abaixo do mínimo legal;
  • Trabalho infantil e forçado;
  • Ambientes insalubres e inseguros;
  • Discriminação e assédio.

Casos emblemáticos:

  • Rana Plaza (Bangladesh, 2013): colapso de edifício com mais de mil mortos, revelando negligência estrutural e ausência de fiscalização.
  • Fábricas clandestinas em Itália e Brasil: exploração de migrantes em condições degradantes.

Estes casos demonstram a necessidade de responsabilizar juridicamente as marcas que beneficiam da produção, mesmo quando realizada por terceiros.

4.4. Normas internacionais aplicáveis

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece convenções fundamentais que devem ser respeitadas por todos os Estados-membros e empresas:

  • Convenção n.º 87: liberdade sindical.
  • Convenção n.º 98: direito à negociação colectiva.
  • Convenção n.º 138: idade mínima para admissão ao emprego.
  • Convenção n.º 182: proibição das piores formas de trabalho infantil.
  • Convenção n.º 155: segurança e saúde no trabalho.

Estes instrumentos constituem o núcleo duro dos direitos laborais, reconhecidos como universais e inderrogáveis.

4.5. Responsabilidade das marcas e due diligence

As marcas de moda têm o dever de exercer diligência sobre as suas cadeias de abastecimento, identificando riscos, prevenindo violações e remediando impactos negativos.

Este dever é consagrado em instrumentos como:

  • Orientações da OCDE para Empresas Multinacionais;
  • Guia de Diligência da OCDE para Cadeias Responsáveis no Sector Têxtil;
  • Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos.

A diligência inclui:

  • Auditorias laborais regulares;
  • Transparência contratual com subcontratados;
  • Formação e capacitação;
  • Mecanismos de queixa e reparação.

O incumprimento pode gerar responsabilidade civil, reputacional e, em certos casos, penal.

4.6. Legislação nacional e iniciativas regionais

Diversos países e blocos regionais têm adoptado legislação que obriga as empresas a garantir o respeito pelos direitos laborais nas suas cadeias de produção:

  • França: Lei n.º 2017-399 sobre dever de vigilância das empresas-mãe.
  • Alemanha: Lei da Cadeia de Abastecimento (Lieferkettengesetz, 2021).
  • União Europeia: Proposta de Directiva sobre Diligência Corporativa Sustentável (2022).

Estas normas impõem obrigações concretas às empresas, incluindo a publicação de relatórios, a realização de auditorias e a responsabilização por violações cometidas por fornecedores.

4.7. Certificações laborais e boas práticas

Existem certificações que atestam o cumprimento de normas laborais na produção de moda:

  • Fair Trade: comércio justo e condições dignas.
  • SA8000: norma internacional de responsabilidade social.
  • WRAP (Worldwide Responsible Accredited Production): certificação ética para fábricas.

Estas certificações são voluntárias, mas cada vez mais exigidas por consumidores, retalhistas e investidores.

4.8. Fiscalização e desafios operacionais

A fiscalização das condições laborais enfrenta obstáculos significativos:

  • Omissão contratual de responsabilidade;
  • Falta de acesso a fábricas subcontratadas;
  • Barreiras linguísticas e culturais;
  • Resistência local à intervenção externa.

A solução passa por:

  • Parcerias com ONGs e sindicatos locais;
  • Transparência na cadeia de fornecimento;
  • Publicação de listas de fornecedores;
  • Inclusão de cláusulas laborais nos contratos.

4.9. Conclusão

O Direito Laboral é um pilar essencial do Direito Internacional da Moda. A protecção dos trabalhadores da cadeia produtiva não é apenas uma exigência ética mas uma obrigação jurídica que decorre de tratados internacionais, legislação nacional e princípios de responsabilidade empresarial. As marcas devem assumir um papel activo na promoção de condições dignas, na prevenção de abusos e na construção de uma indústria da moda justa e sustentável. Nos capítulos seguintes, será analisada a regulação ambiental, a responsabilidade corporativa e os direitos dos consumidores, completando o quadro jurídico global da moda.

CAPÍTULO V

Sustentabilidade, Direitos Humanos e Moda Ética

5.1. Introdução

A indústria da moda é uma das mais poluentes e socialmente controversas do mundo. O seu impacto ambiental, a exploração laboral em países produtores e a cultura do consumo rápido (fast fashion) colocam em causa princípios fundamentais de justiça, dignidade e responsabilidade. O Direito Internacional da Moda deve, por isso, integrar uma dimensão ética e sustentável, promovendo práticas empresariais que respeitem os direitos humanos, protejam o ambiente e assegurem transparência na cadeia de valor. Este capítulo analisa os instrumentos jurídicos que regulam a sustentabilidade na moda, os mecanismos de certificação ética, os deveres das empresas e as propostas de regulação internacional para uma moda mais justa.

5.2. Impacto ambiental da indústria da moda

A produção têxtil é responsável por:

  • Cerca de 10% das emissões globais de carbono;
  • Consumo intensivo de água (ex: produção de algodão);
  • Poluição de rios e oceanos por corantes e microfibras;
  • Desperdício têxtil em larga escala (milhões de toneladas por ano).

Estes impactos exigem regulação ambiental eficaz, com normas sobre:

  • Uso de químicos e tintas;
  • Tratamento de águas residuais;
  • Eficiência energética;
  • Reciclagem e economia circular.

5.3. Certificações internacionais de sustentabilidade

Diversas certificações atestam o cumprimento de normas ambientais e sociais:

  • GOTS (Global Organic Textile Standard): certifica tecidos orgânicos e práticas sustentáveis.
  • OEKO-TEX: garante ausência de substâncias nocivas em produtos têxteis.
  • Fair Trade: assegura condições laborais justas e comércio ético.
  • Cradle to Cradle: promove design circular e reutilização de materiais.

Estas certificações são voluntárias, mas cada vez mais exigidas por consumidores, retalhistas e investidores.

5.4. Dever de diligência e responsabilidade corporativa

As empresas da moda têm o dever jurídico de exercer diligência sobre os impactos ambientais e sociais das suas operações.

Este dever inclui:

  • Identificação de riscos ambientais e laborais;
  • Implementação de medidas preventivas;
  • Monitorização contínua;
  • Comunicação transparente;
  • Reparação de danos causados.

Instrumentos relevantes:

  • Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos;
  • Orientações da OCDE para Cadeias Responsáveis no Sector Têxtil;
  • Directiva Europeia sobre Diligência Corporativa Sustentável (proposta de 2022).

5.5. Legislação europeia sobre moda sustentável

A União Europeia tem liderado a regulação da moda sustentável:

  • Estratégia Europeia para Têxteis Sustentáveis e Circulares (2022): visa reduzir o impacto ambiental, promover a durabilidade dos produtos e combater o greenwashing.
  • Regulamento sobre Ecodesign: estabelece requisitos mínimos de sustentabilidade para produtos têxteis.
  • Directiva sobre Informação ao Consumidor: obriga à divulgação de dados sobre origem, composição e impacto ambiental.

Estas normas têm efeito extraterritorial, influenciando práticas empresariais em países exportadores.

5.6. Direitos humanos e moda ética

A moda ética implica o respeito pelos direitos humanos em toda a cadeia de valor:

  • Proibição de trabalho infantil e forçado;
  • Igualdade de género e não discriminação;
  • Liberdade sindical e negociação colectiva;
  • Segurança e saúde no trabalho;
  • Remuneração justa.

A violação destes direitos pode gerar responsabilidade jurídica, sanções comerciais e danos reputacionais. A integração de cláusulas sociais nos contratos e a colaboração com ONGs e sindicatos são práticas recomendadas.

5.7. Transparência e rastreabilidade

A rastreabilidade permite conhecer a origem dos produtos, os processos utilizados e os intervenientes envolvidos.

Ferramentas tecnológicas como o blockchain estão a ser utilizadas para:

  • Registar cada etapa da produção;
  • Verificar certificações;
  • Prevenir fraudes;
  • Informar o consumidor.

A transparência é um princípio jurídico e ético que reforça a confiança e permite escolhas informadas.

5.8. Papel dos consumidores e da sociedade civil

Os consumidores têm um papel activo na promoção da moda ética:

  • Escolhas conscientes e informadas;
  • Preferência por marcas sustentáveis;
  • Rejeição de práticas abusivas;
  • Participação em campanhas e movimentos sociais.

A sociedade civil, incluindo universidades, ONGs e jornalistas, contribui para a fiscalização, a educação e a transformação cultural da indústria.

5.9. Propostas de regulação internacional

Diversas propostas têm sido apresentadas para reforçar a regulação global da moda:

  • Tratado internacional sobre moda ética e sustentável;
  • Criação de um organismo multilateral de supervisão;
  • Harmonização de certificações e normas técnicas;
  • Inclusão da moda nas agendas climáticas e de direitos humanos da ONU.

Estas propostas visam superar a fragmentação normativa e garantir uma tutela eficaz à escala global.

5.10. Conclusão

A sustentabilidade e os direitos humanos são dimensões essenciais do Direito Internacional da Moda. A regulação jurídica deve promover uma indústria que respeite o ambiente, valorize o trabalho humano e assegure transparência em todas as etapas da produção. A moda ética não é apenas uma tendência mas uma exigência jurídica, social e civilizacional. Nos capítulos seguintes, será analisada a regulação do comércio internacional, os direitos dos consumidores e os mecanismos de resolução de litígios, completando o quadro jurídico global da moda.

CAPÍTULO VI

Comércio Internacional, Alfândega e Regulação Aduaneira

6.1. Introdução

A moda é uma das indústrias mais globalizadas do mundo. As matérias-primas são cultivadas num continente, os produtos são confeccionados noutro, e comercializados em múltiplos mercados através de canais físicos e digitais. Esta circulação transfronteiriça de bens exige uma regulação jurídica robusta, que articule normas de comércio internacional, regras aduaneiras, acordos bilaterais e tratados multilaterais. Este capítulo analisa os principais instrumentos jurídicos que regulam o comércio internacional de produtos de moda, com especial atenção à classificação pautal, às barreiras tarifárias e não tarifárias, às regras de origem e aos mecanismos de certificação e conformidade.

6.2. Classificação pautal e nomenclatura aduaneira

A classificação pautal dos produtos de moda é essencial para determinar os direitos aduaneiros aplicáveis, os requisitos de importação e os procedimentos alfandegários. A nomenclatura utilizada baseia-se no Sistema Harmonizado (HS), desenvolvido pela Organização Mundial das Alfândegas (OMA), que atribui códigos específicos a cada tipo de produto.

Exemplos:

  • Vestuário feminino de malha: código HS 6104.
  • Calçado de couro: código HS 6403.
  • Acessórios de moda: códigos diversos, consoante o material e a função.

A correcta classificação é da responsabilidade do exportador e do importador, podendo ser objecto de fiscalização e sanções em caso de erro ou fraude.

6.3. Direitos aduaneiros e tarifas

Os produtos de moda estão sujeitos a direitos aduaneiros que variam consoante o país de destino, o tipo de produto e os acordos comerciais em vigor.

Estes direitos podem ser:

  • Ad valorem: percentagem sobre o valor declarado.
  • Específicos: valor fixo por unidade ou peso.
  • Combinados: conjugação de ambos.

A União Europeia, por exemplo, aplica tarifas diferenciadas a produtos têxteis e de vestuário, com base na origem e na classificação pautal. Os acordos comerciais podem reduzir ou eliminar estas tarifas.

6.4. Acordos comerciais bilaterais e multilaterais

Os acordos comerciais regulam o acesso aos mercados e a aplicação de tarifas preferenciais.

Exemplos relevantes:

  • Acordo EU-Vietname: liberalização progressiva do comércio de vestuário.
  • Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA): regras específicas para produtos têxteis.
  • Mercosul-UE (em negociação): impacto potencial na indústria brasileira e europeia.
  • Parceria Económica Regional Abrangente (RCEP): inclui países asiáticos com forte produção têxtil.

Estes acordos incluem cláusulas sobre regras de origem, certificação, conformidade técnica e resolução de litígios.

6.5. Barreiras não tarifárias

Além das tarifas, os produtos de moda enfrentam barreiras não tarifárias que podem dificultar o comércio internacional:

  • Requisitos técnicos e normas de segurança;
  • Certificações ambientais e sociais;
  • Rotulagem obrigatória (composição, origem, cuidados);
  • Licenças de importação;
  • Contingentes e quotas.

Estas barreiras devem respeitar os princípios da Organização Mundial do Comércio (OMC), nomeadamente a não discriminação e a proporcionalidade.

6.6. Regras de origem e certificação

As regras de origem determinam se um produto pode beneficiar de tarifas preferenciais ao abrigo de um acordo comercial.

Existem dois tipos principais:

  • Origem preferencial: produtos que cumprem os critérios de um acordo específico.
  • Origem não preferencial: utilizada para fins estatísticos, sanções ou medidas de defesa comercial.

A certificação de origem é feita através de documentos como:

  • Certificado EUR.1 (União Europeia);
  • Formulário A (Sistema de Preferências Generalizadas);
  • Declarações de origem em factura.

O incumprimento pode levar à aplicação de tarifas plenas, sanções e apreensão de mercadorias.

6.7. Fiscalização aduaneira e combate à contrafacção

As autoridades aduaneiras desempenham um papel crucial na protecção da propriedade intelectual e na segurança dos consumidores.

Medidas incluem:

  • Registo de marcas e designs junto das alfândegas;
  • Apreensão de produtos contrafeitos;
  • Cooperação internacional entre serviços aduaneiros;
  • Utilização de tecnologias de rastreio e verificação.

A legislação europeia e o Acordo TRIPS da OMC estabelecem normas mínimas para a actuação aduaneira contra a contrafacção.

6.8. Comércio electrónico e desafios aduaneiros

O crescimento do comércio electrónico de moda levanta novos desafios:

  • Envio de pequenas encomendas por correio ou courier;
  • Dificuldade de fiscalização individual;
  • Subdeclaração de valores;
  • Evasão fiscal e aduaneira.

As autoridades têm vindo a adaptar os procedimentos, com medidas como:

  • Registo obrigatório de plataformas digitais;
  • Aplicação de IVA e direitos aduaneiros a encomendas de baixo valor;
  • Cooperação com operadores logísticos.

6.9. Conclusão

O comércio internacional da moda é regulado por um conjunto complexo de normas pautais, acordos comerciais, regras de origem e procedimentos aduaneiros. A sua compreensão é essencial para garantir a conformidade legal, optimizar os custos e proteger os direitos de propriedade intelectual. O jurista da moda deve dominar estes instrumentos e acompanhar as evoluções legislativas e comerciais que moldam o acesso aos mercados globais. Nos capítulos seguintes, será analisada a regulação da publicidade, os direitos dos consumidores e os mecanismos de resolução de litígios, completando o quadro jurídico global da moda.

CAPÍTULO VII

Publicidade, Influência Digital e Direito do Consumidor

7.1. Introdução

A comunicação é um dos pilares da indústria da moda. A forma como os produtos são apresentados, promovidos e vendidos influencia directamente o comportamento dos consumidores e a reputação das marcas. Com o advento das redes sociais e do comércio electrónico, surgiram novas formas de publicidade, protagonizadas por influenciadores digitais, campanhas interactivas e algoritmos de segmentação. Esta evolução exige uma regulação jurídica que proteja os consumidores, assegure a transparência comercial e responsabilize os intervenientes. Este capítulo analisa o enquadramento jurídico da publicidade na moda, os contratos com influenciadores, os direitos dos consumidores em ambiente digital e os mecanismos de fiscalização e sanção.

7.2. Regulação da publicidade comercial

A publicidade de moda está sujeita a normas que visam garantir:

  • Veracidade das informações;
  • Transparência quanto à natureza comercial;
  • Protecção contra práticas enganosas ou agressivas;
  • Respeito pelos direitos de imagem e autor.

Na União Europeia, a Directiva 2005/29/CE sobre práticas comerciais desleais estabelece critérios para avaliar a licitude da publicidade, incluindo:

  • Omissão de informações essenciais;
  • Apresentação enganosa de características do produto;
  • Criação de falsas expectativas;
  • Pressão psicológica ou manipulação.

Estas normas aplicam-se tanto à publicidade tradicional como à digital.

7.3. Influenciadores digitais e contratos de colaboração

Os influenciadores digitais tornaram-se protagonistas da comunicação de moda.

A sua actuação é regulada por contratos que devem prever:

  • Remuneração (fixa, variável, comissões);
  • Direitos de imagem e propriedade intelectual;
  • Duração e exclusividade;
  • Obrigações de transparência (identificação de conteúdo patrocinado);
  • Penalizações por incumprimento.

A legislação exige que os conteúdos patrocinados sejam claramente identificados como tal, através de etiquetas como “#pub”, “#parceria” ou “#patrocinado”. A omissão pode configurar publicidade enganosa e dar origem a sanções administrativas.

7.4. Comércio electrónico e protecção do consumidor

O comércio electrónico de moda levanta questões jurídicas específicas:

  • Direito de arrependimento (mínimo de 14 dias na UE);
  • Garantia legal de conformidade (mínimo de 2 anos);
  • Informação pré-contratual clara e acessível;
  • Meios de pagamento seguros;
  • Protecção de dados pessoais.

A Directiva 2011/83/UE sobre direitos dos consumidores regula estas matérias, impondo obrigações às plataformas digitais e aos vendedores. O incumprimento pode gerar responsabilidade civil e administrativa.

7.5. Publicidade enganosa e práticas abusivas

A publicidade enganosa na moda pode assumir várias formas:

  • Falsas promoções (ex: preços inflacionados antes de descontos);
  • Imagens manipuladas ou irreais;
  • Testemunhos fictícios;
  • Omissão de riscos ou limitações.

As autoridades de defesa do consumidor têm competência para:

  • Fiscalizar campanhas publicitárias;
  • Aplicar coimas e sanções;
  • Ordenar a retirada de conteúdos;
  • Publicar contra-informações.

Casos emblemáticos incluem campanhas de marcas que utilizaram modelos excessivamente retocados ou que omitiram informações relevantes sobre sustentabilidade.

7.6. Direitos de imagem e autor na comunicação da moda

A utilização de imagens de pessoas, obras artísticas ou designs na publicidade exige autorização expressa dos titulares dos direitos.

A violação pode configurar:

  • Usurpação de imagem;
  • Violação de direitos de autor;
  • Concorrência desleal.

Os contratos devem prever:

  • Âmbito da autorização (território, duração, meios);
  • Remuneração;
  • Limitações e revogação.

A jurisprudência tem reconhecido o direito à protecção da imagem como direito fundamental, mesmo em contexto comercial.

7.7. Fiscalização e entidades competentes

A fiscalização da publicidade e da protecção do consumidor é assegurada por entidades como:

  • Autoridades nacionais de defesa do consumidor;
  • Entidades reguladoras da comunicação social;
  • Comissões de ética publicitária;
  • Tribunais civis e administrativos.

Estas entidades actuam mediante denúncia, fiscalização proactiva ou cooperação internacional, especialmente em casos de publicidade transfronteiriça.

7.8. Responsabilidade civil e penal

A violação das normas de publicidade e protecção do consumidor pode gerar:

  • Responsabilidade civil por danos patrimoniais e morais;
  • Sanções administrativas (coimas, interdição de actividade);
  • Responsabilidade penal em casos de fraude ou falsificação.

As marcas, influenciadores e plataformas digitais podem ser responsabilizados solidariamente, consoante o grau de envolvimento e culpa.

7.9. Conclusão

A publicidade e a comunicação digital são áreas sensíveis do Direito Internacional da Moda. A sua regulação visa proteger os consumidores, garantir a transparência comercial e responsabilizar os intervenientes. O jurista da moda deve dominar as normas aplicáveis, acompanhar as evoluções tecnológicas e promover práticas éticas e conformes com os direitos fundamentais. Nos capítulos seguintes, será analisada a resolução de litígios, as convenções internacionais aplicáveis e as perspectivas futuras da regulação global da moda.

CAPÍTULO VIII

Resolução de Litígios e Jurisdição Transnacional

8.1. Introdução

A indústria da moda, pela sua natureza global e multifacetada, está sujeita a litígios que podem envolver propriedade intelectual, contratos internacionais, responsabilidade civil, direitos laborais e práticas comerciais. A resolução eficaz destes litígios exige mecanismos jurídicos adaptados à realidade transnacional, capazes de assegurar celeridade, imparcialidade e reconhecimento internacional das decisões. Este capítulo analisa os principais instrumentos de resolução de litígios na moda, com destaque para a arbitragem internacional, os tribunais competentes, os mecanismos de mediação e conciliação, e os tratados que regulam o reconhecimento de decisões estrangeiras.

8.2. Tipologia de litígios na moda

Os litígios mais comuns na indústria da moda incluem:

  • Violação de direitos de propriedade intelectual (contrafacção, usurpação de marca, plágio);
  • Incumprimento contratual (licenciamento, distribuição, colaboração);
  • Litígios laborais (subcontratação, condições de trabalho);
  • Responsabilidade civil por publicidade enganosa ou defeitos de produto;
  • Conflitos entre marcas e influenciadores digitais;
  • Litígios entre consumidores e plataformas de e-commerce.

A diversidade de matérias exige soluções jurídicas especializadas e flexíveis.

8.3. Arbitragem internacional

A arbitragem é o mecanismo preferencial de resolução de litígios na moda, especialmente em contratos internacionais.

As suas vantagens incluem:

  • Confidencialidade;
  • Celeridade processual;
  • Especialização dos árbitros;
  • Reconhecimento internacional das decisões.

Instituições relevantes:

  • ICC (International Chamber of Commerce): oferece regras de arbitragem amplamente utilizadas em contratos comerciais.
  • WIPO Arbitration and Mediation Center: especializado em litígios de propriedade intelectual.
  • LCIA (London Court of International Arbitration): reconhecida pela sua neutralidade e eficiência.

As cláusulas arbitrais devem ser redigidas com precisão, indicando:

  • Instituição arbitral;
  • Número de árbitros;
  • Local da arbitragem;
  • Língua do processo;
  • Direito aplicável.

8.4. Mediação e conciliação

A mediação e a conciliação são mecanismos extrajudiciais que visam resolver litígios de forma consensual, com apoio de um terceiro imparcial.

São especialmente úteis em:

  • Conflitos entre marcas e criadores;
  • Litígios laborais;
  • Disputas entre consumidores e empresas.

Vantagens:

  • Menor custo;
  • Preservação das relações comerciais;
  • Flexibilidade processual.

Instituições como a WIPO e a ICC oferecem serviços de mediação adaptados à indústria da moda.

8.5. Jurisdição e conflitos de leis

Nos litígios transnacionais, a determinação da jurisdição competente e da lei aplicável é crucial.

Os contratos devem prever cláusulas claras sobre:

  • Tribunal competente (ex: tribunais do país da marca ou do distribuidor);
  • Direito aplicável (ex: direito francês, italiano, inglês);
  • Reconhecimento de decisões estrangeiras.

Instrumentos relevantes:

  • Convenção de Bruxelas I (Regulamento (UE) n.º 1215/2012): regula a jurisdição e o reconhecimento de decisões na UE.
  • Convenção da Haia sobre Contratos Internacionais: estabelece princípios de escolha da lei aplicável.
  • Convenção de Nova Iorque (1958): assegura o reconhecimento de sentenças arbitrais em mais de 160 países.

8.6. Litígios de propriedade intelectual

A protecção da propriedade intelectual na moda é frequentemente objecto de litígio, envolvendo:

  • Contrafacção de marcas e designs;
  • Uso indevido de imagem;
  • Plágio de estampagens ou colecções;
  • Concorrência desleal.

Estes litígios podem ser resolvidos por:

  • Tribunais civis especializados;
  • Arbitragem (WIPO, ICC);
  • Acções administrativas (ex: EUIPO, INPI).

A prova da titularidade dos direitos, a demonstração da violação e a quantificação dos danos são elementos essenciais do processo.

8.7. Litígios de consumo e comércio electrónico

Os consumidores podem recorrer a mecanismos de resolução de litígios em caso de:

  • Produtos defeituosos;
  • Publicidade enganosa;
  • Incumprimento de garantias;
  • Problemas com devoluções ou reembolsos.

Instrumentos disponíveis:

  • Plataforma Europeia de Resolução de Litígios em Linha (ODR);
  • Centros de arbitragem de consumo;
  • Tribunais civis e administrativos.

As empresas devem disponibilizar informação clara sobre os meios de resolução de litígios e cooperar com as entidades competentes.

8.8. Reconhecimento e execução de decisões estrangeiras

A eficácia das decisões judiciais e arbitrais depende do seu reconhecimento nos países onde se pretende executar.

Instrumentos relevantes:

  • Convenção de Nova Iorque (1958): reconhecimento de sentenças arbitrais.
  • Convenção de Bruxelas I: reconhecimento de decisões judiciais na UE.
  • Convenção da Haia: princípios de cooperação judicial internacional.

O reconhecimento pode ser recusado em casos de:

  • Violação da ordem pública;
  • Ausência de contraditório;
  • Incompetência do tribunal de origem.

8.9. Conclusão

A resolução de litígios na moda exige mecanismos jurídicos adaptados à sua dimensão internacional, à diversidade de matérias e à necessidade de celeridade e especialização. A arbitragem, a mediação e os tratados de reconhecimento são instrumentos essenciais para assegurar justiça, previsibilidade e segurança jurídica. O jurista da moda deve dominar estas ferramentas e promover cláusulas contratuais claras e eficazes. Nos capítulos seguintes, será analisado o enquadramento das convenções internacionais aplicáveis e as perspectivas futuras da regulação global da moda.

CAPÍTULO IX

Convenções Internacionais Aplicáveis

9.1. Introdução

A regulação jurídica da moda à escala internacional depende da articulação entre legislações nacionais e convenções multilaterais que estabelecem normas comuns em matéria de propriedade intelectual, contratos, comércio, direitos humanos e resolução de litígios. Estas convenções constituem o alicerce jurídico que permite proteger criações, garantir condições laborais dignas, facilitar o comércio e assegurar a eficácia das decisões judiciais e arbitrais. Este capítulo apresenta as principais convenções internacionais aplicáveis à indústria da moda, com destaque para os seus objectivos, conteúdos normativos e impacto prático.

9.2. Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial (1883)

A Convenção de Paris é um dos tratados fundadores da protecção internacional da propriedade industrial.

Aplicável a marcas, patentes, modelos industriais e indicações geográficas, estabelece princípios como:

  • Direito de prioridade internacional;
  • Tratamento nacional dos estrangeiros;
  • Protecção contra concorrência desleal.

É administrada pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e ratificada por mais de 170 países.

9.3. Convenção de Berna sobre Direitos de Autor (1886)

A Convenção de Berna protege obras literárias e artísticas, incluindo desenhos, fotografias, ilustrações e campanhas publicitárias.

Estabelece:

  • Protecção automática sem necessidade de registo;
  • Direitos morais e patrimoniais;
  • Duração mínima de protecção (geralmente 50 anos após a morte do autor).

É fundamental para a tutela das criações visuais na moda.

9.4. Acordo TRIPS (1994) - OMC

O Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (TRIPS) integra o sistema da Organização Mundial do Comércio (OMC) e estabelece normas mínimas de protecção para:

  • Marcas;
  • Patentes;
  • Direitos de autor;
  • Modelos industriais;
  • Indicações geográficas.

Inclui mecanismos de resolução de litígios e sanções comerciais em caso de incumprimento.

9.5. Sistema de Madrid para o Registo Internacional de Marcas

O Sistema de Madrid permite o registo de marcas em múltiplos países através de um único pedido, simplificando o processo e reduzindo custos.

É administrado pela OMPI e regido por:

  • Acordo de Madrid (1891);
  • Protocolo de Madrid (1989).

É amplamente utilizado por marcas de moda com presença internacional.

9.6. Convenção da Haia sobre Contratos Internacionais

A Convenção da Haia estabelece princípios sobre a escolha da lei aplicável aos contratos internacionais, incluindo:

  • Autonomia das partes;
  • Previsibilidade jurídica;
  • Reconhecimento da lei escolhida, mesmo que não seja a de um Estado contratante.

É relevante para contratos de licenciamento, franchising, distribuição e colaboração na moda.

9.7. Convenção de Nova Iorque sobre Arbitragem Internacional (1958)

Esta convenção assegura o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras em mais de 160 países.

Estabelece:

  • Requisitos formais da convenção arbitral;
  • Motivos limitados para recusa de reconhecimento;
  • Cooperação judicial internacional.

É essencial para a eficácia da arbitragem na resolução de litígios na moda.

9.8. Pactos Internacionais da ONU sobre Direitos Humanos

Os Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966) consagram direitos fundamentais aplicáveis à indústria da moda, incluindo:

  • Direito ao trabalho digno;
  • Proibição de trabalho forçado e infantil;
  • Liberdade de expressão e criação artística;
  • Direito à protecção contra discriminação.

Estes pactos orientam a actuação das empresas e dos Estados na promoção de uma moda ética.

9.9. Convenções da OIT sobre Trabalho Digno

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece convenções que regulam as condições laborais na cadeia produtiva da moda.

Destacam-se:

  • Convenção n.º 87: liberdade sindical;
  • Convenção n.º 98: negociação colectiva;
  • Convenção n.º 138: idade mínima;
  • Convenção n.º 182: proibição das piores formas de trabalho infantil;
  • Convenção n.º 190: combate ao assédio no trabalho.

Estas normas são reconhecidas como fundamentais e vinculam os Estados e as empresas.

9.10. Conclusão

As convenções internacionais constituem o quadro jurídico que permite harmonizar normas, proteger direitos e promover boas práticas na indústria da moda. O jurista da moda deve conhecer estes instrumentos, aplicá-los nos contratos e litígios, e contribuir para a sua implementação efectiva. A articulação entre tratados, legislação nacional e responsabilidade empresarial é essencial para construir uma moda global mais justa, sustentável e juridicamente sólida. No capítulo final, serão apresentadas as perspectivas futuras da regulação internacional da moda, com propostas de inovação normativa e institucional.

CAPÍTULO X

Perspectivas Futuras e Regulação Global da Moda

10.1. Introdução

A indústria da moda encontra-se num momento de profunda transformação. A digitalização, a emergência de novas tecnologias, a crescente exigência ética dos consumidores e a pressão regulatória por parte dos Estados e organizações internacionais estão a redesenhar os contornos jurídicos do sector. O Direito Internacional da Moda deve acompanhar esta evolução, antecipando desafios, propondo soluções e contribuindo para uma regulação global mais justa, sustentável e eficaz. Este capítulo apresenta as principais tendências que moldarão o futuro jurídico da moda, com destaque para a inteligência artificial, a rastreabilidade digital, a harmonização normativa e a criação de novos instrumentos internacionais.

10.2. Inteligência artificial e design generativo

A utilização de inteligência artificial (IA) na criação de peças de moda levanta questões jurídicas complexas:

Quem é o titular dos direitos de autor sobre uma criação gerada por IA?

Sobre esta relevante questão a nossa resposta é: Actualmente, não há consenso jurídico internacional sobre quem detém os direitos de autor de uma criação gerada por IA. A maioria das legislações exige autoria humana para reconhecimento de direitos autorais, o que exclui, por ora, a IA como sujeito de direito.

Enquadramento jurídico atual

1. Autoria humana como requisito

  • A maioria dos ordenamentos jurídicos, como o brasileiro, europeu e norte-americano, exige que a obra seja fruto de uma criação intelectual humana.
  • Assim, obras geradas exclusivamente por IA, sem intervenção criativa humana, não são protegidas por direitos de autor
  • Como garantir a originalidade e a não violação de direitos preexistentes?
  • Que responsabilidade existe em caso de plágio ou apropriação indevida?

A legislação actual não oferece respostas claras, sendo necessário:

  • Rever os conceitos de autoria e criatividade;
  • Estabelecer regimes específicos para obras geradas por algoritmos;
  • Criar mecanismos de registo e certificação adaptados à IA.

10.3. Blockchain e rastreabilidade na cadeia de produção

O blockchain permite registar, de forma segura e imutável, todas as etapas da cadeia de produção de uma peça de moda.

As suas aplicações incluem:

  • Verificação da origem dos materiais;
  • Certificação de práticas laborais e ambientais;
  • Prevenção da contrafacção;
  • Transparência para o consumidor.

A integração do blockchain exige:

  • Normas técnicas comuns;
  • Reconhecimento jurídico dos registos digitais;
  • Cooperação entre marcas, fornecedores e autoridades.

10.4. Regulação europeia sobre moda sustentável

A União Europeia tem liderado a regulação da moda sustentável, com iniciativas como:

  • Estratégia Europeia para Têxteis Sustentáveis e Circulares;
  • Regulamento sobre Ecodesign;
  • Directiva sobre Diligência Corporativa Sustentável.

Estas normas visam:

  • Reduzir o impacto ambiental da moda;
  • Promover a durabilidade e reparabilidade dos produtos;
  • Combater o greenwashing;
  • Responsabilizar juridicamente as empresas.

A sua aplicação extraterritorial terá impacto global, influenciando práticas em países exportadores.

10.5. Harmonização normativa e tratados internacionais

A fragmentação normativa dificulta a regulação eficaz da moda.

É necessário:

  • Harmonizar os critérios de protecção da propriedade intelectual;
  • Uniformizar os requisitos de certificação ambiental e social;
  • Criar um tratado internacional sobre moda ética e sustentável;
  • Estabelecer um organismo multilateral de supervisão e cooperação.

Estas medidas exigem vontade política, diálogo entre Estados e envolvimento da sociedade civil.

10.6. Papel das universidades, ONGs e consumidores

A transformação jurídica da moda depende da acção coordenada de múltiplos actores:

  • Universidades: produção de conhecimento, formação de juristas especializados, investigação aplicada.
  • ONGs: fiscalização, denúncia de abusos, promoção de boas práticas.
  • Consumidores: escolhas conscientes, exigência de transparência, participação em movimentos sociais.

A educação jurídica e a literacia ética são fundamentais para consolidar uma cultura de responsabilidade na moda.

10.7. Propostas de inovação jurídica

Entre as propostas que podem ser consideradas para o futuro da regulação da moda destacam-se:

  • Criação de um Código Internacional da Moda, com princípios orientadores e normas modelo;
  • Estabelecimento de um Tribunal Internacional da Moda, para resolução especializada de litígios;
  • Desenvolvimento de uma Plataforma Global de Transparência, com dados sobre fornecedores, certificações e práticas empresariais;
  • Reconhecimento jurídico de selos éticos e ambientais com validade internacional.

Estas propostas visam reforçar a segurança jurídica, a confiança dos consumidores e a justiça social.

10.8. Conclusão

O futuro do Direito Internacional da Moda será marcado pela inovação tecnológica, pela exigência ética e pela necessidade de regulação global. O jurista da moda deve estar preparado para enfrentar estes desafios, contribuindo para a construção de um sistema jurídico que valorize a criatividade, proteja os direitos fundamentais e promova uma indústria mais justa e sustentável. Este livro procurou oferecer uma visão abrangente, crítica e propositiva da regulação jurídica da moda à escala internacional. A sua leitura pretende inspirar profissionais, académicos e decisores a pensar juridicamente a moda não apenas como produto, mas como fenómeno cultural, económico e humano.

Casos Jurídicos e Resolução no Direito da Moda

I. Propriedade Intelectual e Marcas

1. Christian Louboutin vs. Van Haren (TJUE, C-163/16)

·         Questão jurídica: Pode uma cor aplicada a uma parte específica de um produto (a sola vermelha de um sapato) ser protegida como marca registada?

·         Fundamento legal: Regulamento (UE) 2017/1001 sobre marcas da União Europeia.

·         Decisão: O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que a cor vermelha, aplicada à sola de um sapato, pode constituir uma marca válida, desde que não tenha função técnica.

·         Impacto: Reforçou a protecção de elementos visuais não convencionais como marcas, consolidando o conceito de “marca de posição”.

2. Louis Vuitton vs. Alibaba (China, 2015)

·         Questão jurídica: Venda massiva de produtos contrafeitos em plataformas digitais chinesas.

·         Fundamento legal: Acordo TRIPS, Lei de Marcas da China, responsabilidade de intermediários.

·         Decisão: A Alibaba comprometeu-se a reforçar os mecanismos de controlo e a colaborar com marcas na remoção de produtos falsificados.

·         Impacto: Estabeleceu precedentes sobre responsabilidade de plataformas digitais na protecção da propriedade intelectual.

II. Design e Direitos de Autor

3. Stella McCartney vs. Bershka (Espanha, 2018)

·         Questão jurídica: Apropriação de design floral original por marca de fast fashion.

·         Fundamento legal: Lei de Propriedade Intelectual espanhola, Convenção de Berna.

·         Decisão: O tribunal reconheceu a originalidade do design e ordenou a retirada dos produtos, com indemnização por danos.

·         Impacto: Reforçou a protecção de designs de moda como obras artísticas, desde que demonstrem criatividade.

4. Star Athletica vs. Varsity Brands (Supremo Tribunal dos Estados Unidos, 2017)

·         Questão jurídica: Protecção de elementos decorativos em uniformes escolares como direitos de autor.

·         Fundamento legal: Copyright Act dos EStados Unidos.

·         Decisão: O Supremo Tribunal reconheceu que elementos decorativos separáveis da função utilitária podem ser protegidos.

·         Impacto: Clarificou os critérios de protecção de design funcional na moda.

III. Contratos e Colaborações

5. Adidas vs. Thom Browne (Estados Unidos, 2023)

·         Questão jurídica: Uso de faixas paralelas em vestuário é alegada violação da marca das três riscas da Adidas.

·         Fundamento legal: Lanham Act, trade dress.

·         Decisão: O júri decidiu a favor de Thom Browne, considerando que não havia risco de confusão.

·         Impacto: Reforçou a importância da diferenciação visual e da prova de confusão efectiva.

6. H&M vs. Beyoncé (Reino Unido, 2013)

·         Questão jurídica: Disputa contratual sobre edição de imagens em campanha publicitária.

·         Fundamento legal: Contrato de imagem, cláusulas de aprovação artística.

·         Decisão: A campanha foi cancelada após desacordo sobre edição corporal das fotografias.

·         Impacto: Destacou a importância de cláusulas claras sobre direitos de imagem e controlo criativo.

IV. Laboral e Responsabilidade Social

7. Rana Plaza vs. Marcas Ocidentais (Bangladesh, 2013)

·         Questão jurídica: Responsabilidade das marcas por condições laborais em fábricas subcontratadas.

·         Fundamento legal: Convenções da OIT, princípios da ONU sobre empresas e direitos humanos.

·         Decisão: Diversas marcas criaram fundos de compensação e assinaram o Acordo de Segurança para o Bangladesh.

·         Impacto: Estabeleceu o dever de diligência corporativa e a responsabilidade indirecta por violações laborais.

8. Boohoo (Reino Unido, 2020)

·         Questão jurídica: Denúncias de exploração laboral em fábricas subcontratadas em Leicester.

·         Fundamento legal: Lei do Trabalho britânica, responsabilidade empresarial.

·         Decisão: Investigação independente confirmou violações; Boohoo comprometeu-se com reformas e auditorias.

·         Impacto: Reforçou a exigência de rastreabilidade e transparência na cadeia de produção.

V. Influência Digital e Publicidade

9. FTC vs. Influenciadores de Moda (Estados Unidos, 2017–2022)

·         Questão jurídica: Falta de identificação de conteúdos patrocinados por influenciadores.

·         Fundamento legal: Federal Trade Commission Act, práticas comerciais desleais.

·         Decisão: A FTC emitiu orientações e aplicou sanções por omissão de “#ad” ou “#sponsored”.

·         Impacto: Estabeleceu normas claras de transparência na publicidade digital de moda.

10. Dolce & Gabbana vs. Consumidores Chineses (China, 2018)

·         Questão jurídica: Campanha publicitária considerada ofensiva e discriminatória.

·         Fundamento legal: Direito do consumidor, reputação comercial.

·         Decisão: Cancelamento de desfile, boicote massivo e retirada de produtos do mercado chinês.

·         Impacto: Demonstrou o poder reputacional dos consumidores e a importância da sensibilidade cultural.

Conclusão

Estes casos ilustram a complexidade e a diversidade dos litígios na moda, exigindo:

·         Conhecimento profundo de propriedade intelectual, contratos, direito laboral e consumo;

·         Capacidade de actuar em jurisdições múltiplas;

·         Sensibilidade ética e cultural;

·         Estratégia jurídica preventiva e reactiva.

O jurista da moda deve acompanhar a jurisprudência internacional, integrar cláusulas eficazes nos contratos e promover práticas empresariais conformes com os padrões legais e sociais.

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