Estudo Jurídico sobre a Regulação Global da Indústria da Moda
Introdução Geral
A moda é uma linguagem universal que atravessa fronteiras
culturais, económicas e jurídicas. A sua indústria, avaliada em milhares de
milhões de dólares, envolve uma complexa cadeia de valor que vai desde a
criação artística até à comercialização global. O Direito Internacional da Moda
ou Fashion Law internacional surge como disciplina jurídica emergente, que
articula normas de propriedade intelectual, contratos, comércio internacional,
direito laboral, ambiental e dos consumidores, aplicadas à realidade
transnacional da moda. Este livro propõe uma abordagem sistemática e crítica à
regulação jurídica da moda à escala internacional, com especial atenção às
convenções multilaterais, jurisprudência comparada, práticas comerciais e
desafios éticos contemporâneos.
Capítulo 1 - Fundamentos Jurídicos do
Direito da Moda
- Definição
e origem do Fashion Law como ramo jurídico autónomo.
- Interdisciplinaridade:
articulação entre direito comercial, propriedade intelectual, consumo,
trabalho e ambiente.
- Actores
jurídicos relevantes: designers, marcas, retalhistas, plataformas
digitais, consumidores.
- Papel das
organizações internacionais: OMPI (Organização Mundial da Propriedade
Intelectual), OMC (Organização Mundial do Comércio), ONU, OCDE.
Capítulo 2 - Propriedade Intelectual e
Criações de Moda
- Direitos
de autor aplicáveis a design, estampagem, fotografia e campanhas
publicitárias.
- Marcas
registadas: protecção de logótipos, nomes comerciais, padrões distintivos.
- Modelos
industriais e patentes: registo de cortes, estruturas e funcionalidades
inovadoras.
- Protecção
contra contrafacção e pirataria: mecanismos legais e aduaneiros.
- Casos
emblemáticos: Louboutin (sola vermelha), Burberry (xadrez), Gucci vs.
Forever 21.
Capítulo 3 - Contratos Internacionais
na Indústria da Moda
- Contratos
de licenciamento, franchising, distribuição e representação.
- Acordos de
colaboração entre marcas e criadores (co-branding).
- Cláusulas
de exclusividade, confidencialidade e não concorrência.
- Direito
aplicável e cláusulas de jurisdição em contratos transfronteiriços.
- Normas da
Convenção de Haia sobre contratos internacionais.
Capítulo 4 - Direito Laboral e Cadeia
Global de Produção
- Condições
laborais em países produtores: Bangladesh, Vietname, Etiópia.
- Responsabilidade
das marcas por subcontratação e outsourcing.
- Normas da
OIT (Organização Internacional do Trabalho): convenções n.º 87, 98, 138,
182.
- Casos de
violação de direitos humanos: Rana Plaza (Bangladesh), denúncias na China
e Índia.
- Dever de
diligência corporativa e responsabilidade social empresarial.
Capítulo 5 - Sustentabilidade, Direitos
Humanos e Moda Ética
- Regulação
ambiental na produção têxtil: uso de químicos, consumo de água, emissões.
- Certificações internacionais:
GOTS (Global Organic Textile Standard), OEKO-TEX, Fair Trade.
- ESG
(Environmental, Social and Governance) e relatórios de sustentabilidade.
- Legislação
europeia sobre moda sustentável: Estratégia da UE para Têxteis
Sustentáveis e Circulares.
- Propostas
de tratado internacional sobre moda ética.
Capítulo 6 - Comércio Internacional,
Alfândega e Regulação Aduaneira
- Classificação
pautal de produtos de moda: códigos HS e nomenclatura combinada.
- Acordos
comerciais bilaterais e multilaterais: EU-China, Estados Unidos-México,
Mercosul.
- Barreiras
não tarifárias: requisitos técnicos, certificações, rotulagem.
- Regras de
origem e certificação de conformidade.
- Regulação
da OMC e tratados regionais (RCEP, CPTPP).
Capítulo 7 - Publicidade, Influência
Digital e Direito do Consumidor
- Regulação
da publicidade de moda: práticas enganosas, transparência,
responsabilidade editorial.
- Influenciadores
digitais e contratos de colaboração: cláusulas de imagem, exclusividade,
remuneração.
- Protecção
do consumidor em e-commerce: direito de arrependimento, garantias,
devoluções.
- Legislação
europeia: Directiva 2005/29/CE sobre práticas comerciais desleais.
- Casos de
litígio por publicidade enganosa e uso indevido de imagem.
Capítulo 8 - Resolução de Litígios e Jurisdição
Transnacional
- Arbitragem internacional: ICC
(International Chamber of Commerce), WIPO Arbitration Center.
- Litígios
de propriedade intelectual: contrafacção, violação de marca, concorrência
desleal.
- Jurisdição
em contratos digitais e plataformas globais.
- Mecanismos
de mediação e conciliação: cláusulas contratuais e centros especializados.
- Reconhecimento
mútuo de decisões arbitrais (Convenção de Nova Iorque de 1958).
Capítulo 9 - Convenções Internacionais Aplicáveis
- Convenção
de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial (1883).
- Convenção
de Berna sobre Direitos de Autor (1886).
- Acordo TRIPS (1994) - OMC.
- Sistema de
Madrid para o Registo Internacional de Marcas.
- Convenção
da Haia sobre Contratos Internacionais.
- Pactos
Internacionais da ONU sobre Direitos Civis e Económicos.
- Convenções
da OIT sobre trabalho digno e protecção infantil.
- Convenção
de Nova Iorque sobre Arbitragem Internacional (1958).
Capítulo 10 - Perspectivas Futuras e
Regulação Global da Moda
- Inteligência artificial e design generativo:
desafios de autoria e protecção jurídica.
- Blockchain e rastreabilidade na cadeia de produção:
transparência e certificação.
- Regulação europeia sobre moda sustentável: Green
Deal e directivas ambientais.
- Propostas de tratado internacional sobre moda ética e
responsabilidade corporativa.
- Papel das universidades, ONGs e consumidores na
transformação jurídica da indústria.
Bibliografia
- Scafidi, S. (2015). Who Owns
Culture? Fashion Law and Intellectual Property. Rutgers University
Press.
- Munhoz Soares, R. (2019). Fashion Law: Direito da
Moda. Almedina.
- Almeida, M. G. S. (2021). A Indústria
Internacional da Moda e os Direitos Humanos. Universidade de Coimbra.
- Pita Leal, A. (2019). Fashion Law: A Relevância
da Proteção Jurídica das Criações da Moda. USP.
- UNCTAD (2022). Global Value
Chains and Fashion Industry.
- OCDE (2021). Due Diligence
Guidance for Responsible Supply Chains in the Garment Sector.
- WIPO (2020). Intellectual
Property and the Fashion Industry.
- Comissão Europeia (2023). Sustainable Textiles Strategy.
- Consumers International (2023).
Global Consumer Trends Report.
Legislação e Convenções Internacionais
- Convenção de Paris (1883)
- Convenção de Berna (1886)
- Acordo TRIPS (1994)
- Sistema de Madrid (1891)
- Convenção da Haia sobre Contratos Internacionais
- Convenção de Nova Iorque sobre Arbitragem (1958)
- Pactos da ONU sobre Direitos Civis e Económicos
- Convenções da OIT: n.º 87, 98, 138, 182
- Diretiva 2005/29/CE - Práticas Comerciais Desleais
- Regulamento (UE) 2017/1001 - Marcas da União
Europeia
- Diretiva (UE) 2019/790 - Direitos de Autor no
Mercado Digital
- Estratégia Europeia para Têxteis Sustentáveis (2022)
Introdução
A moda é uma linguagem universal que transcende
fronteiras culturais, económicas e jurídicas. Mais do que uma expressão
estética, constitui uma indústria global que movimenta milhares de milhões de
dólares, emprega milhões de pessoas e influencia profundamente os padrões de
consumo, produção e comunicação. A sua cadeia de valor é complexa, interligando
criadores, marcas, produtores, distribuidores, plataformas digitais e
consumidores, num ecossistema transnacional marcado por desafios jurídicos
multifacetados. O Direito Internacional da Moda também conhecido como Fashion
Law emerge como ramo jurídico interdisciplinar que articula normas de
propriedade intelectual, direito comercial, laboral, ambiental e dos
consumidores, aplicadas à realidade global da indústria da moda. A sua
consolidação como disciplina autónoma resulta da necessidade de proteger
criações originais, regular práticas comerciais transfronteiriças, garantir
condições laborais dignas e promover uma moda ética e sustentável. Este livro
propõe uma análise sistemática e crítica da regulação jurídica da moda à escala
internacional, com especial atenção às convenções multilaterais, jurisprudência
comparada, práticas comerciais e desafios éticos contemporâneos. A abordagem
adoptada privilegia o rigor jurídico, a utilidade prática e a dimensão
propositiva, com vista à construção de um quadro normativo que responda às
exigências de uma indústria em constante transformação.
CAPÍTULO I
Fundamentos
Jurídicos do Direito da Moda
1.1. Emergência de um ramo jurídico
autónomo
O Direito da Moda começou por se afirmar nos Estados
Unidos, com os trabalhos pioneiros de Susan Scafidi e a criação de cursos universitários
dedicados ao tema. Em contexto europeu e internacional, a disciplina tem vindo
a consolidar-se como resposta às especificidades jurídicas da indústria da
moda, que não se enquadram plenamente nos ramos tradicionais do direito. A moda
envolve criações artísticas, contratos comerciais, relações laborais, práticas
publicitárias e impactos ambientais, exigindo uma abordagem jurídica
transversal e integrada. O Direito da Moda não é apenas uma soma de normas
aplicáveis à indústria têxtil mas também uma construção teórica e prática que
reconhece a singularidade da moda como fenómeno jurídico.
1.2. Interdisciplinaridade e
articulação normativa
O Direito Internacional da Moda articula-se com diversos
ramos jurídicos:
- Direito da
Propriedade Intelectual: protecção de marcas, modelos industriais, direitos
de autor e patentes.
- Direito
Comercial e Contratual: contratos de licenciamento, franchising,
distribuição e colaboração.
- Direito
Laboral:
condições de trabalho na cadeia produtiva global, responsabilidade das
marcas por subcontratação.
- Direito
Ambiental: regulação da sustentabilidade na produção têxtil,
certificações ecológicas.
- Direito do
Consumidor: práticas comerciais, publicidade, e-commerce,
protecção contratual.
- Direito
Internacional Público e Privado: convenções multilaterais, jurisdição, arbitragem,
reconhecimento de decisões.
Esta interdisciplinaridade exige que o jurista da moda
domine não apenas os instrumentos legais, mas também os contextos económicos,
culturais e tecnológicos que moldam a indústria.
1.3. Actores jurídicos da indústria da
moda
A cadeia de valor da moda envolve múltiplos sujeitos
jurídicos:
- Criadores e designers: titulares de direitos de autor e
modelos industriais.
- Marcas e casas de moda: titulares de marcas registadas,
responsáveis pela produção e comercialização.
- Produtores e subcontratados: empresas envolvidas na
confecção, muitas vezes em países em desenvolvimento.
- Distribuidores e retalhistas:
operadores comerciais que colocam os produtos no mercado.
- Plataformas digitais: intermediários tecnológicos que
facilitam o comércio electrónico.
- Consumidores: destinatários finais dos
produtos, titulares de direitos contratuais e de protecção.
- Organizações internacionais: entidades reguladoras e
promotoras de boas práticas (OMPI, OMC, ONU, OCDE).
A interacção entre estes actores gera relações jurídicas
complexas, que exigem regulação clara, eficaz e adaptada à realidade
transnacional.
1.4. Papel das organizações
internacionais
Diversas organizações internacionais desempenham um papel
central na regulação da moda:
- OMPI (Organização Mundial da Propriedade
Intelectual): responsável pela administração de tratados como a
Convenção de Paris e o Sistema de Madrid.
- OMC (Organização Mundial do Comércio): regula o
comércio internacional de produtos de moda, através do Acordo TRIPS e de
regras aduaneiras.
- ONU (Organização das Nações Unidas): promove
os direitos humanos, o trabalho digno e a sustentabilidade na indústria.
- OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico): emite orientações sobre diligência corporativa e
cadeias de abastecimento responsáveis.
- OIT (Organização Internacional do Trabalho):
estabelece normas laborais aplicáveis à produção têxtil.
Estas organizações contribuem para a harmonização
normativa, a protecção dos direitos fundamentais e a promoção de uma moda ética
e sustentável.
CAPÍTULO II
Propriedade
Intelectual e Criações de Moda
2.1. Introdução à protecção jurídica da
criatividade na moda
A indústria da moda é, por natureza, criativa. Cada colecção,
peça, padrão ou acessório resulta de um processo de concepção artística que, em
muitos casos, merece protecção jurídica. A propriedade intelectual constitui o
principal instrumento legal para salvaguardar os direitos dos criadores, das
marcas e das casas de moda, permitindo-lhes controlar o uso, reprodução e
comercialização das suas criações. No plano internacional, a protecção da
propriedade intelectual na moda é assegurada por um conjunto de tratados
multilaterais, convenções regionais e legislações nacionais, que visam garantir
a exclusividade, combater a contrafacção e promover a inovação.
2.2. Direitos de autor na moda
Os direitos de autor protegem obras originais do
espírito, incluindo desenhos, estampagens, fotografias, campanhas publicitárias
e conteúdos digitais associados à moda.
Embora a protecção de peças de vestuário seja limitada dado o seu caráter funcional certos elementos
podem ser tutelados:
- Estampagens artísticas;
- Ilustrações de moda;
- Fotografias editoriais;
- Campanhas visuais;
- Desenhos de acessórios com valor artístico.
A Convenção de Berna (1886), ratificada por mais de 170
países, estabelece o princípio da protecção automática, sem necessidade de
registo formal. No entanto, em muitos ordenamentos jurídicos, o registo
voluntário pode facilitar a prova de autoria e a defesa judicial.
2.3. Marcas registadas e identidade
comercial
As marcas são sinais distintivos que identificam produtos
ou serviços no mercado. Na moda, as marcas desempenham um papel central na
construção da identidade comercial, fidelização do consumidor e valorização
económica.
São exemplos de marcas protegidas:
- Logótipos (ex: Chanel, Nike);
- Nomes comerciais (ex: Prada, Zara);
- Padrões distintivos (ex: xadrez da Burberry);
- Cores específicas (ex: sola vermelha da Louboutin).
A proteção internacional das marcas é assegurada pelo
Sistema de Madrid, administrado pela OMPI, que permite o registo em múltiplos
países através de um único pedido. O Regulamento (UE) 2017/1001 estabelece o
regime das marcas da União Europeia, com protecção uniforme em todos os
Estados-membros.
2.4. Modelos industriais e design de
moda
Os modelos industriais protegem a aparência externa de um
produto, desde que seja nova e tenha caráter singular.
Na moda, esta protecção aplica-se a:
- Cortes e silhuetas inovadoras;
- Estrutura de peças de vestuário;
- Design de acessórios (óculos, malas, calçado);
- Embalagens e etiquetas
distintivas.
A protecção é conferida por registo junto das autoridades
competentes (ex: EUIPO na União Europeia), com duração variável (geralmente até
25 anos). O design não pode ser meramente funcional e deve possuir valor
estético autónomo.
2.5. Patentes e inovação técnica
Embora menos frequente, a moda também pode envolver
inovação técnica suscetível de protecção por patente:
- Tecidos inteligentes (ex: autorreguladores de
temperatura);
- Processos de produção
sustentáveis;
- Mecanismos funcionais em
acessórios.
A patente exige novidade, actividade inventiva e
aplicação industrial. O Acordo TRIPS, da OMC, estabelece normas mínimas de
protecção e procedimentos de registo.
2.6. Contrafacção e pirataria na moda
A contrafacção é uma das principais ameaças à propriedade
intelectual na moda. Envolve a reprodução não autorizada de marcas, modelos ou
designs, com prejuízo para os titulares de direitos e risco para os
consumidores.
Medidas
de combate incluem:
- Acções judiciais por violação de direitos;
- Fiscalização aduaneira e apreensão de produtos
falsificados;
- Campanhas de sensibilização;
- Cooperação internacional entre
autoridades.
Casos
emblemáticos incluem:
- Louboutin
vs. Van Haren (Tribunal de Justiça da UE, 2018);
- Gucci vs.
Forever 21 (EStados Unidos, 2017);
- Louis Vuitton vs. Alibaba
(China, 2015).
2.7. Jurisprudência internacional
relevante
A jurisprudência tem desempenhado um papel decisivo na
definição dos limites da protecção jurídica na moda.
Destacam-se:
- TJUE, C-163/16 - Louboutin: reconhecimento da cor como
elemento distintivo de marca.
- TJUE, C-421/13 - Apple: protecção do design de lojas
como modelo industrial.
- Supremo Tribunal dos Estados Unidos - Star Athletica
vs. Varsity Brands: protecção de elementos decorativos em vestuário
como direitos de autor.
Estas decisões contribuem para a clarificação dos
critérios de protecção e para a harmonização internacional das normas
aplicáveis.
2.8. Conclusão
A propriedade intelectual é o alicerce jurídico da
criatividade na moda. A sua protecção eficaz permite valorizar o trabalho dos
criadores, garantir a autenticidade dos produtos e promover a inovação. No
contexto internacional, a articulação entre tratados multilaterais, legislação
nacional e jurisprudência comparada é essencial para assegurar uma tutela
adequada e combater a contrafacção. Nos capítulos seguintes, serão analisados
os contratos internacionais, as condições laborais na cadeia produtiva, os
desafios da sustentabilidade e os mecanismos de resolução de litígios, completando
o quadro jurídico global da indústria da moda.
CAPÍTULO III
Contratos
Internacionais na Indústria da Moda
3.1. Introdução
A indústria da moda opera num contexto globalizado, onde
as relações comerciais entre criadores, marcas, produtores, distribuidores e
plataformas digitais são formalizadas por contratos transfronteiriços. Estes
contratos regulam a produção, distribuição, licenciamento, representação e
colaboração entre os diversos intervenientes da cadeia de valor. A sua redacção
e execução exigem atenção jurídica especializada, sobretudo no que respeita à
escolha da lei aplicável, jurisdição competente, cláusulas de propriedade
intelectual e mecanismos de resolução de litígios. Este capítulo analisa os
principais tipos de contratos utilizados na indústria da moda, os riscos
jurídicos associados e os instrumentos internacionais que regulam a sua
validade e eficácia.
3.2. Contratos de licenciamento
O licenciamento é uma prática comum na moda, permitindo
que o titular de uma marca ou design autorize terceiros a utilizar os seus
direitos de propriedade intelectual em determinados territórios ou categorias
de produto.
Exemplos
típicos incluem:
- Licenciamento de marcas para produção de perfumes,
óculos ou acessórios;
- Licenciamento de estampagens ou padrões para colecções
cápsula;
- Licenciamento de imagem de celebridades ou
influenciadores.
Estes contratos devem conter cláusulas claras sobre:
- Objecto do licenciamento (marca, design, imagem);
- Território e duração;
- Remuneração (royalties, taxas
fixas);
- Garantias de qualidade e conformidade;
- Resolução de litígios e cláusulas de arbitragem.
3.3. Contratos de franchising
O franchising permite a expansão de marcas de moda
através de parceiros locais que operam lojas sob a identidade da marca. Este
modelo é comum em centros comerciais, aeroportos e zonas comerciais de luxo.
Elementos essenciais do contrato de franchising:
- Concessão
de uso da marca e know-how;
- Formação e apoio técnico;
- Padrões de
qualidade e visual merchandising;
- Condições
financeiras (taxa de entrada, royalties, margens);
- Exclusividade territorial;
- Duração e renovação;
- Resolução contratual e
penalidades.
A legislação nacional e os tratados internacionais, como
a Convenção da Haia sobre contratos internacionais, regulam a validade e
execução destes contratos.
3.4. Contratos de distribuição e
representação
A distribuição internacional de produtos de moda exige
contratos que definam os direitos e obrigações dos distribuidores e
representantes comerciais.
Estes
contratos devem prever:
- Condições de fornecimento e logística;
- Preços, descontos e margens;
- Responsabilidade por stocks e devoluções;
- Exclusividade ou não
exclusividade;
- Obrigações promocionais;
- Jurisdição e lei aplicável.
A escolha da jurisdição é particularmente relevante em
caso de litígio, devendo ser ponderada em função da localização das partes, do
mercado-alvo e da existência de tratados bilaterais.
3.5. Acordos de colaboração e
co-branding
A moda contemporânea é marcada por colaborações entre
marcas, criadores, artistas e influenciadores. Estes acordos, muitas vezes
informais, devem ser formalizados juridicamente para evitar litígios futuros.
Elementos
a considerar:
- Propriedade intelectual das criações conjuntas;
- Direitos de imagem e comunicação;
- Remuneração e partilha de receitas;
- Duração e exclusividade;
- Resolução de litígios.
Exemplos incluem colaborações entre marcas de luxo e
desportivas (ex: Louis Vuitton x Nike), ou entre designers e plataformas
digitais.
3.6. Cláusulas contratuais críticas
Nos contratos internacionais de moda, certas cláusulas
são particularmente sensíveis:
- Cláusula de jurisdição: define o tribunal competente em
caso de litígio.
- Cláusula de arbitragem: permite a resolução
extrajudicial de conflitos.
- Cláusula de confidencialidade: protege
informações comerciais e técnicas.
- Cláusula de força maior: regula situações imprevistas
(pandemias, guerra, bloqueios logísticos).
- Cláusula de propriedade intelectual: define
os direitos sobre marcas, designs e criações conjuntas.
A redacção destas cláusulas deve respeitar os princípios
da boa-fé, equilíbrio contratual e conformidade com os tratados internacionais
aplicáveis.
3.7. Direito aplicável e conflitos de
leis
Nos contratos internacionais, a escolha da lei aplicável
é determinante.
As partes podem optar por:
- A lei do país do fornecedor;
- A lei do país do comprador;
- A lei de um país neutro (ex: Suíça, Singapura);
- A aplicação de princípios de direito internacional
privado.
A Convenção de Roma I (Regulamento (CE) n.º 593/2008)
estabelece regras sobre a escolha da lei aplicável aos contratos na União
Europeia. Fora da UE, aplicam-se os princípios da Convenção da Haia e do Acordo
TRIPS.
3.8. Arbitragem e resolução de litígios
A arbitragem internacional é o mecanismo preferencial de
resolução de litígios na moda, pela sua confidencialidade, celeridade e
especialização.
Instituições
relevantes:
- ICC (International Chamber of
Commerce);
- WIPO Arbitration and Mediation
Center;
- LCIA (London Court of
International Arbitration).
As cláusulas arbitrais devem ser claras, completas e
compatíveis com a legislação aplicável. A Convenção de Nova Iorque (1958)
assegura o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais em mais de 160
países.
3.9. Conclusão
Os contratos internacionais são o alicerce jurídico das
relações comerciais na indústria da moda. A sua redacção exige rigor técnico,
sensibilidade cultural e conhecimento dos instrumentos internacionais
aplicáveis. A protecção da propriedade intelectual, a definição clara de
obrigações e a escolha adequada de mecanismos de resolução de litígios são
essenciais para garantir a segurança jurídica e a sustentabilidade das
parcerias comerciais. Nos capítulos seguintes, será analisada a dimensão
laboral da cadeia produtiva, os desafios da sustentabilidade e os direitos dos
consumidores, completando o quadro jurídico global da moda.
CAPÍTULO IV
Direito Laboral
e Cadeia Global de Produção
4.1. Introdução
A indústria da moda depende de uma cadeia produtiva
global que envolve milhões de trabalhadores, sobretudo em países em
desenvolvimento. A produção têxtil e de vestuário é frequentemente
subcontratada a fábricas localizadas em regiões com baixos custos laborais, o
que levanta sérias questões jurídicas e éticas quanto às condições de trabalho,
à responsabilidade das marcas e à aplicação das normas internacionais do trabalho.
Este capítulo analisa o enquadramento jurídico do trabalho na indústria da
moda, com especial atenção às convenções da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), aos mecanismos de responsabilidade corporativa e aos desafios
da fiscalização em cadeias de abastecimento complexas e transfronteiriças.
4.2. Estrutura da cadeia produtiva na
moda
A cadeia de produção da moda é composta por múltiplos
níveis:
- Produção de matérias-primas (algodão, lã, fibras
sintéticas);
- Fiação e tecelagem;
- Confecção de peças de vestuário;
- Acabamentos e embalamento;
- Transporte e distribuição.
Cada etapa pode ser realizada por empresas distintas,
frequentemente localizadas em diferentes países. Esta fragmentação dificulta a
fiscalização e a responsabilização jurídica, sobretudo quando ocorrem violações
laborais em unidades subcontratadas.
4.3. Condições laborais e riscos
jurídicos
As principais violações laborais na indústria da moda
incluem:
- Jornadas
excessivas e ausência de descanso semanal;
- Salários
abaixo do mínimo legal;
- Trabalho infantil e forçado;
- Ambientes insalubres e
inseguros;
- Discriminação e assédio.
Casos
emblemáticos:
- Rana Plaza (Bangladesh, 2013): colapso
de edifício com mais de mil mortos, revelando negligência estrutural e
ausência de fiscalização.
- Fábricas clandestinas em Itália e Brasil:
exploração de migrantes em condições degradantes.
Estes casos demonstram a necessidade de responsabilizar
juridicamente as marcas que beneficiam da produção, mesmo quando realizada por
terceiros.
4.4. Normas internacionais aplicáveis
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece
convenções fundamentais que devem ser respeitadas por todos os Estados-membros
e empresas:
- Convenção n.º 87: liberdade sindical.
- Convenção n.º 98: direito à negociação colectiva.
- Convenção n.º 138: idade mínima para admissão ao
emprego.
- Convenção n.º 182: proibição das piores formas de
trabalho infantil.
- Convenção n.º 155: segurança e saúde no trabalho.
Estes instrumentos constituem o núcleo duro dos direitos
laborais, reconhecidos como universais e inderrogáveis.
4.5. Responsabilidade das marcas e due
diligence
As marcas de moda têm o dever de exercer diligência sobre
as suas cadeias de abastecimento, identificando riscos, prevenindo violações e
remediando impactos negativos.
Este dever é consagrado em instrumentos como:
- Orientações da OCDE para Empresas Multinacionais;
- Guia de Diligência da OCDE para Cadeias Responsáveis
no Sector Têxtil;
- Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e
Direitos Humanos.
A
diligência inclui:
- Auditorias laborais regulares;
- Transparência contratual com
subcontratados;
- Formação e capacitação;
- Mecanismos de queixa e reparação.
O incumprimento pode gerar responsabilidade civil,
reputacional e, em certos casos, penal.
4.6. Legislação nacional e iniciativas
regionais
Diversos países e blocos regionais têm adoptado
legislação que obriga as empresas a garantir o respeito pelos direitos laborais
nas suas cadeias de produção:
- França: Lei n.º 2017-399 sobre dever de vigilância das
empresas-mãe.
- Alemanha: Lei da Cadeia de Abastecimento
(Lieferkettengesetz, 2021).
- União Europeia: Proposta de Directiva sobre
Diligência Corporativa Sustentável (2022).
Estas normas impõem obrigações concretas às empresas,
incluindo a publicação de relatórios, a realização de auditorias e a
responsabilização por violações cometidas por fornecedores.
4.7. Certificações laborais e boas
práticas
Existem certificações que atestam o cumprimento de normas
laborais na produção de moda:
- Fair Trade: comércio justo e condições dignas.
- SA8000: norma internacional de responsabilidade social.
- WRAP (Worldwide Responsible
Accredited Production):
certificação ética para fábricas.
Estas certificações são voluntárias, mas cada vez mais
exigidas por consumidores, retalhistas e investidores.
4.8. Fiscalização e desafios
operacionais
A fiscalização das condições laborais enfrenta obstáculos
significativos:
- Omissão contratual de
responsabilidade;
- Falta de acesso a fábricas subcontratadas;
- Barreiras linguísticas e
culturais;
- Resistência local à intervenção externa.
A
solução passa por:
- Parcerias com ONGs e sindicatos locais;
- Transparência na cadeia de fornecimento;
- Publicação de listas de fornecedores;
- Inclusão de cláusulas laborais nos contratos.
4.9. Conclusão
O Direito Laboral é um pilar essencial do Direito
Internacional da Moda. A protecção dos trabalhadores da cadeia produtiva não é
apenas uma exigência ética mas uma obrigação jurídica que decorre de tratados
internacionais, legislação nacional e princípios de responsabilidade
empresarial. As marcas devem assumir um papel activo na promoção de condições
dignas, na prevenção de abusos e na construção de uma indústria da moda justa e
sustentável. Nos capítulos seguintes, será analisada a regulação ambiental, a
responsabilidade corporativa e os direitos dos consumidores, completando o
quadro jurídico global da moda.
CAPÍTULO V
Sustentabilidade,
Direitos Humanos e Moda Ética
5.1. Introdução
A indústria da moda é uma das mais poluentes e socialmente
controversas do mundo. O seu impacto ambiental, a exploração laboral em países
produtores e a cultura do consumo rápido (fast fashion) colocam em causa
princípios fundamentais de justiça, dignidade e responsabilidade. O Direito
Internacional da Moda deve, por isso, integrar uma dimensão ética e
sustentável, promovendo práticas empresariais que respeitem os direitos
humanos, protejam o ambiente e assegurem transparência na cadeia de valor. Este
capítulo analisa os instrumentos jurídicos que regulam a sustentabilidade na
moda, os mecanismos de certificação ética, os deveres das empresas e as
propostas de regulação internacional para uma moda mais justa.
5.2. Impacto ambiental da indústria da
moda
A produção têxtil é responsável por:
- Cerca de 10% das emissões globais de carbono;
- Consumo intensivo de água (ex: produção de algodão);
- Poluição de rios e oceanos por corantes e
microfibras;
- Desperdício têxtil em larga escala (milhões de
toneladas por ano).
Estes impactos exigem regulação ambiental eficaz, com
normas sobre:
- Uso de químicos e tintas;
- Tratamento de águas residuais;
- Eficiência energética;
- Reciclagem e economia circular.
5.3. Certificações internacionais de sustentabilidade
Diversas certificações atestam o cumprimento de normas
ambientais e sociais:
- GOTS
(Global Organic Textile Standard): certifica tecidos orgânicos e
práticas sustentáveis.
- OEKO-TEX: garante
ausência de substâncias nocivas em produtos têxteis.
- Fair Trade: assegura
condições laborais justas e comércio ético.
- Cradle to
Cradle: promove
design circular e reutilização de materiais.
Estas certificações são voluntárias, mas cada vez mais
exigidas por consumidores, retalhistas e investidores.
5.4. Dever de diligência e
responsabilidade corporativa
As empresas da moda têm o dever jurídico de exercer
diligência sobre os impactos ambientais e sociais das suas operações.
Este dever inclui:
- Identificação
de riscos ambientais e laborais;
- Implementação de medidas
preventivas;
- Monitorização contínua;
- Comunicação transparente;
- Reparação de danos causados.
Instrumentos
relevantes:
- Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e
Direitos Humanos;
- Orientações da OCDE para Cadeias Responsáveis no Sector
Têxtil;
- Directiva Europeia sobre Diligência Corporativa
Sustentável (proposta de 2022).
5.5. Legislação europeia sobre moda
sustentável
A União Europeia tem liderado a regulação da moda
sustentável:
- Estratégia Europeia para Têxteis Sustentáveis e
Circulares (2022): visa reduzir o impacto ambiental, promover a
durabilidade dos produtos e combater o greenwashing.
- Regulamento sobre Ecodesign: estabelece requisitos mínimos de
sustentabilidade para produtos têxteis.
- Directiva sobre Informação ao Consumidor: obriga à
divulgação de dados sobre origem, composição e impacto ambiental.
Estas normas têm efeito extraterritorial, influenciando
práticas empresariais em países exportadores.
5.6. Direitos humanos e moda ética
A moda ética implica o respeito pelos direitos humanos em
toda a cadeia de valor:
- Proibição de trabalho infantil e forçado;
- Igualdade de género e não discriminação;
- Liberdade sindical e negociação colectiva;
- Segurança e saúde no trabalho;
- Remuneração justa.
A violação destes direitos pode gerar responsabilidade
jurídica, sanções comerciais e danos reputacionais. A integração de cláusulas
sociais nos contratos e a colaboração com ONGs e sindicatos são práticas
recomendadas.
5.7. Transparência e rastreabilidade
A rastreabilidade permite conhecer a origem dos produtos,
os processos utilizados e os intervenientes envolvidos.
Ferramentas tecnológicas como o blockchain estão a ser
utilizadas para:
- Registar cada etapa da produção;
- Verificar certificações;
- Prevenir fraudes;
- Informar o consumidor.
A transparência é um princípio jurídico e ético que
reforça a confiança e permite escolhas informadas.
5.8. Papel dos consumidores e da
sociedade civil
Os consumidores têm um papel activo na promoção da moda
ética:
- Escolhas conscientes e
informadas;
- Preferência por marcas
sustentáveis;
- Rejeição de práticas abusivas;
- Participação em campanhas e movimentos sociais.
A sociedade civil, incluindo universidades, ONGs e
jornalistas, contribui para a fiscalização, a educação e a transformação
cultural da indústria.
5.9. Propostas de regulação
internacional
Diversas propostas têm sido apresentadas para reforçar a
regulação global da moda:
- Tratado internacional sobre moda ética e
sustentável;
- Criação de um organismo multilateral de supervisão;
- Harmonização de certificações e normas técnicas;
- Inclusão da moda nas agendas climáticas e de
direitos humanos da ONU.
Estas propostas visam superar a fragmentação normativa e
garantir uma tutela eficaz à escala global.
5.10. Conclusão
A sustentabilidade e os direitos humanos são dimensões
essenciais do Direito Internacional da Moda. A regulação jurídica deve promover
uma indústria que respeite o ambiente, valorize o trabalho humano e assegure
transparência em todas as etapas da produção. A moda ética não é apenas uma
tendência mas uma exigência jurídica, social e civilizacional. Nos capítulos
seguintes, será analisada a regulação do comércio internacional, os direitos
dos consumidores e os mecanismos de resolução de litígios, completando o quadro
jurídico global da moda.
CAPÍTULO VI
Comércio
Internacional, Alfândega e Regulação Aduaneira
6.1. Introdução
A moda é uma das indústrias mais globalizadas do mundo.
As matérias-primas são cultivadas num continente, os produtos são
confeccionados noutro, e comercializados em múltiplos mercados através de
canais físicos e digitais. Esta circulação transfronteiriça de bens exige uma
regulação jurídica robusta, que articule normas de comércio internacional,
regras aduaneiras, acordos bilaterais e tratados multilaterais. Este capítulo
analisa os principais instrumentos jurídicos que regulam o comércio
internacional de produtos de moda, com especial atenção à classificação pautal,
às barreiras tarifárias e não tarifárias, às regras de origem e aos mecanismos
de certificação e conformidade.
6.2. Classificação pautal e
nomenclatura aduaneira
A classificação pautal dos produtos de moda é essencial
para determinar os direitos aduaneiros aplicáveis, os requisitos de importação
e os procedimentos alfandegários. A nomenclatura utilizada baseia-se no Sistema
Harmonizado (HS), desenvolvido pela Organização Mundial das Alfândegas (OMA),
que atribui códigos específicos a cada tipo de produto.
Exemplos:
- Vestuário feminino de malha: código HS 6104.
- Calçado de couro: código HS 6403.
- Acessórios de moda: códigos diversos, consoante o
material e a função.
A correcta classificação é da responsabilidade do
exportador e do importador, podendo ser objecto de fiscalização e sanções em
caso de erro ou fraude.
6.3. Direitos aduaneiros e tarifas
Os produtos de moda estão sujeitos a direitos aduaneiros
que variam consoante o país de destino, o tipo de produto e os acordos
comerciais em vigor.
Estes
direitos podem ser:
- Ad valorem: percentagem sobre o valor declarado.
- Específicos: valor fixo por unidade ou peso.
- Combinados: conjugação de ambos.
A União Europeia, por exemplo, aplica tarifas
diferenciadas a produtos têxteis e de vestuário, com base na origem e na
classificação pautal. Os acordos comerciais podem reduzir ou eliminar estas
tarifas.
6.4. Acordos comerciais bilaterais e
multilaterais
Os acordos comerciais regulam o acesso aos mercados e a
aplicação de tarifas preferenciais.
Exemplos
relevantes:
- Acordo EU-Vietname: liberalização progressiva do
comércio de vestuário.
- Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA): regras
específicas para produtos têxteis.
- Mercosul-UE (em negociação): impacto potencial na indústria
brasileira e europeia.
- Parceria Económica Regional Abrangente (RCEP): inclui
países asiáticos com forte produção têxtil.
Estes acordos incluem cláusulas sobre regras de origem,
certificação, conformidade técnica e resolução de litígios.
6.5. Barreiras não tarifárias
Além das tarifas, os produtos de moda enfrentam barreiras
não tarifárias que podem dificultar o comércio internacional:
- Requisitos técnicos e normas de segurança;
- Certificações ambientais e
sociais;
- Rotulagem obrigatória (composição, origem,
cuidados);
- Licenças de importação;
- Contingentes e quotas.
Estas barreiras devem respeitar os princípios da
Organização Mundial do Comércio (OMC), nomeadamente a não discriminação e a
proporcionalidade.
6.6. Regras de origem e certificação
As regras de origem determinam se um produto pode
beneficiar de tarifas preferenciais ao abrigo de um acordo comercial.
Existem
dois tipos principais:
- Origem
preferencial: produtos que cumprem os critérios de um acordo
específico.
- Origem não
preferencial: utilizada para fins estatísticos, sanções ou
medidas de defesa comercial.
A certificação de origem é feita através de documentos
como:
- Certificado EUR.1 (União
Europeia);
- Formulário A (Sistema de Preferências
Generalizadas);
- Declarações de origem em factura.
O incumprimento pode levar à aplicação de tarifas plenas,
sanções e apreensão de mercadorias.
6.7. Fiscalização aduaneira e combate à
contrafacção
As autoridades aduaneiras desempenham um papel crucial na
protecção da propriedade intelectual e na segurança dos consumidores.
Medidas incluem:
- Registo de marcas e designs junto das alfândegas;
- Apreensão de produtos
contrafeitos;
- Cooperação internacional entre serviços aduaneiros;
- Utilização de tecnologias de rastreio e verificação.
A legislação europeia e o Acordo TRIPS da OMC estabelecem
normas mínimas para a actuação aduaneira contra a contrafacção.
6.8. Comércio electrónico e desafios
aduaneiros
O crescimento do comércio electrónico de moda levanta
novos desafios:
- Envio de pequenas encomendas por correio ou courier;
- Dificuldade de fiscalização
individual;
- Subdeclaração de valores;
- Evasão fiscal e aduaneira.
As autoridades têm vindo a adaptar os procedimentos, com
medidas como:
- Registo obrigatório de plataformas digitais;
- Aplicação de IVA e direitos aduaneiros a encomendas
de baixo valor;
- Cooperação com operadores
logísticos.
6.9. Conclusão
O comércio internacional da moda é regulado por um
conjunto complexo de normas pautais, acordos comerciais, regras de origem e
procedimentos aduaneiros. A sua compreensão é essencial para garantir a
conformidade legal, optimizar os custos e proteger os direitos de propriedade
intelectual. O jurista da moda deve dominar estes instrumentos e acompanhar as
evoluções legislativas e comerciais que moldam o acesso aos mercados globais. Nos
capítulos seguintes, será analisada a regulação da publicidade, os direitos dos
consumidores e os mecanismos de resolução de litígios, completando o quadro
jurídico global da moda.
CAPÍTULO VII
Publicidade,
Influência Digital e Direito do Consumidor
7.1. Introdução
A comunicação é um dos pilares da indústria da moda. A
forma como os produtos são apresentados, promovidos e vendidos influencia directamente
o comportamento dos consumidores e a reputação das marcas. Com o advento das
redes sociais e do comércio electrónico, surgiram novas formas de publicidade,
protagonizadas por influenciadores digitais, campanhas interactivas e
algoritmos de segmentação. Esta evolução exige uma regulação jurídica que
proteja os consumidores, assegure a transparência comercial e responsabilize os
intervenientes. Este capítulo analisa o enquadramento jurídico da publicidade
na moda, os contratos com influenciadores, os direitos dos consumidores em
ambiente digital e os mecanismos de fiscalização e sanção.
7.2. Regulação da publicidade comercial
A publicidade de moda está sujeita a normas que visam
garantir:
- Veracidade das informações;
- Transparência quanto à natureza comercial;
- Protecção contra práticas enganosas ou agressivas;
- Respeito pelos direitos de imagem e autor.
Na União Europeia, a Directiva 2005/29/CE sobre
práticas comerciais desleais estabelece critérios para avaliar a licitude da
publicidade, incluindo:
- Omissão de informações
essenciais;
- Apresentação enganosa de características do produto;
- Criação de falsas expectativas;
- Pressão psicológica ou
manipulação.
Estas normas aplicam-se tanto à publicidade tradicional
como à digital.
7.3. Influenciadores digitais e
contratos de colaboração
Os influenciadores digitais tornaram-se protagonistas da
comunicação de moda.
A sua actuação é regulada por contratos que devem prever:
- Remuneração (fixa, variável,
comissões);
- Direitos de imagem e propriedade intelectual;
- Duração e exclusividade;
- Obrigações de transparência (identificação de
conteúdo patrocinado);
- Penalizações por incumprimento.
A legislação exige que os conteúdos patrocinados sejam
claramente identificados como tal, através de etiquetas como “#pub”,
“#parceria” ou “#patrocinado”. A omissão pode configurar publicidade enganosa e
dar origem a sanções administrativas.
7.4. Comércio electrónico e protecção
do consumidor
O comércio electrónico de moda levanta questões jurídicas
específicas:
- Direito de arrependimento (mínimo de 14 dias na UE);
- Garantia legal de conformidade (mínimo de 2 anos);
- Informação pré-contratual clara e acessível;
- Meios de pagamento seguros;
- Protecção de dados pessoais.
A Directiva 2011/83/UE sobre direitos dos
consumidores regula estas matérias, impondo obrigações às plataformas digitais
e aos vendedores. O incumprimento pode gerar responsabilidade civil e
administrativa.
7.5. Publicidade enganosa e práticas
abusivas
A publicidade enganosa na moda pode assumir várias
formas:
- Falsas promoções (ex: preços inflacionados antes de
descontos);
- Imagens manipuladas ou irreais;
- Testemunhos fictícios;
- Omissão de riscos ou limitações.
As autoridades de defesa do consumidor têm competência
para:
- Fiscalizar campanhas
publicitárias;
- Aplicar coimas e sanções;
- Ordenar a retirada de conteúdos;
- Publicar contra-informações.
Casos emblemáticos incluem campanhas de marcas que
utilizaram modelos excessivamente retocados ou que omitiram informações relevantes
sobre sustentabilidade.
7.6. Direitos de imagem e autor na
comunicação da moda
A utilização de imagens de pessoas, obras artísticas ou
designs na publicidade exige autorização expressa dos titulares dos direitos.
A
violação pode configurar:
- Usurpação de imagem;
- Violação de direitos de autor;
- Concorrência desleal.
Os
contratos devem prever:
- Âmbito da autorização (território, duração, meios);
- Remuneração;
- Limitações e revogação.
A jurisprudência tem reconhecido o direito à protecção da
imagem como direito fundamental, mesmo em contexto comercial.
7.7. Fiscalização e entidades
competentes
A fiscalização da publicidade e da protecção do
consumidor é assegurada por entidades como:
- Autoridades
nacionais de defesa do consumidor;
- Entidades
reguladoras da comunicação social;
- Comissões de ética publicitária;
- Tribunais civis e
administrativos.
Estas entidades actuam mediante denúncia, fiscalização
proactiva ou cooperação internacional, especialmente em casos de publicidade
transfronteiriça.
7.8. Responsabilidade civil e penal
A violação das normas de publicidade e protecção do
consumidor pode gerar:
- Responsabilidade civil por danos patrimoniais e
morais;
- Sanções administrativas (coimas, interdição de actividade);
- Responsabilidade penal em casos de fraude ou
falsificação.
As marcas, influenciadores e plataformas digitais podem
ser responsabilizados solidariamente, consoante o grau de envolvimento e culpa.
7.9. Conclusão
A publicidade e a comunicação digital são áreas sensíveis
do Direito Internacional da Moda. A sua regulação visa proteger os
consumidores, garantir a transparência comercial e responsabilizar os
intervenientes. O jurista da moda deve dominar as normas aplicáveis, acompanhar
as evoluções tecnológicas e promover práticas éticas e conformes com os direitos
fundamentais. Nos capítulos seguintes, será analisada a resolução de litígios,
as convenções internacionais aplicáveis e as perspectivas futuras da regulação
global da moda.
CAPÍTULO VIII
Resolução de
Litígios e Jurisdição Transnacional
8.1. Introdução
A indústria da moda, pela sua natureza global e
multifacetada, está sujeita a litígios que podem envolver propriedade
intelectual, contratos internacionais, responsabilidade civil, direitos
laborais e práticas comerciais. A resolução eficaz destes litígios exige
mecanismos jurídicos adaptados à realidade transnacional, capazes de assegurar
celeridade, imparcialidade e reconhecimento internacional das decisões. Este
capítulo analisa os principais instrumentos de resolução de litígios na moda,
com destaque para a arbitragem internacional, os tribunais competentes, os
mecanismos de mediação e conciliação, e os tratados que regulam o
reconhecimento de decisões estrangeiras.
8.2. Tipologia de litígios na moda
Os litígios mais comuns na indústria da moda incluem:
- Violação de direitos de propriedade intelectual
(contrafacção, usurpação de marca, plágio);
- Incumprimento contratual (licenciamento,
distribuição, colaboração);
- Litígios laborais (subcontratação, condições de
trabalho);
- Responsabilidade civil por publicidade enganosa ou
defeitos de produto;
- Conflitos entre marcas e influenciadores digitais;
- Litígios entre consumidores e plataformas de
e-commerce.
A diversidade de matérias exige soluções jurídicas
especializadas e flexíveis.
8.3. Arbitragem internacional
A arbitragem é o mecanismo preferencial de resolução de
litígios na moda, especialmente em contratos internacionais.
As
suas vantagens incluem:
- Confidencialidade;
- Celeridade processual;
- Especialização dos árbitros;
- Reconhecimento internacional
das decisões.
Instituições
relevantes:
- ICC (International Chamber of Commerce): oferece
regras de arbitragem amplamente utilizadas em contratos comerciais.
- WIPO Arbitration and Mediation Center:
especializado em litígios de propriedade intelectual.
- LCIA (London Court of International Arbitration):
reconhecida pela sua neutralidade e eficiência.
As cláusulas arbitrais devem ser redigidas com precisão,
indicando:
- Instituição arbitral;
- Número de árbitros;
- Local da arbitragem;
- Língua do processo;
- Direito aplicável.
8.4. Mediação e conciliação
A mediação e a conciliação são mecanismos extrajudiciais
que visam resolver litígios de forma consensual, com apoio de um terceiro
imparcial.
São
especialmente úteis em:
- Conflitos entre marcas e criadores;
- Litígios laborais;
- Disputas entre consumidores e empresas.
Vantagens:
- Menor custo;
- Preservação das relações
comerciais;
- Flexibilidade processual.
Instituições como a WIPO e a ICC oferecem serviços de
mediação adaptados à indústria da moda.
8.5. Jurisdição e conflitos de leis
Nos litígios transnacionais, a determinação da jurisdição
competente e da lei aplicável é crucial.
Os contratos devem prever cláusulas claras sobre:
- Tribunal competente (ex: tribunais do país da marca
ou do distribuidor);
- Direito aplicável (ex: direito francês, italiano,
inglês);
- Reconhecimento de decisões
estrangeiras.
Instrumentos
relevantes:
- Convenção de Bruxelas I (Regulamento (UE) n.º
1215/2012): regula a jurisdição e o reconhecimento de decisões
na UE.
- Convenção da Haia sobre Contratos Internacionais:
estabelece princípios de escolha da lei aplicável.
- Convenção de Nova Iorque (1958): assegura
o reconhecimento de sentenças arbitrais em mais de 160 países.
8.6. Litígios de propriedade
intelectual
A protecção da propriedade intelectual na moda é
frequentemente objecto de litígio, envolvendo:
- Contrafacção de marcas e designs;
- Uso indevido de imagem;
- Plágio de estampagens ou colecções;
- Concorrência desleal.
Estes litígios podem ser resolvidos por:
- Tribunais civis especializados;
- Arbitragem (WIPO, ICC);
- Acções administrativas (ex: EUIPO, INPI).
A prova da titularidade dos direitos, a demonstração da
violação e a quantificação dos danos são elementos essenciais do processo.
8.7. Litígios de consumo e comércio electrónico
Os consumidores podem recorrer a mecanismos de resolução
de litígios em caso de:
- Produtos defeituosos;
- Publicidade enganosa;
- Incumprimento de garantias;
- Problemas com devoluções ou reembolsos.
Instrumentos
disponíveis:
- Plataforma Europeia de Resolução de Litígios em
Linha (ODR);
- Centros de arbitragem de consumo;
- Tribunais civis e
administrativos.
As empresas devem disponibilizar informação clara sobre
os meios de resolução de litígios e cooperar com as entidades competentes.
8.8. Reconhecimento e execução de
decisões estrangeiras
A eficácia das decisões judiciais e arbitrais depende do
seu reconhecimento nos países onde se pretende executar.
Instrumentos
relevantes:
- Convenção de Nova Iorque (1958):
reconhecimento de sentenças arbitrais.
- Convenção de Bruxelas I: reconhecimento de decisões
judiciais na UE.
- Convenção da Haia: princípios de cooperação
judicial internacional.
O reconhecimento pode ser recusado em casos de:
- Violação da ordem pública;
- Ausência de contraditório;
- Incompetência do tribunal de origem.
8.9. Conclusão
A resolução de litígios na moda exige mecanismos
jurídicos adaptados à sua dimensão internacional, à diversidade de matérias e à
necessidade de celeridade e especialização. A arbitragem, a mediação e os
tratados de reconhecimento são instrumentos essenciais para assegurar justiça,
previsibilidade e segurança jurídica. O jurista da moda deve dominar estas
ferramentas e promover cláusulas contratuais claras e eficazes. Nos capítulos
seguintes, será analisado o enquadramento das convenções internacionais
aplicáveis e as perspectivas futuras da regulação global da moda.
CAPÍTULO IX
Convenções
Internacionais Aplicáveis
9.1. Introdução
A regulação jurídica da moda à escala internacional
depende da articulação entre legislações nacionais e convenções multilaterais
que estabelecem normas comuns em matéria de propriedade intelectual, contratos,
comércio, direitos humanos e resolução de litígios. Estas convenções constituem
o alicerce jurídico que permite proteger criações, garantir condições laborais
dignas, facilitar o comércio e assegurar a eficácia das decisões judiciais e
arbitrais. Este capítulo apresenta as principais convenções internacionais
aplicáveis à indústria da moda, com destaque para os seus objectivos, conteúdos
normativos e impacto prático.
9.2. Convenção de Paris para a Protecção
da Propriedade Industrial (1883)
A Convenção de Paris é um dos tratados fundadores da
protecção internacional da propriedade industrial.
Aplicável a marcas, patentes, modelos industriais e
indicações geográficas, estabelece princípios como:
- Direito de prioridade
internacional;
- Tratamento nacional dos
estrangeiros;
- Protecção contra concorrência
desleal.
É administrada pela Organização Mundial da Propriedade
Intelectual (OMPI) e ratificada por mais de 170 países.
9.3. Convenção de Berna sobre Direitos
de Autor (1886)
A Convenção de Berna protege obras literárias e
artísticas, incluindo desenhos, fotografias, ilustrações e campanhas
publicitárias.
Estabelece:
- Protecção automática sem necessidade de registo;
- Direitos morais e patrimoniais;
- Duração mínima de protecção (geralmente 50 anos após
a morte do autor).
É fundamental para a tutela das criações visuais na moda.
9.4. Acordo TRIPS (1994) - OMC
O Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade
Intelectual Relacionados com o Comércio (TRIPS) integra o sistema da
Organização Mundial do Comércio (OMC) e estabelece normas mínimas de protecção
para:
- Marcas;
- Patentes;
- Direitos de autor;
- Modelos industriais;
- Indicações geográficas.
Inclui mecanismos de resolução de litígios e sanções
comerciais em caso de incumprimento.
9.5. Sistema de Madrid para o Registo
Internacional de Marcas
O Sistema de Madrid permite o registo de marcas em
múltiplos países através de um único pedido, simplificando o processo e
reduzindo custos.
É administrado pela OMPI e regido por:
- Acordo de Madrid (1891);
- Protocolo de Madrid (1989).
É amplamente utilizado por marcas de moda com presença
internacional.
9.6. Convenção da Haia sobre Contratos
Internacionais
A Convenção da Haia estabelece princípios sobre a escolha
da lei aplicável aos contratos internacionais, incluindo:
- Autonomia das partes;
- Previsibilidade jurídica;
- Reconhecimento da lei escolhida, mesmo que não seja
a de um Estado contratante.
É relevante para contratos de licenciamento, franchising,
distribuição e colaboração na moda.
9.7. Convenção de Nova Iorque sobre
Arbitragem Internacional (1958)
Esta convenção assegura o reconhecimento e execução de
sentenças arbitrais estrangeiras em mais de 160 países.
Estabelece:
- Requisitos formais da convenção arbitral;
- Motivos limitados para recusa de reconhecimento;
- Cooperação judicial
internacional.
É essencial para a eficácia da arbitragem na resolução de
litígios na moda.
9.8. Pactos Internacionais da ONU sobre
Direitos Humanos
Os Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos
(1966) e sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966) consagram
direitos fundamentais aplicáveis à indústria da moda, incluindo:
- Direito ao trabalho digno;
- Proibição de trabalho forçado e infantil;
- Liberdade de expressão e criação artística;
- Direito à protecção contra discriminação.
Estes pactos orientam a actuação das empresas e dos
Estados na promoção de uma moda ética.
9.9. Convenções da OIT sobre Trabalho
Digno
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece
convenções que regulam as condições laborais na cadeia produtiva da moda.
Destacam-se:
- Convenção n.º 87: liberdade sindical;
- Convenção n.º 98: negociação colectiva;
- Convenção n.º 138: idade mínima;
- Convenção n.º 182: proibição das piores formas de
trabalho infantil;
- Convenção n.º 190: combate ao assédio no trabalho.
Estas normas são reconhecidas como fundamentais e
vinculam os Estados e as empresas.
9.10. Conclusão
As convenções internacionais constituem o quadro jurídico
que permite harmonizar normas, proteger direitos e promover boas práticas na
indústria da moda. O jurista da moda deve conhecer estes instrumentos,
aplicá-los nos contratos e litígios, e contribuir para a sua implementação efectiva.
A articulação entre tratados, legislação nacional e responsabilidade
empresarial é essencial para construir uma moda global mais justa, sustentável
e juridicamente sólida. No capítulo final, serão apresentadas as perspectivas
futuras da regulação internacional da moda, com propostas de inovação normativa
e institucional.
CAPÍTULO X
Perspectivas
Futuras e Regulação Global da Moda
10.1. Introdução
A indústria da moda encontra-se num momento de profunda
transformação. A digitalização, a emergência de novas tecnologias, a crescente
exigência ética dos consumidores e a pressão regulatória por parte dos Estados
e organizações internacionais estão a redesenhar os contornos jurídicos do sector.
O Direito Internacional da Moda deve acompanhar esta evolução, antecipando
desafios, propondo soluções e contribuindo para uma regulação global mais
justa, sustentável e eficaz. Este capítulo apresenta as principais tendências
que moldarão o futuro jurídico da moda, com destaque para a inteligência
artificial, a rastreabilidade digital, a harmonização normativa e a criação de
novos instrumentos internacionais.
10.2. Inteligência artificial e design
generativo
A utilização de
inteligência artificial (IA) na criação de peças de moda levanta questões
jurídicas complexas:
Quem é o titular dos direitos de autor sobre uma criação gerada por IA?
Sobre esta relevante questão a nossa
resposta é: Actualmente, não há consenso jurídico internacional
sobre quem detém os direitos de autor de uma criação gerada por IA. A maioria das
legislações exige autoria humana para reconhecimento de direitos autorais, o
que exclui, por ora, a IA como sujeito de direito.
Enquadramento jurídico atual
1. Autoria humana como requisito
- A maioria dos ordenamentos jurídicos, como o
brasileiro, europeu e norte-americano, exige que a obra seja fruto de uma
criação intelectual humana.
- Assim, obras geradas exclusivamente por IA, sem
intervenção criativa humana, não são protegidas por direitos de autor
- Como garantir a originalidade e a
não violação de direitos preexistentes?
- Que responsabilidade existe em
caso de plágio ou apropriação indevida?
A legislação actual não oferece respostas claras, sendo
necessário:
- Rever os conceitos de autoria e
criatividade;
- Estabelecer regimes específicos
para obras geradas por algoritmos;
- Criar mecanismos de registo e
certificação adaptados à IA.
10.3. Blockchain e rastreabilidade na
cadeia de produção
O blockchain permite registar, de forma segura e
imutável, todas as etapas da cadeia de produção de uma peça de moda.
As
suas aplicações incluem:
- Verificação da origem dos materiais;
- Certificação de práticas laborais e ambientais;
- Prevenção da contrafacção;
- Transparência para o
consumidor.
A integração do blockchain exige:
- Normas técnicas comuns;
- Reconhecimento
jurídico dos registos digitais;
- Cooperação
entre marcas, fornecedores e autoridades.
10.4. Regulação europeia sobre moda
sustentável
A União Europeia tem liderado a regulação da moda
sustentável, com iniciativas como:
- Estratégia
Europeia para Têxteis Sustentáveis e Circulares;
- Regulamento sobre Ecodesign;
- Directiva
sobre Diligência Corporativa Sustentável.
Estas
normas visam:
- Reduzir o impacto ambiental da
moda;
- Promover a durabilidade e
reparabilidade dos produtos;
- Combater o greenwashing;
- Responsabilizar juridicamente as empresas.
A sua aplicação extraterritorial terá impacto global,
influenciando práticas em países exportadores.
10.5. Harmonização normativa e tratados
internacionais
A fragmentação normativa dificulta a regulação eficaz da
moda.
É
necessário:
- Harmonizar os critérios de protecção da propriedade
intelectual;
- Uniformizar os requisitos de certificação ambiental
e social;
- Criar um tratado internacional sobre moda ética e
sustentável;
- Estabelecer um organismo multilateral de supervisão
e cooperação.
Estas medidas exigem vontade política, diálogo entre
Estados e envolvimento da sociedade civil.
10.6. Papel das universidades, ONGs e
consumidores
A transformação jurídica da moda depende da acção
coordenada de múltiplos actores:
- Universidades: produção de conhecimento, formação
de juristas especializados, investigação aplicada.
- ONGs: fiscalização, denúncia de abusos, promoção de boas
práticas.
- Consumidores: escolhas conscientes, exigência
de transparência, participação em movimentos sociais.
A educação jurídica e a literacia ética são fundamentais
para consolidar uma cultura de responsabilidade na moda.
10.7. Propostas de inovação jurídica
Entre as
propostas que podem ser consideradas para o futuro da regulação da moda
destacam-se:
- Criação de um Código
Internacional da Moda, com princípios orientadores e normas modelo;
- Estabelecimento de um Tribunal
Internacional da Moda, para resolução especializada de litígios;
- Desenvolvimento de uma Plataforma
Global de Transparência, com dados sobre fornecedores, certificações e
práticas empresariais;
- Reconhecimento jurídico de selos
éticos e ambientais com validade internacional.
Estas propostas
visam reforçar a segurança jurídica, a confiança dos consumidores e a justiça
social.
10.8. Conclusão
O futuro do Direito Internacional da Moda será marcado
pela inovação tecnológica, pela exigência ética e pela necessidade de regulação
global. O jurista da moda deve estar preparado para enfrentar estes desafios,
contribuindo para a construção de um sistema jurídico que valorize a
criatividade, proteja os direitos fundamentais e promova uma indústria mais
justa e sustentável. Este livro procurou oferecer uma visão abrangente, crítica
e propositiva da regulação jurídica da moda à escala internacional. A sua
leitura pretende inspirar profissionais, académicos e decisores a pensar
juridicamente a moda não apenas como produto, mas como fenómeno cultural,
económico e humano.
Casos Jurídicos e Resolução no Direito da Moda
I. Propriedade Intelectual e Marcas
1. Christian
Louboutin vs. Van Haren (TJUE, C-163/16)
·
Questão jurídica: Pode uma cor aplicada a uma parte específica de um produto (a sola
vermelha de um sapato) ser protegida como marca registada?
·
Fundamento legal: Regulamento (UE) 2017/1001 sobre marcas da União Europeia.
·
Decisão: O
Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que a cor vermelha, aplicada à
sola de um sapato, pode constituir uma marca válida, desde que não tenha função
técnica.
·
Impacto:
Reforçou a protecção de elementos visuais não convencionais como marcas,
consolidando o conceito de “marca de posição”.
2. Louis Vuitton
vs. Alibaba (China, 2015)
·
Questão jurídica: Venda massiva de produtos contrafeitos em plataformas digitais chinesas.
·
Fundamento legal: Acordo TRIPS, Lei de Marcas da China, responsabilidade de intermediários.
·
Decisão: A
Alibaba comprometeu-se a reforçar os mecanismos de controlo e a colaborar com
marcas na remoção de produtos falsificados.
·
Impacto:
Estabeleceu precedentes sobre responsabilidade de plataformas digitais na protecção
da propriedade intelectual.
II. Design e Direitos de Autor
3. Stella
McCartney vs. Bershka (Espanha, 2018)
·
Questão jurídica: Apropriação de design floral original por marca de fast fashion.
·
Fundamento legal: Lei de Propriedade Intelectual espanhola, Convenção de Berna.
·
Decisão: O
tribunal reconheceu a originalidade do design e ordenou a retirada dos
produtos, com indemnização por danos.
·
Impacto:
Reforçou a protecção de designs de moda como obras artísticas, desde que
demonstrem criatividade.
4. Star Athletica vs. Varsity Brands (Supremo Tribunal
dos Estados Unidos, 2017)
·
Questão jurídica: Protecção de elementos decorativos em uniformes escolares como direitos de
autor.
·
Fundamento legal: Copyright Act dos EStados Unidos.
·
Decisão: O Supremo
Tribunal reconheceu que elementos decorativos separáveis da função utilitária
podem ser protegidos.
·
Impacto:
Clarificou os critérios de protecção de design funcional na moda.
III. Contratos e Colaborações
5. Adidas vs. Thom Browne (Estados Unidos, 2023)
·
Questão jurídica: Uso de faixas paralelas em vestuário é alegada violação da marca das três
riscas da Adidas.
· Fundamento legal: Lanham Act, trade dress.
·
Decisão: O júri
decidiu a favor de Thom Browne, considerando que não havia risco de confusão.
·
Impacto: Reforçou
a importância da diferenciação visual e da prova de confusão efectiva.
6. H&M vs. Beyoncé (Reino Unido, 2013)
·
Questão jurídica: Disputa contratual sobre edição de imagens em campanha publicitária.
·
Fundamento legal: Contrato de imagem, cláusulas de aprovação artística.
·
Decisão: A
campanha foi cancelada após desacordo sobre edição corporal das fotografias.
·
Impacto:
Destacou a importância de cláusulas claras sobre direitos de imagem e controlo
criativo.
IV. Laboral e Responsabilidade Social
7. Rana Plaza vs. Marcas Ocidentais (Bangladesh, 2013)
·
Questão jurídica: Responsabilidade das marcas por condições laborais em fábricas
subcontratadas.
·
Fundamento legal: Convenções da OIT, princípios da ONU sobre empresas e direitos humanos.
·
Decisão:
Diversas marcas criaram fundos de compensação e assinaram o Acordo de Segurança
para o Bangladesh.
·
Impacto:
Estabeleceu o dever de diligência corporativa e a responsabilidade indirecta
por violações laborais.
8. Boohoo (Reino
Unido, 2020)
·
Questão jurídica: Denúncias de exploração laboral em fábricas subcontratadas em Leicester.
·
Fundamento legal: Lei do Trabalho britânica, responsabilidade empresarial.
·
Decisão:
Investigação independente confirmou violações; Boohoo comprometeu-se com
reformas e auditorias.
·
Impacto: Reforçou
a exigência de rastreabilidade e transparência na cadeia de produção.
V. Influência Digital e Publicidade
9. FTC vs. Influenciadores de Moda (Estados Unidos,
2017–2022)
·
Questão jurídica: Falta de identificação de conteúdos patrocinados por influenciadores.
·
Fundamento legal: Federal Trade Commission Act, práticas comerciais desleais.
·
Decisão: A FTC
emitiu orientações e aplicou sanções por omissão de “#ad” ou “#sponsored”.
·
Impacto:
Estabeleceu normas claras de transparência na publicidade digital de moda.
10. Dolce & Gabbana vs. Consumidores Chineses (China,
2018)
·
Questão jurídica: Campanha publicitária considerada ofensiva e discriminatória.
·
Fundamento legal: Direito do consumidor, reputação comercial.
·
Decisão: Cancelamento
de desfile, boicote massivo e retirada de produtos do mercado chinês.
·
Impacto:
Demonstrou o poder reputacional dos consumidores e a importância da
sensibilidade cultural.
Conclusão
Estes
casos ilustram a complexidade e a diversidade dos litígios na moda, exigindo:
·
Conhecimento profundo de propriedade
intelectual, contratos, direito laboral e consumo;
·
Capacidade de actuar em jurisdições
múltiplas;
·
Sensibilidade
ética e cultural;
·
Estratégia jurídica preventiva e reactiva.
O
jurista da moda deve acompanhar a jurisprudência internacional, integrar
cláusulas eficazes nos contratos e promover práticas empresariais conformes com
os padrões legais e sociais.

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